Dirigido por Roman Polanski, O Bebê de Rosemary é um grande clássico do terror, que trabalha com nossas percepções do entorno dos personagens para criar o suspense adequado. O filme é de 1968 e se passa entre 1965 e 1966. A figurinista Anthea Sylbert captou perfeitamente o que acontecia no momento, bem como os subtextos religiosos, para compor a protagonista.
Como mencionado na edição anterior da coluna, em meados da década de 1960 o New Look, caracterizado por cintura marcada e saia rodada, saiu de moda e foi substituído por uma silhueta trapezoidal, em A, cuja saia encurtou ao longo do período.
Exemplos de vestidos utilizados entre 1966 e 1968.
Para acompanhar a mudança do corte da roupa feminina, houve também uma guinada no tipo de corpo considerado ideal para portá-la. Nas últimas décadas, o padrão de beleza era constituído por mulheres curvilíneas, com formas “ampulheta”, caracterizadas por busto e quadris largos e cintura fina. Agora, com a modelagem novamente solta pela primeira vez desde a década de 1920, o padrão daquele período retorna: corpos mais magros e poucas curvas. Mas enquanto aquele período buscava uma moda andrógena (dentro de certos limites) este busca, além disso, uma imagem infantilizada da mulher. Ícone da época, a modelo Twiggy, dona de grandes olhos sempre realçados, tinha 16 anos quando foi alçada à fama em 1966 e exemplifica bem esta estética.
Twiggy, a beleza idealizada daquele momento.
O casal de protagonistas é formado por Rosemary Woodhouse (Mia Farrow) e seu marido Guy (John Cassavetes). Ele é um ator sem muitos trabalhos conhecidos e ela é dona de casa, que aspira se tornar mãe em breve. A paleta de cores dela é baseada no amarelo, com azul e marrom pontuando eventualmente. Azul e marrom também são as cores predominantes das roupas dele. O casal é jovem e busca por uma moradia. Optam por um apartamento antigo em um imóvel que teve sua planta alterada. No dia em que vão conhecer o apartamento, na abertura do filme, Rosemary utiliza um vestido totalmente branco, com luvas, bolsa e sapatos combinando. A peça marca sua inocência e certa ingenuidade.
Quando passa a primeira noite na nova casa, Rosemary usa um vestido amarelo com estampa floral branca, que utilizará novamente em outra ocasião. Como o filme abrange um longo período de tempo, é interessante notar como as roupas das personagens se repetem. Guy está caracteristicamente de azul.
O amarelo se repetirá no guarda-roupa dela ao longo de todo o filme.
Ela vai decorar a casa e costurar itens, como almofadas e cortinas. Conforme o lar vai ficando pronto, percebe-se que amarelo também domina todos os ambientes. Rosemary é essencialmente uma mulher caseira e se sente segura nessa situação, portanto, trabalha para deixar a casa alinhada consigo mesma.
A protagonista contrasta com Terri, a vizinha que conheceu na lavanderia e que falou sobre seu passado difícil e do envolvimento com drogas. Com vestido de mangas bufantes e duas chiquinhas, parece quase uma criança, se comparada com o cabelo volumoso, brincos grandes, maquiagem e as cores fortes das roupas da outra.
Quando Terri é encontrada morta na calçada em frente ao prédio, após um suposto suicídio, conhecemos o casal de vizinhos Minnie (Ruth Gordon) e Roman Castevet (Sidney Blackmer). Eles parecem dois velhinhos excêntricos, com seus trajes com uma profusão de cores, padronagens e acessórios. O visual é tão espalhafatoso que os torna ridículos e, por consequência, igualmente ridículas quaisquer suspeitas em relação a eles. Os inconvenientes e excessivamente simpáticos vizinhos passarão a fazer parte da rotina do jovem casal.
Na primeira vez em que Minnie e Roman convidam Guy e Rosemary para jantar no seu apartamento, a protagonista utiliza um vestido azul-marinho com estampa floral, e com punhos e larga gola brancos, novamente garantido-lhe uma aparência bastante infantil. Voltará a utilizá-lo na cena em que recebe a notícia de que está grávida. A ligação entre as duas cenas é importante, pois é nesse jantar que Guy faz um acordo com o outro casal a respeito da esperada gravidez.
O único momento do filme em que Rosemary não utiliza os vestidos que lhe são característicos é na noite em que faz um jantar romântico para Guy, pensando na concepção do bebê, por ser seu dia fértil. Ela veste um conjunto composto por calças amplas e camisa com gola de laço. A cor vermelha tem várias interpretações: pode remeter ao perigo que ela passa no momento, à paixão, ou, numa visão dentro do contexto religioso, ao próprio diabo. Ela desmaia após comer a sobremesa presenteada por Minnie e tem visões estranhas em que é o centro de um ritual. Ao acordar nua com o corpo todo arranhado, ouve Guy se justificar, utilizando como desculpa estupro marital (que não era entendido dessa forma à época).
Depois dessa noite, Guy, que até então permanecia sem camisa na hora de dormir, passa a usar pijamas, como se ocultasse algo da esposa, ou evitasse o contato com ela.
Com a gravidez avançando, Rosemary definha a olhos vistos, cada vez mais magra e sempre com dor. O novo corte de cabelo, embora moderno, realça sua aparência. Transparece a fragilidade de seu estado, em que todos diretamente ao seu redor se negam a acreditar que esteja mal em virtude da gravidez. É tratada como criança, com condescendência, pelo marido e observada de perto pela vizinha. O tempo inteiro tentam podar sua autonomia, embora ela tente manter alguma. Não é vista como dona de si, o que ajuda a aumentar a sensação de horror e de urgência em relação a sua situação.
Após dar à luz, ao descobrir que seu bebê está vivo, ouvindo o choro que vem do apartamento ao lado, a protagonista usa uma camisola azul clara com detalhes em branco. Novamente há uma interpretação de fundo religioso, pois a personagem supostamente engravidou de uma entidade sobrenatural, em uma concepção que não seria natural, gerando uma criança prometida, esperada e especial dentro do contexto, tal qual Virgem Maria para o cristianismo e sendo essas duas as cores geralmente usadas em sua representação. Há algo de angelical na forma em que observa seu bebê. Ao final, Rosemary se depara com o absurdo de sua situação, em que só ela vê o grotesco e todos ao seu redor se comportam como se tudo transcorresse dentro da normalidade, quase como uma caricatura bizarra de realidade.
O Bebê de Rosemary não só é uma obra fantástica, como também uma que só poderia ter sido feita no período de sua realização, pouco antes do fortalecimento das lutas feministas. A fragilidade da protagonista e a falta de apoio que tem daqueles ao seu redor, bem como o tratamento que lhe confere o marido, dificilmente seriam entendidos ou mesmo aceitos em um tempo posterior. O figurino de Anthea Sybert, interpretando a moda da época (que buscava a beleza em uma imagem feminina infantilizada), ressalta sobremaneira o desamparo e fragilidade da protagonista, além de abarcar o contexto religioso da trama. A confluência do período histórico com a moda através do figurino torna o filme icônico para a estética da década de 1960.
É antropóloga e doutoranda em Antropologia Social pela USP, apaixonada por cinema e autora do blog Estante da Sala.