Quem nunca ouviu falar de E o Vento Levou? Ou citou, mesmo sem saber a origem, uma de suas frases célebres, como “Amanhã é um novo dia”? Quem não conhece o tema musical de Tara, composto pelo genial Max Steiner, nem que seja através do seriado Chaves? Pois bem, o épico romântico é um dos filmes mais amados, parodiados e citados da história. O que não significa que seja uma unanimidade. Alguns o comparam ao polêmico Nascimento de uma Nação (1915), de D.W. Griffith, pela maneira como a sociedade escravista é representada. Outros torcem o nariz para o caráter melodramático do filme, pelo que chamam de “quatro horas de novela mexicana”. Detratores à parte, E o Vento Levou sustenta o status de um dos filmes mais populares do cinema. No texto de estreia da nossa coluna Cinemateca, dedicada aos clássicos, tentaremos desvendar os bastidores deste que é um dos maiores sucessos artísticos e comerciais de todos os tempos da indústria cinematográfica.
Uma das perguntas mais interessantes a se fazer com relação a E o Vento Levou é: quem é o verdadeiro autor do longa-metragem? Normalmente, o diretor é aquele a quem atribuímos a autoria de um filme, seu fracasso ou seu sucesso. Com o nosso filme, isso não funcionaria. Para começar, E o Vento Levou foi assumido por três diretores (o oficial, Victor Fleming - foto - e os não creditados George Cukor e Sam Wood) e nenhum deles conseguiu ter liberdade suficiente para imprimir ao filme sua visão da história e seu estilo. Isso se explica pelo fato de o produtor David O. Selznick ser extremamente intervencionista.
Selznick é um dos maiores produtores da Hollywood Clássica. Controlador, amante das adaptações literárias e das produções grandiosas, o genro do poderoso Louis B. Mayer era o pesadelo de qualquer cineasta, já que sempre impunha a sua vontade. Selznick é, sem dúvida, o maior responsável pelo sucesso de E o Vento Levou. Ele comprou os direitos da adaptação do romance de Margaret Mitchell antes mesmo dele se tornar um best-seller e começou sua produção em 1936.
Seria, no entanto, injusto atribuir a autoria de E o Vento Levou somente a Selznick. William Cameron Menzies, renomado diretor de arte, é responsável pela concepção estética do filme, assim como pelo magistral uso das cores, com destaque para o característico vermelho saturado. Menzies foi contratado por Selznick para produzir o storyboard de cada tomada do filme. E o Vento Levou foi um dos primeiros longas a ter cada uma de suas sequências planejadas através do processo do storyboarding. Menzies foi importante também por ter dado unidade ao filme, que poderia ter sido uma bagunça devido à troca constante de diretores.
A partir do momento em que foi anunciada a adaptação cinematográfica do romance de Margaret Mitchell, houve uma participação massiva do povo americano no projeto, tamanha era a popularidade da história. Em uma pesquisa nacional realizada na época, Clark Gable (foto) foi escolhido como o favorito do público para encarnar o protagonista Rhett Butler. Gable, que declarou nunca ter terminado de ler o livro, estava receoso e relutante em interpretar o personagem. Além disso, o ator tinha contrato com a MGM e, de acordo com o studio system, ele não poderia fazer o filme, já que estava "preso" ao estúdio de Louis B. Mayer. Selznick, no entanto, negociou com o sogro e conseguiu com que Gable fosse emprestado, desde que em troca a MGM fosse encarregada pela distribuição do filme. Gable não tinha opção. Pressionado, ele aceitou ser o intérprete de Rhett Butler, mesmo temendo decepcionar o público.
A escolha dos coadjuvantes se deu com certa tranquilidade. Olivia de Havilland, uma das atrizes americanas mais populares da segunda metade dos anos 30, queria dar um novo rumo a sua carreira e deixar de lado os papéis que lhe deram fama nos filmes de capa e espada. Ela foi indicada pela irmã Joan Fontaine e aceitou rapidamente ser a intérprete de Melanie Wilkes. Para viver Ashley Wilkes, Selznick não queria outro que não Leslie Howard. Para participar do filme, o ator exigiu que Selznick produzisse seu próximo filme: Intermezzo – A Love Story (1939). Howard não gostava nem um pouco de seu personagem, nunca leu o livro, se achava velho para o papel e só se importava em decorar suas falas. Ele acreditava que E o Vento Levou era um filme de mulher.
Muito mais complicada e demorada foi a escolha da protagonista feminina, a (anti)heroína Scarlett O’Hara. Diversos nomes famosos foram cogitados, como o de Bette Davis. A atriz se mostrara extremamente interessada pelo papel, mas veio a recusá-lo, uma vez que seu empréstimo para o filme estava condicionado ao empréstimo de Errol Flynn como seu par romântico (e ela odiava mortalmente o ator). Paulette Goddard (foto à esquerda) foi a atriz que mais se aproximou de ser a escolhida de Selznick. O produtor havia gostado bastante do seu teste. Por temer a má repercussão do relacionamento de Goddard com Charles Chaplin, Selznick acabou por desistir dela.
Mais de 1.400 atrizes se candidataram ao papel e mais de 400 testes foram realizados. Myron Selznick, irmão de David, estava trazendo para os Estados Unidos o ator inglês Laurence Olivier para seu primeiro filme americano. Olivier tinha um caso com Vivien Leigh (foto à direita), atriz desconhecida nos Estados Unidos. Como o casal não queria se separar, a vinda de Leigh tornava-se necessária. Myron teve, então, a ideia de indicar Leigh para o papel de Scarlett. Ao apresentar a atriz ao irmão, ele disse: “Eis sua Scarlett!” David Selznick já havia visto alguns filmes da atriz e não havia se impressionado. No entanto, ele ficou encantado com o teste da inglesa. Boa parte do público repercutiu negativamente a escolha de uma atriz não americana para o papel de Scarlett O’Hara. Hoje em dia, é quase impossível pensar em outra atriz na pele da personagem icônica.
Muitos problemas interferiram nas filmagens de E o Vento Levou. Selznick exigiu diversas mudanças no roteiro, que acabou sendo escrito a cinco mãos. Paginas do script chegavam a ser reescritas no mesmo dia de sua filmagem. Para a direção do longa-metragem, o produtor convidara o amigo George Cukor. Após algum tempo de filmagem, Selznick o afastou da produção, afirmando não estar gostando do resultado. Cukor, conhecido por saber retratar com sensibilidade o universo feminino, tinha uma ótima relação com Leigh e Havilland, mas não se dava bem com Gable. O ator sentia que o diretor dava muito mais atenção às mulheres. No lugar de Cukor, que era homossexual, Selznick colocou Victor Fleming, que tinha a fama de machista, e que era amigo de Gable. Leigh e Havilland odiavam o novo diretor. Após brigas homéricas com Leigh, Fleming se afastou. Sam Wood foi então chamado, mas Selznick não gostou nada do resultado, sendo obrigado a chamar Fleming de volta para dirigir o restante das principais cenas.
E o Vento Levou estreou nos Estados Unidos em 15 de dezembro de 1939. O filme ganhou oito Oscars (Melhor Filme, Direção, Roteiro, Atriz, Atriz Coadjuvante, Direção de Arte, Fotografia e Montagem) além de dois prêmios especiais pelos avanços técnicos promovidos pelo longa. O filme continua a ser o campeão absoluto de bilheteria em termos de número de espectadores (202 milhões de ingressos vendidos*), superando, neste quesito, o campeão de arrecadação, o filme Avatar (2009), de James Cameron (61 milhões de ingressos*). E o Vento Levou sustenta, portanto, há 72 anos, o status de filme mais visto de todos os tempos nos cinemas. Muito ainda pode ser dito sobre ele, mas este é apenas o primeiro texto da nossa coluna e, com certeza, o clássico produzido por David O. Selznick aparecerá por aqui outras vezes.
* Fonte: Box Office Mojo, 05/02/2010