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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/01/1970 01/01/1970 4 / 5 / 5
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Mundialito
Mundialito

Dirigido por Sebastián Bednarik.

Em 1980, o brasileiro João Havelange, então todo-poderoso presidente da FIFA, decidiu criar um novo evento que pudesse capitalizar sobre o nome da instituição e sua principal competição, a Copa do Mundo. Planejada para reunir todos os campões mundiais até então (com a Holanda substituindo a Inglaterra), a Copa de Ouro (ou “Mundialito”, como foi apelidada) ocorreu no Uruguai, que, como tantos outros países da América Latina do período, vivia sob uma rígida ditadura militar.

Na realidade, a situação era ainda mais complexa, já que um plebiscito proposto pelos militares estava prestes a ocorrer no país a fim de buscar apoio (e legitimidade)  popular para que uma reforma constitucional pudesse realizada, permitindo, na prática, que a Ditadura se perpetuasse no poder – uma intenção amplamente apoiada pelos jornais da época, que buscavam influenciar a sociedade para que votasse no “SIM” desejado pelos fardados (como podem notar, a associação da velha mídia com a direita reacionária é fenômeno tradicional). Com isso, uma vitória uruguaia no Mundialito serviria não só como mecanismo de propaganda para os militares (assim como nossos generais exploraram o tri em 1970), mas também uma verdadeira celebração da conquista que julgavam inevitável no plebiscito.

Trazendo entrevistas com historiadores, jornalistas, jogadores e organizadores do evento, o documentário explora as conseqüências político-sociais de um fenômeno de massa como o futebol e, claro, sua utilização pelos poderosos como algo que possa simultaneamente anestesiar frustrações, desviar a atenção dos problemas coletivos e atuar como uma necessária catarse/válvula de escape nacional.

Uma destas entrevistas, aliás, é com o próprio Havelange, que, exibindo a arrogância e o autoritarismo habituais, não apenas reage de forma agressiva aos questionamentos do documentarista como ainda afirma que o fato de realizar um evento importante num país sob uma ditadura é algo que para ele não fazia qualquer diferença – o que o estabelece como um indivíduo terrivelmente cínico, curiosamente ingênuo ou dolorosamente alienado.

Responsável também por tornar Berlusconi uma figura influente na Itália ao lhe vender os direitos exclusivos de transmissão da competição na Europa (outra conseqüência trágica do evento), o Mundialito ao menos acelerou o desenvolvimento da tecnologia televisiva no Uruguai e – ainda mais importante – serviu como recompensa merecida a um povo que demonstrou coragem de votar em peso no “NÃO” contra as reformas constitucionais.

Divertido pela informalidade com que muitos dos entrevistados se comportam diante da câmera, o documentário ainda traz um depoimento absolutamente admirável de Sócrates, que disputou o torneio: indagado sobre a preocupação dos jogadores por participarem de evento patrocinado por uma ditadura, o ex-jogador brasileiro condena de forma categórica a alienação cultural e política que domina a maior parte dos futebolistas até hoje e que se torna mais grave quando constatamos o exemplo que estes atletas representam para gerações mais jovens.

Esquecido pela História talvez por remeter de maneira tão inequívoca à ditadura uruguaia, o Mundialito de 80 pode até não ter mais importância do ponto de vista esportivo, mas certamente representa uma lição relevante sobre a capacidade que o esporte tem de, nas condições erradas, servir como poderosa arma contra aqueles que tanto parece alegrar.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2010.

02 de Outubro de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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