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O SILÊNCIO DOS INOCENTES e HANNIBAL Vestindo o Filme

"We begin by coveting what we see every day. Don't you feel eyes moving over your body, Clarice?"

Criado pelo escritor Thomas Harris, Hannibal Lecter apareceu em quatro livros, cinco filmes e uma série de televisão e é, sem dúvida, um personagem marcante na cultura popular. O filme O Silêncio dos Inocentes, de 1991, dirigido por Jonathan Demme, marca a consagração do personagem, que protagoniza a trama ao lado da agente do FBI Clarice Starling. As interpretações marcantes de Anthony Hopkins e Jodie Foster são realçadas pela atmosfera soturna e pelos constantes closes em seus rostos. O figurino de Colleen Atwood (conhecida pelos seus trabalhos nos filmes do diretor Tim Burton) é contido e significativo.

Na primeira vez em que avistamos Clarice, ela está correndo em uma trilha na mata, vestindo um moletom cinza do FBI. Ao ser chamada para conversar com um superior, entra em um elevador cheio de colegas vestidos de vermelho, dando uma noção de perigo. A diferença de altura, a forma como ela é observada e o espaço diminuto ao seu redor ajudam a frisar essa noção. Sendo uma mulher em um ambiente predominantemente masculino, o tom de ameaça de cunho sexual em torno dela o tempo inteiro é um tema constante no filme.

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Sua posição vulnerável é mais uma vez destacada quando comparada aos homens por quem passa no corredor, todos trajando paletós em tons de cinza, em contraste com seu moletom suado do exercício físico e seu rabo de cavalo, que lhe conferem ar infantil.

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Doutor Chilton, o responsável pelos presos com problemas mentais, não hesita em perguntar-lhe se teria a noite livre, pois a cidade pode ser divertida de noite, mesmo se tratando de uma visita profissional. Com cabelos volumosos e roupas vistosas, o psiquiatra demonstra ter grande autoconfiança.

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Clarice veste saia lápis, uma camiseta clara, blazer de tweed e carrega um casaco verde que usará ao longo de todo o filme. Como adorno, uma pequena corrente no pescoço. Através dessa roupa tenta projetar uma imagem de profissionalismo.

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No corredor das celas, que mais parece um calabouço, é ameaçada por três internos diferentes. Um deles chega ao extremo de lhe jogar esperma. Novamente, o olhar dos homens ao seu redor é que lhe ameaça. Comportam-se com selvageria e contrastam com a figura em pé na cela arrumada, com uniforme impecavelmente ajeitado, que é Hannibal. Em meio aos outros loucos, ele é ameaçador por sua postura e aparência sã. A ameaça é sua mente e o uso que faz dela, não uma possível demonstração de animalidade.

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Com seu jogo de palavras, Hannibal consegue achar um ponto fraco em Clarice. Menciona sua bolsa cara e seus sapatos baratos, bem como sua infância e sua tentativa de deixar para trás a imagem de caipira e de pobreza. Provavelmente, Clarice pensou que ninguém repararia em seus sapatos, especialmente porque, com saia e meia calça, está mais produzida do que o normal de seu cotidiano.

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Fora dessa situação, ela passa o filme inteiro com a mesma roupa: uma camisa polo bordô, sob uma  jaqueta de tweed, o casaco verde e um cachecol cinza. Não usa estampas, nem formas marcantes, muito menos peças com cortes diferenciados. Seu estilo é formal e ao mesmo tempo prático. Talvez justamente para lidar com o mundo ao redor: um idoso acha que ela não conseguiria abrir uma porta de metal e pensa em chamar seu filho para ajudar; seu chefe a exclui de uma conversa com um delegado local e a deixa sob o olhar escrutinador de outros policiais; mesmo os cientistas que analisam os insetos a assediam. A hostilidade ou a condescendência estão por todo lado e por isso ela não chama atenção para si, apenas veste sua roupa como uma armadura.

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Ao ser transferido, o uniforme de Hannibal muda para o puro branco. Nessa sequência, ele está utilizando as duas máscaras icônicas que o impedem de morder seus captores, mas não impedem seu olhar frio dirigido diretamente para o espectador.

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Quem se importa com o vestuário aqui é Buffalo Bill (Ted Levine), o serial killer à solta. Pergunta a uma vítima antes de capturá-la se seu manequim é 14, interessado em seu tamanho. Recorta seu vestido e confere a numeração na etiqueta. Ele mesmo é interessado em costura e aparece praticando a atividade nu, livre de qualquer elemento que o defina.

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Vaidoso, dança em frente ao espelho enquanto se maquia: usa um piercing com pingente no mamilo, um colar com um em forma de mulher e outro com pingente geométrico, além de uma manta estampada. Aprecia sua própria aparência e adorna seu corpo de forma que desafia os padrões tradicionais de gênero.

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De qualquer forma Buffalo Bill encaixa-se na temática de objetificação da mulher de forma bastante literal, tendo em vista que transforma os corpos de suas vítimas em objetos. Utiliza suas peles como tecido, para poder costurar para si um traje literalmente de mulher, para incorporar à sua feminilidade.

No filme seguinte, Hannibal, de 2001, dirigido por Ridley Scott, Anthony Hopkins volta a desempenhar o papel-título, mas Julianne Moore substitui Jodie Foster como Clarice. A figurinista passa a ser Janty Yates, que firmou parceria com o diretor em Gladiador e participou de quase todos seus filmes seguintes.

Yates reformulou o guarda-roupa de Clarice. Ao invés da formalidade do primeiro filme, aqui, já agente especial, ela aparece bastante casual. Faz uso de camisetas, camisas de botão, calças-cargo e jaquetas jeans.

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Na cena em que conhece Mason Verger (Gary Oldman), veste um terninho cinza com camiseta clara que remete àquele conjunto que usara quando conheceu Hannibal. Mas dessa vez, o corte é inadequado ao seu porte e o efeito geral é de desleixo. 

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Neste segundo filme, a força da personagem parece se perder em meio às tramas paralelas. O senso de constante ameaça apenas por ser mulher também não está mais lá. Mas na sequência em que é revelado seu envolvimento passado com Krendler (Ray Liotta), seu superior no FBI, e este a destrata, a conexão é destacada pelo uso de camisas similares para ambos: sociais de botão em tom amarelo claro.

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Hannibal, livre, pode finalmente expressar todo seu refinamento. Veste-se com ternos bem cortados (a maioria Gucci) e utiliza óculos escuros com armação verde, anel com pedra azul e chapéu panamá. Emana sofisticação e bom gosto, coisas que aprecia.

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Em certa cena, os elementos da composição são ligados cromaticamente a ele: não só seu anel é azul, como sua camisa; bem como as flores das mesas e camisas de diferentes figurantes, destacando-o. Era o que o inspetor Pazzi (Giancarlo Giannini) necessitava para encontra-lo em meio à multidão e confirmar sua presença em Florença.

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Pazzi encontra Hannibal pela primeira vez quando este está no meio de sua sala de estar, descalço, de pijama azul, refletindo o momento em que Clarice o viu pra primeira vez.

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O personagem só deixa de se vestir com elegância quando precisa se disfarçar: usa camiseta e uma camisa larga sobre ela, para ter a aparência de um americano comum.

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Os sapatos de Clarice são constantemente mostrados, como um lembrete de que passados tantos anos, ela continua usando calçados baratos, outra alusão ao filme anterior.

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Com forte publicidade indireta, a grife italiana Gucci volta a aparecer na revista que Hannibal deixa na casa de Clarice, com uma foto desta sobre o rosto da modelo.

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Não por acaso, quando veste Clarice para o banquete final, coloca nela sandálias e um vestido da mesma grife. A marca aparece em destaque quando o sapato é mostrado pela primeira vez. O vestido, com fenda frontal, decote profundo e costas nuas, é muito mais ousado do que qualquer roupa que Clarice utilizaria em seu cotidiano.

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Com mais personagens e tramas que se misturam, Hannibal é um filme que não confere o destaque que Clarice merecia. O fato de o serial killer que dá nome ao filme estar à solta deixa-lhe mais espaço para expressar-se enquanto personagem, mas ao mesmo tempo tira-lhe parte do mistério, já que que o ato violento mostrado de forma escancarada é menos assustador do que a sensação de ameaça e de perigo iminente. Se considerarmos apenas O Silêncio dos Inocentes, Clarice é protagonista de sua própria história, mesmo vivendo em um mundo de homens ameaçadores, sejam eles serial killers, cientistas, médicos ou agentes do FBI. Apesar de suas inseguranças, é forte o suficiente para lidar com todos eles. Os figurinos criados para ela por ambas, Colleen Atwood e Janty Yates, são minimalistas de formas diferentes, mas o primeiro, com sua formalidade simples, parece se adequar mais ao que ela precisa para sobreviver ao meio que a rodeia. Não resta dúvidas de que O Silêncio dos Inocentes é uma obra cinematográfica que vence facilmente a barreira do tempo e do gênero em que se enquadra, mostrando-se um belo filme até hoje. 

Well, Clarice - have the lambs stopped screaming?

LEIA TAMBÉM: Jovens Clássicos: O Silêncio dos Inocentes, por Pablo Villaça 
 

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Sobre o autor:

É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.

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