Diversas vezes nesta coluna explorei a temática da construção de personagens através de alterações em suas roupas, seja em termos de silhueta, seja em torno da paleta de cores utilizada. Nesses casos geralmente há passagem de tempo e mudanças em suas personalidades, levando a um desenvolvimento da trama expressado justamente através do figurino.
Mas existem certos filmes que não permitem trocas de guarda-roupa. Tramas que se passam em um cômodo só, quase em tempo real, são um exemplo. A dificuldade nesse caso é expressar para o público o máximo possível a respeito das pessoas retratadas através da única aparência que terão, diferenciando uns dos outros e compondo um cenário distinto. Pertencente a esse grupo, Clube dos Cinco (1985) é um clássico absoluto da Sessão da Tarde, que fez parte da vida de várias gerações nas décadas de 1980 e 1990. O último dia 24 de março marcou o aniversário de trinta anos dos eventos nele mostrados. Dirigido por John Hughes, o figurino aqui ficou a cargo de Marilyn Vance, que também trabalhou em outros de seus filmes, como Mulher Nota Mil e A Garota de Rosa-Shocking.
Cinco adolescentes passando um sábado de castigo na escola, incumbidos de escrever um ensaio de mil palavras sobre quem eles pensam que são. Confinados na biblioteca, conversam e passam a se conhecer e a se compreender, apesar de suas diferenças. Serão supervisionados ao longo do dia pelo diretor Richard Vernon (Paul Gleason). Vernon é a encarnação do adulto chato e burocrático. Sua roupa é a representação de sua personalidade entediante. A camisa preta, sem gravata, e o paletó datado (com barras levemente em boca de sino) com uma cor tão sem definição que caminha entre o cinza e o bege, são o epítome do enfado.
Por se passar no início da primavera e para proteger-se do resquício de frio que ainda persiste, os personagens se vestem em camadas, que vão sendo desnudadas conforme a narrativa avança.
Abordando os alunos na ordem em que são mencionados na redação final, o primeiro é o estudioso Brian Johnson (Anthony Michael Hall), que se traja de maneira bastante simples e básica, como se para as roupas apenas cumprissem a função de cobrir o corpo. Usa calça cáqui de cintura alta, já um pouco curta, moletom verde e, por cima, uma jaqueta marrom, todos sem nenhum detalhe ou adereço.
Andrew Clark (Emilio Estevez) estampa em todas as suas camadas a prática esportiva: ao chegar, está vestindo uma jaqueta do time do colégio. Por baixo, um moletom com zíper frontal e capuz. Sob este, uma regata com logo da marca de roupas e equipamentos esportivos Nike. Todas elas em azul, acompanhando calça jeans e tênis da mesma marca citada. Ele nunca abandona sua identidade de atleta.
Allison Reynolds (Ally Sheedy) apresenta-se como uma grande incógnita. Chega usando um grande casaco de nylon com capuz. Ao retirá-lo, percebe-se que utiliza uma saia cinza com meia calça da mesma cor, uma camisa listrada preto e branco, casaco preto e cachecol preto e cinza. Bastante monocromáticas, suas roupas são largas e sem forma, como se ostentasse camadas de proteção contra o restante das pessoas.
Claire Standish (Molly Ringwald) vai pela rota contrária: suas roupas são coordenadas e têm caimento impecável. Veste jaqueta de couro marrom, combinando com luvas e botas do mesmo material e um cachecol de renda branca. Sob o casaco está com uma blusa rosa, saia marrom com estampa paisley e um cinto largo. Nada está fora do lugar e tudo veste exatamente como deveria.
Por fim, John Bender (Judd Nelson), garoto problema do colégio, que a princípio parece não se importar com nada ao seu redor. Seu sobretudo, provavelmente herdado de alguém, é grande demais e precisa ser usado com as mangas dobradas. Sob ele veste uma jaqueta jeans desbotada e uma camisa de flanela xadrez. Além disso, usa o que parece ser uma tira de pano desfiado como cachecol. Calça botinas pesadas e coloca as barras da calça desajeitadamente por dentro. O lenço amarrado no calçado direito e as luvas sem dedos coroam seu visual poluído e descombinado.
Não deixa de ser injusto que, em um filme em que pessoas diferentes se conhecem e se aceitam, Allison tenha que passar por uma mudança de visual ao final. Embora cada um dos personagens tenha se aberto e relatado seus problemas, é como se ainda assim ela precisasse se tornar mais aceitável ao grupo, ou mesmo especificamente a Andrew. Sua nova aparência (com cabelos presos com o cachecol de renda de Claire, inclusive) é elogiada pelos demais, o que é um tanto cruel, visto que ninguém a elogiou enquanto estava como chegou ao colégio.
É interessante notar que as roupas que os personagens vestem também dizem muito sobre os próprios estereótipos que eles relatam na redação entregue ao final. Suas aparências passam a imagem que é entendida pelos adultos e, em processo reverso, também é alimentada por essas expectativas.
Querido Sr. Vernon, nós aceitamos o fato de que tivemos que sacrificar um sábado inteiro na detenção por seja lá o que foi que fizemos de errado. Mas achamos que você é louco por nos fazer escrever um ensaio contando-lhe quem nós pensamos que somos. Você nos vê como quer nos ver – nos termos mais simples, nas definições mais convenientes. Mas o que nós descobrimos em cada um de nós é um CDF, um atleta, um caso perdido, uma princesa e um criminoso. Isso responde sua pergunta? Sinceramente, o Clube dos Cinco.
John Hughes foi responsável por filmes que retrataram os adolescentes de um período e continuam dialogando com eles tantos anos depois. Aqui os adultos representam o conformismo e a falta de empatia e compreensão. Os jovens têm anseios, medos, regras para quebrar e um mundo torto para tentar entender. Clube dos Cinco é um marco inegável entre filmes do gênero e Marilyn Vance fez um ótimo trabalho criando uma estética que traduz a identidade estereotipada de cada um dos protagonistas.
É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.