Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
25/03/2011 | 01/01/1970 | 3 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
91 minuto(s) |
Dirigido por Toniko Melo. Com: Wagner Moura, Gisele Fróes, Juliano Cazarré, Milhem Cortáz, Jorge D’Elía, Arieta Correia, Roger Gobeth, Norival Rizzo e Amaury Jr.
Inspirado no mesmo livro Histórias Reais de um Mentiroso que originou o documentário homônimo dirigido pela escritora Mariana Caltabiano (e que já comentei em minha cobertura da Mostra de São Paulo), VIPs é um filme divertido que acerta ao reconhecer o potencial cinematográfico da fantástica história do trambiqueiro Marcelo do Nascimento mesmo que também cometa falhas graves ao fazer compromissos morais e narrativos que comprometem o resultado final.
Escrito por Bráulio Mantovani e Thiago Dottori, o roteiro acompanha vários anos da vida de Marcelo (Moura), começando no ensino médio e abordando os eventos mais importantes de sua jornada, como sua passagem pelo Paraguai, o período em que trabalhou como piloto de avião para traficantes e, claro, sua participação no Recifolia, quando assumiu a identidade de um dos donos da Gol e acabou sendo entrevistado ao vivo pelo colunista social Amaury Jr. Mudando os nomes de vários personagens para evitar questões legais (Ricardo Macchi vira “Renato Jacques”; por exemplo), VIPs ainda assim se mantém relativamente fiel aos eventos narrados no documentário de Caltabiano (não li o livro), o que é admirável – embora faça uma mudança significativa e reprovável que discutirei mais adiante.
Com uma introdução fragilíssima, mesmo constrangedora, que retrata Marcelo na adolescência (levando Wagner Moura a usar uma peruca pavorosa e a tentar fazer algo que nem mesmo todo seu talento poderia alcançar: retratar um jovem de 17 anos), o filme se torna sensivelmente melhor depois da primeira elipse, quando reencontramos o protagonista um pouco mais velho e já trabalhando em um aeroclube. A partir deste instante, o longa ganha consistência e ritmo, superando sua introdução medíocre e passando a envolver o espectador com segurança.
Investindo contínua e acertadamente na comédia, VIPs emprega tanto gags visuais inspiradas (como na cena em que o Patrão traficante afirma odiar armas, esquecendo-se do ambiente ao seu redor) quanto diálogos hilários (como o interrogatório de Marcelo feito pela Polícia Federal). Além disso, a montagem de Gustavo Giani mostra-se bem-sucedida ao conferir dinamismo à narrativa, algo que fica claro, por exemplo, na seqüência que traz o personagem imitando Renato Russo enquanto acompanhamos sua evolução dentro da quadrilha e sua iniciativa de enviar dinheiro para a mãe – e elogios também devem ser feitos à elegância de várias de suas transições (como no instante em que as águas de um lago no Paraguai dão lugar ao asfalto coberto de chuva no Brasil). Para finalizar, é admirável que esta obra de “ficção” se mostre mais criteriosa ao questionar os relatos de Marcelo do que o documentário sobre sua vida: enquanto Caltabiano não parece duvidar, por exemplo, da história envolvendo um avião pintado de preto para simular um caça, aqui Toniko Melo traz a passagem sendo relatada pelo protagonista em um interrogatório no qual mente do início ao fim, colocando em dúvida também aquele incidente.
Mais uma vez firmando-se em sua posição entre os melhores atores do Cinema brasileiro contemporâneo, Wagner Moura finca os dentes com vontade num papel cujo potencial certamente reconheceu de imediato: surgindo com vários visuais diferentes e retratando com brilhantismo o arco dramático percorrido por Marcelo, desde a alegria juvenil e incontida do primeiro vôo solo à amargura dos momentos finais, o ator jamais deixa de soar convincente (isto é, passados os minutos iniciais) – e isto mesmo quando se entrega ao piscar acelerado de olhos que obviamente se tornou uma muleta de interpretação e que aqui parece sair de controle. Beneficiado por um roteiro que reconhece que o sucesso de Marcelo residia em sua cara-de-pau e no cuidado com os detalhes, Moura se destaca especialmente ao surgir enganando suas vítimas, como, por exemplo, ao simular uma conversa ao telefone durante a qual reclama de uma árvore que obstrui a placa de “sua” empresa ou ao se adiantar à dúvida de um personagem com relação à sua identidade, invertendo os papéis e perguntando a este se já não se conheciam. Aliás, o ator se mostra tão à vontade em VIPs que consegue nos fazer esquecer de seu icônico Coronel Nascimento de Tropa de Elite 2, transformando 2010 em um de seus melhores anos no Cinema. (E embora Moura realmente domine o longa de ponta a ponta, não posso deixar de elogiar também o desempenho tocante e sensível de Gisele Fróes como Silvia, mãe de seu personagem.)
Infelizmente, porém, VIPs comete um erro grave ao adaptar a história de Marcelo e que compromete a força da história: se em Histórias Reais de um Mentiroso a diretora Mariana Caltabiano pecava por jamais questionar as escolhas morais do protagonista - que, afinal, atuou como traficante e contrabandista, trazendo armas e drogas para o Brasil -, aqui os realizadores adotam uma abordagem diferente: criam uma enfermidade psíquica (óbvia desde o princípio da projeção, diga-se de passagem, embora eles pareçam acreditar que se converterá em surpresa) que basicamente exime Marcelo de toda e qualquer responsabilidade diante de sua vida de crimes.
E esta opção narrativa não apenas se revela rasa do ponto de vista psicológico como também desnecessária e, em última análise, profundamente covarde ao evitar o lado sombrio de um personagem que não deixaria de ser fascinante apenas por exibir uma inegável ambigüidade moral.
30 de Outubro de 2010
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de SP 2010.
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