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É possível fazer filme independente no Brasil sem Leis de Incentivo? Que Cinema é Esse?

por Larissa Padron

Quantas vezes você foi ao cinema assistir a um filme nacional e NÃO viu no início do filme as logomarcas da ANCINE, da Lei do Audiovisual, e das milhares de empresa patrocinadoras? Se é difícil para um filme de maior apelo comercial ser lançado em salas de cinema sem nenhum tipo de incentivo público, como é o cenário então para filmes independentes? Quantos filmes independentes que você conhece foram realizados sem Lei de Incentivo, Fundo Setorial, ou algum edital?

Entrar nos meandros das leis de incentivo, e outras formas de incentivo público, é algo muito complicado para quem não está no meio da produção audiovisual (até para eles é complicado, já que existem empresas especializadas em fazer essa mediação entre o realizador e a captação de incentivos públicos ou privados). A não ser que você tenha muita familiaridade com o assunto, provavelmente terá muita dificuldade de entender alguma coisa ao ler a Lei do Audiovisual na íntegra, por exemplo. Sua linguagem não é acessível ao público leigo.

Na verdade, entender o mercado cinematográfico brasileiro, principalmente no que diz respeito a parte de financiamento, é algo que exige muito tempo, dedicação e familiaridade com o assunto. E esse não é o objetivo desta edição da coluna, e, sim, propor a discussão de possibilidades de financiamento, através do depoimento de pessoas que conhecem esses mecanismos por dentro.

Sabemos, e isso foi discutido na primeira edição da coluna, que não há espaço suficiente para exibir todos os filmes que são produzidos no Brasil. Mas por que a maioria dos filmes que chegam às salas de cinema são aqueles que têm apelo comercial? Quais são as possibilidades para filmes mais independentes chegarem às salas de cinema? Se chegassem, esses filmes teriam público? Estas eram algumas das perguntas que gostaríamos de conseguir responder, e, para tentarmos, entrevistamos alguns profissionais do ramo no Brasil CineMundi, série de debates ocorrida na programação da 5ª Mostra CineBH.

Para esta edição da coluna Que Cinema é Esse?, a principal pergunta é: “Se os filmes independentes não alcançam bilheterias expressivas, como as produtoras podem financiar seus projetos sem dependerem das leis de incentivo?”

A opinião dos produtores

Para sabermos a opinião daqueles que realizam os filmes, entrevistamos dois representantes de produtoras independentes muito expressivas no Brasil: Fabiano Gullane, da Gullane Filmes (Bicho de Sete Cabeças; O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias; Meu País) e Vânia Catani, da Bananeira Filmes (Narradores de Javé; A Festa da Menina Morta; O Palhaço), dois defensores das leis de incentivo. A resposta deles foi praticamente unânime: “Não, não dá para fazer filmes sem as leis de incentivo”.

Vânia Catani: “No Brasil, até com as leis de incentivo é difícil. Porque as leis de incentivo não garantem necessariamente o dinheiro, você tem que ter uma empresa para patrocinar. E um projeto muito pessoal, que não atraia alguma empresa a vincular seu nome a ele, fica muito complicado. Então, talvez, para esses projetos pessoais, fique até mais possível só com os editais mesmo... É lei de incentivo mas já tem ali um valor aportado. Fora, tem vários fundos também, que as instituições mantêm, na Europa tem bastante para estimular a criação, estimular os novos talentos. Porque na verdade, essa coisa é muito engraçada, ninguém quer investir muito no cinema experimental, ou no cinema do novo talento, mas um monte de coisa que acontece nesse cinema, e que depois o cinema comercial toma pra si. É aqui que se encontra novas maneiras de fazer as coisas. E que depois o cinema comercial pega e vende. E o que eu acho é que, infelizmente, não, não tem outra forma de financiar que não seja através de fundos... De mecenato.”

Fabiano Gullane: “Acho que no Brasil, por existirem as leis de incentivo, hoje em dia o panorama é mais global. A gente consegue produzir todos os tipos de filme, acho que se a gente tirar as leis de incentivo, não seria um problema só de não conseguir produzir os filmes de prestígio [filmes que são apreciados pela crítica, pelos festivais, mas muitas vezes não conseguem expressão na bilheteria] acho que a gente vai ter dificuldade de produzir qualquer coisa. Então, acho que sim, sem dúvida, se a gente cortar as leis de incentivo, acho que não há maneiras de produzir mais nenhum tipo de cinema. E só fazendo um adendo a isso, com exceção do cinema de estúdio americano, o resto do cinema do mundo inteiro, cinema europeu, cinema asiático, conta com apoios importantes de seus estados. Porque o cinema não é só uma questão de dinheiro, cinema é uma questão de identidade, de importância cultural, de vender e exportar uma imagem, exportar um estilo de vida. Acho que o cinema não tem só uma importância mercadológica, ele também tem uma importância da gente conseguir se enxergar como brasileiro, nós brasileiros nos vendo na tela, nossos dramas, nossos problemas. Seria realmente um ato de uma extrema inconsequência, e uma possível até burrice, se a gente abstraísse as leis de incentivo, e simplesmente cortasse, deixasse de existir. Ia entrar em colapso, não só o cinema, mas o universo da cultura como um todo.”

Gullane ainda afirma que, mesmo em um futuro mais distante, ele não consegue enxergar uma sustentabilidade para as produtoras sem lei de incentivo: “O mecanismo que existe, como o mercado brasileiro tá organizado para produzir, tá totalmente atrelado as leis de incentivo (...) o pilar, o que é estruturante, é realmente as leis de incentivo. Eu não sei nem se daqui a 20 anos, com o mercado mais maduro, com mais salas de cinema, com o filme brasileiro passando a ser mais vistos e tal, com a televisão comprando com um preço melhor, com o video on demand funcionando de um jeito mais lucrativo e tal, não sei seria possível, mesmo assim, a gente imaginar um cenário sem um mecanismo estatal, seja ele qual for - leis de incentivo, apoio direto, fundos e tal - que mantivesse o cinema vivo mesmo”.

Catani corrobora a opinião de Gullane: “É complicado, e não acho que tenha solução. Vai ter que existir incentivo do estado, do governo, sempre, eu não consigo imaginar sem”.

A opinião do Estado

Para descobrir qual é a posição do Estado - para saber se haverá mudanças na legislação e se há novidades, por exemplo – entrevistamos a secretária do Audiovisual do Ministério da Cultura, Ana Paula Santana. Ela mencionou no debate O Mercado Audiovisual e as Políticas Publicas no cenário das Coproduções, ocorrido na Mostra CineBH, sobre a importância do fortalecimento das pequenas e médias produtoras, para que elas alcancem sua sustentabilidade.

Ao ser questionada sobre o que têm sido feito para incentivar o público a assistir ao filme nacional (já que sem público, não há bilheteria, e não há independência financeira), Santana responde e defende que bilheteria não é o principal fator, apesar de não deixar claro como essas produtoras podem conseguir essa sustentabilidade financeira de outra forma: “Eu, particularmente, como secretária do Audiovisual, não entendo o sucesso de bilheteria como a sustentabilidade de uma produtora, porque é o vôo ponte aérea: fez sucesso, ganhou seu dinheiro, e aí vai e inicia todo o processo de novo, monta uma nova equipe, para se fazer um outro sucesso, que nem sempre é garantido que vai se repetir. O exemplo é o Tropa de Elite, que é um filmão. A gente não sabe se o José Padilha quiser fazer um Tropa de Elite 3, ou se todos os blockbusters brasileiros vão seguir a mesma linha do Tropa de Elite 1.(...) Eu acho que a política de formação de público tem que ser cada dia mais fomentada. E aí, é trabalhar junto com a ANCINE no sentido de ampliar a rede de salas de cinema no Brasil, dar uma forma de baratear o ingresso. Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Vale Cultura”.

A secretária também garante que as políticas de incentivo ainda irão durar muito tempo: “O governo não vai abandonar sua política também de indutor através de apoio a projetos e editais, a exemplo do programa de apoio e fomento à produção de audiovisual brasileira que a Secretaria do Audiovisual desenvolve ao longo desses anos. E a gente tá trabalhando como política pública em desenvolver novos modelos de negócios, novos programas que possam ser indutores, que possam ser experimentais, no sentido de alavancar uma pequena empresa a pensar no novo e a seguir a sua vocação. Então, eu acho que no que já se ganhou não se mexe. (...)  O estado, a secretaria do audiovisual, a ministra da cultura, entendem que é necessário a relação publica x privada, a gente tem aproximado a iniciativa privada, pra fazer investimentos na cultura, então, é uma responsabilidade de todos. É uma responsabilidade tanto do poder público, quanto da iniciativa privada, quanto do cidadão, quanto do consumidor”.

Outros pontos de vista

Na próxima edição da coluna Que Cinema é Esse?, abordarei outros pontos de vista que se contrapõem aos dos defensores e utilitários das leis de incentivo e iniciativas públicas, através de entrevistas com André Gatti, professor de cinema e pesquisador da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), em São Paulo, que realizou uma análise da distribuição de filmes e é declaradamente contra as leis de incentivo; e com Silvia Cruz, da Vitrine Filmes, que propõe uma nova maneira de distribuir filmes independentes, isenta de incentivos públicos.

Em breve no Cinema em Cena, não percam!

Observação: é importante que todas as entrevistas citadas nesta coluna sejam lidas na íntegra, para melhor entendimento dos depoentes. Você pode conferir todas elas abaixo:

Vânia Catani

Fabiano Gullane

Ana Paula Santana

Sobre o autor:

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