Há algumas semanas, estreou nos cinemas brasileiros Carrie, a Estranha, nova adaptação do livro homônimo de Stephen King. No filme, a jovem protagonista é convidada para seu baile de formatura e decide ir, contra a vontade de sua mãe. Para tal, precisa de um vestido e o costura ela mesma.
Planejar a peça, desenhá-la, cortar os moldes, perceber o toque e a textura do tecido, sentir a tesoura deslizar por ele gerando um barulho áspero através do suave roçar, alfinetar, dar forma, alinhavar e, por fim, costurar: criar uma roupa é um processo bonito, trabalhoso e que exige um trabalho meticuloso, mas o resultado final, o prazer da criação, é algo imensurável. Alguns filmes mostram essas etapas, criando quase que uma metalinguagem do figurino: ele é montando em cena, diante de nossos olhos. Claro que se trata de uma ilusão, mas é interessante ver isso acontecendo. Então, aqui seguem alguns filmes onde o processo de concepção e feitio da roupa é mostrado.
O primeiro que devemos lembrar é o já citado Carrie, a Estranha, em suas duas versões para o cinema. A primeira é de 1976, dirigida por Brian De Palma e com figurino de Rosanna Norton e a segunda, de 2013, dirigida por Kimberly Peirce e com figurino de Luis Sequeira. Carrie é uma menina isolada dos demais na escola e com uma mãe repressiva. Essa última também vem a ser costureira e por esse motivo a jovem tem a seu dispor todo o material necessário para a confecção de um vestido para o baile, dos moldes à máquina de costura. Carrie não tem contato com a moda atual, então seu vestido deve ser bonito, mas remetendo a tempos passados. Em ambas as versões, foram feitos vestidos semelhantes a camisolas, remetendo à moda da década de 1930. Ambos são, também, confeccionados em cetim rosa claro, cortado em viés, para melhor caimento.
Carrie de 1976 (esquerda) e 2013 (direita).
Outra personagem que precisava de um vestido de baile é Andie, do filme A Garota de Rosa-Shocking, um clássico da Sessão da Tarde, dirigido por Howard Deutch. Andy utiliza como base para sua criação um vestido antigo, possivelmente da década de 1950. Ela o corta, desenha uma nova versão, que considera mais moderna, e costura. Pode-se questionar seu senso estético, mas não se pode negar sua criatividade.
Vestido rosa: o antes e o depois.
Os desenhos da Disney costumavam ter cenas que envolviam costura. Duas de suas princesas tem vestidos confeccionados com ajuda de terceiros. Em A Bela Adormecida, de 1959, as fadas-madrinhas Flora, Fauna e Primavera não demonstram ter muita habilidade para o ofício sem o uso de mágica. De qualquer forma, elas sequer conseguem decidir de qual cor será a roupa: rosa ou azul?
Já Cinderela, do filme homônimo de 1950, recebe ajuda de ratos e passarinhos, que costuram com primor um vestido para que ela possa ir ao baile. Infelizmente, a bondade dos animaizinhos de pouco adiantou, pois essa versão do traje é destruída por sua madrasta.
Ainda nos desenhos animados, em Os Incríveis temos a estilista Edna Moda, que parece ter sido inspirada pela figurinista Edith Head. Edna é mostrada em pleno processo de criação e ensina o Sr. Incrível uma máxima de incrível sabedoria: nada de capas! Capas apenas atrapalham a movimentação dos heróis. Forma e função devem caminhar juntos.
Em E o Vento Levou, a protagonista Scarlett O'Hara precisava de um vestido que garantisse a ela a aparência da riqueza que possuía em tempos passados, e para conseguir o efeito não hesitou em pedir para Mammy costurar-lhe um, fazendo uso da antiga e pesada cortina de veludo verde com detalhes dourados. A indumentária final, obra do figurinista Walter Plunkett, inspirou gerações de aficionados por figurino e certamente é um trajes mais memoráveis do cinema.
Vestido confeccionado com cortina de veludo e detalhe do chapéu com ranjas douradas.
Giselle, a protagonista de Encantada, vem da tradição das princesas da Disney (canta, conversa com animais, espera por seu príncipe), mas de certa forma homenageia Scarlett ao utilizar as cortinas de Robert para criar sua vestimenta.
Representando os profissionais que trabalham com costura, temos Coco Chanel, em sua cinebiografia Coco Antes de Chanel, dirigida por Anne Fontaine e com figurino de Catherine Leterrier. O filme apresenta um interessante retrato de sua vida antes de se tornar uma estilista renomada. Em diversos momentos, a personagem principal é mostrada costurando, seja remodelando uma camisa social masculina para si ou fazendo um blazer, até que, ao final, supervisiona cada detalhe da produção manual das peças de sua marca, já uma grande casa de moda. É um belíssimo filme para quem tem interesse na área.
Por fim, temos uma personagem para quem o processo de costurar sua roupa nova fez parte de uma grande virada em sua vida. Em Batman – O Retorno, cujo figurino é desenhado por Bob Ringwood e Mary E. Vogt, parte importante da transformação de Selina Kyle em Mulher-Gato passa pelo feitio de sua icônica roupa, adotando postura sedutora que a primeira não possuía e se tornando uma vilã da trama.
Através desses exemplos é interessante perceber como geralmente a costura aparece em filmes como uma atividade doméstica, vinculada ao universo feminino. Em nenhum dos filmes citados algum homem aparece realizando o ofício. Além disso, poucos são os exemplos de costura profissional e pouca ênfase é dada a habilidade e destreza necessárias para sua prática.
Quais outros filmes mostram as etapas de produção de uma roupa ou a costura em si e não foram citados? Deixe seu comentário abaixo.
É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.