Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/1970 | 01/01/1970 | 5 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Olivier Assayas. Com: Édgar Ramírez, Alexander Scheer, Nora von Waldstätten, Talal El-Jordi, Christoph Bach, Rodney El Haddad, Julia Hummer, Ahmad Kaabour, Razane Jamal.
Com inacreditáveis 5 horas e meia de duração, Carlos é um projeto ambicioso como poucos: rodado em 11 países e trazendo 250 atores e mais de três mil figurantes, o novo filme de Olivier Assayas busca traçar um retrato do terrorista Carlos, o Chacal (seu apelido jamais é mencionado pelo roteiro de Assayas e Dan Franck) desde seu início como revolucionário idealista até se transformar num mercenário impiedoso e procurado pelas autoridades de diversos países.
Sem jamais soar entediante apesar dos 330 minutos de projeção, o longa conta com uma montagem dinâmica que chega a empregar elipses bruscas em vários momentos a fim de manter o ritmo (como no instante em que o protagonista percorre um corredor e seu caminhar é apressado pelos cortes secos). Da mesma maneira, os montadores Luc Barnier e Marion Monnier investem em transições rápidas – embora abusem dos fades – e pisam no acelerador de forma particularmente eficaz nas várias seqüências de ação, garantindo, com isso, que o espectador permaneça sempre preso aos acontecimentos na tela.
Conferindo peso de realidade à narrativa através da utilização de imagens de arquivo e da inclusão de letreiros que trazem os nomes dos personagens mais importantes, Carlos conta também com um design de produção exemplar que faz um impecável trabalho de recriação de época – uma tarefa colossal, considerando que o filme abrange um período de mais de 20 anos e uma dezena de países diferentes. Mas, mais do que isso, o longa consegue evocar com intensidade o clima de instabilidade política da década de 70, quando as ações terroristas eram tão freqüentes que, em certo instante, um atentado desastrado promovido pelos homens de Carlos acaba destruindo um avião de uma nacionalidade diferente da planejada e um outro grupo terrorista imediatamente aproveita a oportunidade para assumir a autoria da ação.
Sem fazer concessões históricas a fim de tornar a trajetória do protagonista mais simples para o espectador, o filme mergulha o público num emaranhado de siglas e países ao estabelecer que cada governo tinha motivações particulares – e muitas vezes efêmeras – para empregar ou condenar Carlos, que é perseguido ou abraçado por nações como Síria, Líbia, Hungria, Rússia e Alemanha Oriental dependendo dos interesses imediatos de cada uma delas. Ainda assim, o longa consegue a proeza de evitar uma narrativa confusa mesmo contando uma história que envolve cinco línguas e um personagem-título que jamais permanece muito tempo no mesmo lugar.
Dedicando-se também a desenvolver com cuidado as figuras secundárias que cercavam, apoiavam ou combatiam Carlos, o roteiro aproveita personagens como Angie (Bach) para explorar várias facetas psicológicas e morais importantes – neste caso, a crise de consciência de um revolucionário alemão que, embora apoiando a causa palestina, tem pavor de repetir os erros passados de seu pais e, com isso, faz questão de se manifestar anti-sionista, mas jamais anti-semita. Além disso, Assayas reconhece a importância de estabelecer a relevância de figuras como Weinrich (Scheer), braço direito de Carlos, e de Magdalena Kopp (Waldstätten), que viria a se tornar esposa do protagonista – e é esta abordagem abrangente do cineasta que se mostra fundamental para estabelecer um quadro amplo e incrivelmente verossímil da vida do sujeito.
Mas é claro que, neste sentido, é mesmo a atuação de Édgar Ramírez que se estabelece como essencial para o sucesso do projeto: encarnando Carlos sem sentir necessidade de forçar na caracterização, o ator simplesmente se torna o personagem, conferindo autenticidade a cada gesto ou inflexão da voz. Demonstrando uma dedicação típica do Método, Ramírez surge no início da projeção com o corpo musculoso apenas para exibir uma barriga imensa e flácida ao retratar o período de decadência do Chacal – algo que traz importantes implicações psicológicas para sua performance, já que a vaidade era um elemento particularmente importante da personalidade de Carlos, cujo sentimento de auto-importância o levava a se enxergar como um inimigo perseguido com obsessão pelo governo norte-americano mesmo quando já havia deixado de ser uma figura relevante há anos no cenário internacional.
Sem jamais idealizar ou justificar as ações do personagem-título (e evitando ao máximo glamourisá-lo, embora isto às vezes se torne difícil em função da própria natureza grandiosa do sujeito), Carlos retrata as ações terroristas do Chacal de maneira direta e brutal, fazendo questão de dar um rosto às suas vítimas – muitas delas, mulheres (incluindo gestantes) e crianças. Além disso, a própria trajetória de Carlos depõe contra suas motivações, já que não hesita em abandonar suas ideologias para se transformar num mercenário e mesmo num traficante de armas – ainda que insista numa retórica vazia que inclui palavras como “revolução”, “opressão” e “justiça”. Sua hipocrisia, aliás, torna-se ainda mais óbvia quando o auto-proclamado marxista se entrega à vaidade de dirigir carros luxuosos e de se apresentar como uma verdadeira estrela do terrorismo.
Empregando com sabedoria suas cinco horas e meia de duração para construir e desenvolver com detalhes as situações, os personagens e a dinâmica entre estes, Carlos deverá ser lançado comercialmente nos cinemas ao redor do mundo em uma versão reduzida que terá 2 horas e mais. Porém, depois de assistir ao corte completo do longa, confesso ter dificuldade para imaginar o que poderia ser extraído da narrativa sem prejudicar sua fluidez e sua equilibrada estrutura interna. E quando um diretor consegue criar uma obra que parece enxuta mesmo tendo 330 minutos, algo memorável acabou de acontecer.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2010.
29 de Setembro de 2010
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