O Grande Hotel Budapeste, mais recente filme de Wes Anderson, reúne um grande elenco em uma obra que, apesar da temática mais sombria que a de seus filmes anteriores, mantém o tom fabulesco e a estética impecável que lhe são característicos. O design de produção faz uso de maquetes e miniaturas (também como em filmes anteriores) e o figurino é assinado pela veterana Milena Canonero, que também foi responsável por Barry Lyndon, já aqui comentado.
O filme retrata três décadas diferentes, cada uma com suas paletas de cores e até mesmo razões de aspecto específicas, diferenciando umas das outras.
Logo na sequência de abertura, nós vemos uma menina com camiseta rabiscada, sobretudo adornado com botons, boina, meias brancas e pesados sapatos pretos caminhando na neve para homenagear um autor no cemitério. O tipo de roupa da garota já nos remete a personagens de filmes passados do diretor. Embora algumas peças pareçam ser antiquadas ou passar uma imagem de bom comportamento, são os detalhes que revelam que, debaixo dessa superfície, algo deve estar se agitando no fictício país de Zubrowka.
O ano é 1985. Passamos a um escritório onde o Autor (Tom Wilkinson) fala com o espectador sobre sua trajetória. Móveis antigos e pesadas cortinas laranjadas adornam a sala e ele veste, de forma muito conservadora, paletó marrom de lã, com gravatas em tom de caramelo. Tudo é sem vida e sem frescor, como se sobrevivessem a algum regime político que subjugou a população, o que depois nos é revelado.
A narrativa passa para o ano de 1968, quando o jovem Escritor (Jude Law) conhece Zero Moustafa (F. Murray Abraham), o misterioso proprietário do Hotel Budapeste. Ele decide contar ao visitante a história de como adquiriu o luxuoso estabelecimento.
Moustafa veste-se de azul marinho, vinho e marrom, uma combinação um tanto quanto inusitada e de gosto duvidoso.
Acrescenta-se a isso o hall do hotel com paredes cor de laranja e móveis em laca brilhante em amarelo intenso e verde amarelado. A fachada ganhou um letreiro alaranjado e a libré dos funcionários é em um tom aberto de roxo. As paredes são cobertas de painéis amadeirados com aparência barata. Todas as cores contrastam de um jeito estranho entre si. Tudo isso serve para indicar que, com o passar dos anos, o Hotel foi redecorado para um estilo modernista cafona, com aparência decadente, possivelmente filtrado pelo regime.
Moustafa retrocede a narrativa para o ano de 1932. Foi ali que, ainda chamado simplesmente de Zero (Tony Revolori), ele começou a trabalhar no hotel como ajudante, contratado pelo exuberante M. Gustave (Ralph Fiennes). Esse período é retratado como uma época de opulência e bom gosto. A libré dos funcionários no passado também era roxa, mas em um tom mais fechado. O hall é decorado em vermelho e dourado e possui um ar de grandiosidade. As mesmas cores se repetem no salão de refeições. Embora as cores ainda sejam contrastantes, formam uma composição mais refinada e grandiosa.
As paredes dos ambientes são de um tom de rosa pálido, novamente evocando o passado de forma saudosista, retratando-o como mais elegante. O retrato da década é repleto de tons pastel.
M. Gustave se envolve de forma bastante intensa com as suas hóspedes mais idosas. Uma delas, Madame D. (Tilda Swinton), veste-se de forma extravagante e suas ricas roupas são inspiradas pela obra do artista Gustav Klimt. As peças foram confeccionadas pela grife Fendi.
O Beijo, de Gustav Klimt.
A marca também foi responsável pelos casacos com bordas de pele utilizados pela polícia.
Casaco ao centro confeccionado pela marca Fendi.
É fácil perceber que, em meio a todo o festival de cores utilizadas no filme, não é por acaso que a polícia e o exército fascista são retratados em cinza e preto. Eles são as figuras de autoridade a se temer e roubam a cor a seu redor. A mesma cor é utilizada para marcar pessoas relacionadas a Madame D: sua família de luto e especificamente seu filho Dmitri (Adrien Brody), além do capanga Jopling (Willem Dafoe). Este utiliza um sobretudo de couro confeccionado pela grife Prada.
Sobretudo de couro produzido pela marca Prada.
Ela também contribuiu com a produção de um conjunto de malas utilizadas por Madame M.
Ao fundo, malas Prada confeccionadas especialmente para o filme.
A colaboração entre Wes Anderson e Prada começou com duas peças publicitárias dirigidas por ele: uma campanha para o perfume Candy, estrelada por Léa Seydoux, e um curta, Castello Cavalcanti, estrelado por Jason Schwartzman e Giada Colagrande.
Wes Anderson é conhecido por fetichizar roupas e cenários de seus filmes, tornando-os parte essencial do visual esquematicamente composto para eles. O Grande Hotel Budapeste talvez não tenha roupas tão marcantes como Os Excêntricos Tenenbaums e mesmo Moonrise Kingdom, mas ainda assim elas fazem parte de um conjunto que, provavelmente, é sua mais elegante composição até agora. A temática está mais madura, embora aspectos políticos continuem sendo secundários e a experimentação estilística segue sendo o ponto forte. O trabalho de Milena Canonero é lúdico, mas, mais que isso, dialoga com cenários e cria novamente as paletas de cores inusitadas que são características do diretor.
É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.