Em uma tarde nublada, no final dos anos 50, Hanne Karin Bayer tomava um café no Les Deux Magots, ambiente tão célebre que já fora mencionado por Vladimir Nabokov em Lolita. Tinha pouco mais de 18 anos e após uma briga feia com sua mãe, fugiu de carona para Paris. De repente, uma olheira de uma agência de publicidade se aproxima de sua mesa e a convida para tirar umas fotos...
Era o ponto de partida de uma carreira de sucesso. A dinamarquesa Anna Karina, assim rebatizada pela estilista Coco Channel, já tinha estudado pintura e dança, e trabalhava como modelo em seu país, onde estrelou o curta Pigen og skoene/A menina e os sapatos (1959), de Ib Schmedes, premiado em Cannes. Durante o ano de 1959, ela fez vários comerciais, entre eles uma curiosa vinheta da Coca-Cola:
Anna Karina também apareceu no final de Sur le passage de quelques personnes à travers une assez courte unité de temps (1959), curta de Guy Debord, segurando um sabonete enquanto o diretor narra: “As propagandas durante os intervalos são o reflexo mais verdadeiro de um intervalo de vida.” Godard a viu pela primeira vez em uma banheira coberta por bolhas de sabão, em um comercial da Palmolive, e a ofereceu um papel em Acossado (1960), mas ela recusou quando soube das cenas de nudez.
Agnès Varda, uma das pioneiras do movimento nouvelle vague ao lado de Godard, chamou o amigo para atuar no curta Les fiancés du pont Mac Donald (1961). O cineasta francês convidou Anna para as filmagens e o resultado foi incorporado como um filme mudo a Cléo das 5 às 7 (1962), de Varda. Os pombinhos formaram um belo par na frente das câmeras e fora das telas também, pois se casaram logo em seguida.
Godard a dirigiu em Uma Mulher É Uma Mulher (1961) e na época Karina tornou-se a atriz mais jovem a conquistar o Urso de Prata em Berlim.
Em Viver a Vida (1962), Godard explora a temática da prostituição. Karina também atuou em O Pequeno Soldado (1963) e nos sucessos Bando à Parte (1964) e O Demônio das Onze Horas (1965), além do futurista Alphaville (1965), ao lado de Akim Tamiroff. O casamento acabou em 1965, mas Karina ainda foi guiada mais uma vez pelo diretor em Made in U.S.A. (1966).
Paralelamente aos trabalhos com Godard, Karina apareceu em Agora ou Nunca (1961), de Michel Deville, dançando com Claude Rich.
No início da década de 60, Karina fez ainda Les quatre vérités (1962), Sherazade em O Califa de Bagdá (1963), La Ronde (1964), Mulheres no Front (1965) e A Religiosa (1966), de Jacques Rivette, outro expoente da nouvelle vague.
No filme televisivo Anna (1967), ela canta "Sous le Soleil Exactement", de Serge Gainsbourg:
Outros momentos marcantes em sua carreira com auge nos anos 60 e 70 foram: em 1967, Lamiel, a Mulher Insaciável, de Jean Aurel, e O Estrangeiro, de Luchino Visconti; Mago, O Falso Deus (1968), com Michael Caine; A Noite Infiel (1969), baseado no romance de Vladimir Nabokov; e Missão Confidencial (1972).
Em 1971, Karina em L'alliance, de Christian de Chalonge, e em Encontro em Bray, de André Delvaux.
Nos anos 70, a atriz esteve ainda em Vivre ensemble (1973), dirigido por ela; L'invenzione di Morel (1974); Pão e Chocolate (1974); Roleta Chinesa (1976); L'assassin musicien (1976), baseado em obra incompleta de Dostoiévski, e em Historien om en moder (1979).
A partir dos anos 80, seus papéis reduziram consideravelmente, mas ela ainda pôde ser vista em alguns filmes franceses como Ave Maria (1984), de Jacques Richard, e Paris no Verão (1995), do veterano Jacques Rivette.
Nesta fase, Karina escreveu os romances Golden City (1983), On n'achète pas le soleil (1988) e Jusqu'au bout du hasard (1998). Em Chloé (1996), ela dança com Marion Cotillard (Era Uma Vez em Nova York) no primeiro papel principal da jovem atriz.
Nos anos 2000, Anna Karina lançou o disco Une histoire d'amour, com Philippe Katerine, e em 2004 a gravadora Mercury compilou a antologia Chansons de films. Suas últimas aparições no cinema foram em O Segredo de Charlie (2002), convidada pelo diretor Jonathan Demme para cantar um tango, e em Moi César, 10 ans ½, 1m39 (2003).
Ela ainda dirigiu, escreveu o roteiro e participou de Victoria (2008), um road movie musical filmado em Montreal, no Canadá. Desde 2009, permanece casada com Maurice Cooks, seu quinto esposo. Em 2012, a artista veio ao Brasil, homenageada pelo Festival Internacional de Cinema de Brasília. Sem tentar esconder a idade, Anna Karina prefere ser lembrada por suas origens, pela magnitude de suas primeiras atuações.