Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
21/04/2011 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
93 minuto(s) |
Dirigido por Jeferson De. Com: Caio Blat, Jonathan Haagensen, Silvio Guindane, Cássia Kiss, Ailton Graça, Cintia Rosa, Lidi Lisboa, Du Bronks, Eduardo Acaiabe.
Bróder! é um filme construído com urgência e intensidade. Freqüentemente investindo em narrativas múltiplas que acompanham vários personagens durante cerca de 24 horas, o roteiro de Newton Cannito e do diretor Jeferson De se preocupa muito mais em desenvolver a dinâmica entre aquelas pessoas do que em construir uma trama propriamente dita, o que se revela uma decisão acertada, já que são justamente nos momentos que o longa parece se interessar mais pela história do que pelas pessoas que o projeto perde um pouco da força. O que, felizmente, ocorre apenas pontualmente.
Concentrando-se no jovem Marcu (Blat), o filme segue o rapaz enquanto este se prepara para auxiliar bandidos locais no seqüestro de uma criança. Escalado para arranjar alguns brinquedos que possam servir de distração à vítima, ele vai até a casa da mãe e lá é surpreendido ao descobrir que sua família está preparando um almoço para comemorar seu aniversário – e que seus dois velhos amigos Pibe (Guindane) e Jaiminho (Haagensen), que agora moram fora do Capão Redondo, onde se passa a história, voltarão especialmente para a festa. Casado com uma ex-namorada de Marcu, Pibe se mostra inseguro com sua nova condição de pai de família, ao passo que Jaiminho, famoso jogador de futebol, espera ansioso a convocação para a seleção enquanto procura lidar com a gravidez acidental da irmã do amigo.
Tendo o próprio Capão como um personagem importante da narrativa, já que o forte sentimento de comunidade é algo fundamental na existência daquelas pessoas, Bróder! já revela a importância do distrito em suas cenas iniciais, quando Marcu, ao abrir a porta de casa, revela a extensão do lugar à distância. Além disso, em vários momentos da projeção, o cineasta concebe planos que mostram os personagens percorrendo com absoluta familiaridade os becos estreitos e labirínticos da região, apresentando-nos também a figuras tangenciais que servem para tornar o ambiente mais real e diversificado, como a benzedeira que atende Jaiminho ou o bêbado que faz uma provocação casual ao se referir ao alcoolismo do padrasto do protagonista. Por outro lado, Jeferson De não ignora a realidade miserável e violenta que se faz inevitável, ilustrando-a ao enfocar um sujeito baleado que, com exceção da própria família, mal atrai a atenção dos habitantes locais.
Assim, Bróder! aposta num retrato abrangente daquele universo, capturando vários momentos isolados ao longo do dia que trazem recortes das relações entre os personagens: o pastor que mal cumprimenta o filho marginal de uma fiel (uma participação pequena de Zezé Motta; a jovem mãe que leva a criança para visitar o túmulo do pai assassinado; o desconforto entre Jaiminho e sua ex-grávida; a oração da devota dona Sônia (Kiss), mãe de Marcu, e seu esforço para evitar que o marido (Graça) volte a beber; e por aí afora. Com isso, o longa acaba perdendo parte de sua força sempre que desloca a narrativa para fora do Capão – especialmente ao fazê-lo, em certo momento, com o intuito de promover uma crítica social artificial e vazia ao trazer o trio principal sendo abordado em seu carro por policiais depois que uma motorista obviamente racista julga erroneamente que o branco Marcu estava sendo assaltado pelos amigos negros.
Instantes simplistas e frágeis como este desapontam, aliás, porque contrastam imensamente com a riqueza do retrato que De pinta no restante da projeção. Contando com um elenco afiadíssimo preparado pelo sempre competente Sérgio Penna, o filme revela muito através de detalhes de composição, como, por exemplo, ao trazer o irmão caçula de Marcu com um corte de cabelo claramente inspirado no de Jaiminho, denotando o orgulho que todos sentem do sucesso de um companheiro da comunidade. Enquanto isso, Cássia Kiss surge fundamental ao retratar dona Sônia como uma mulher de jeito simples, mas que exibe uma força admirável, esforçando-se sempre para manter a família unida e em harmonia – e a dinâmica que ela estabelece com Aílton Graça é maravilhosa, já que o casal surge absolutamente confortável na presença um do outro, tanto nos momentos em que brigam ou se desentendem quando nos instantes em que se abraçam ou dançam, cúmplices e apaixonados.
Mas o trio de amigos que move a narrativa não fica atrás: apresentado de forma emblemática ao surgir na varanda deprimente e claustrofóbica de um apartamento atormentado pelo trânsito de um viaduto à sua frente, Silvio Guindane compõe Pibe como um sujeito bem intencionado e responsável que, no entanto, se encontra sufocado pelas responsabilidades da vida adulta. Em contrapartida, Jonathan Haagensen, com o carisma habitual, foca na impulsividade de Jaiminho, que, apesar da figura clássica do jogador de futebol que ostenta pateticamente a riqueza recém-adquirida, parece tentar provar para si mesmo que, mesmo famoso e bem-sucedido, não perdeu as raízes humildes – um esforço constantemente sabotado por sua libido incontrolável. Fechando o elenco, Caio Blat oferece provavelmente uma das melhores performances de sua carreira como Marcu, num feito considerável se pensarmos na força de seu Frei Tito em Batismo de Sangue: surgindo com uma postura empinada e um caminhar cheio de gingado e arrogância, o protagonista exibe o rosto sempre cerrado e com expressão raivosa, como se visse o mundo como uma ameaça constante – e assim, quando abre um sorriso diante das pessoas que ama, o sujeito permite que enxerguemos sua natureza doce e sufocada pela vida opressiva que leva, numa demonstração de grande inteligência por parte deste ainda tão jovem ator.
E é por trazer criações tão complexas que Bróder! desaponta, por exemplo, ao pintar uma caricatura do empresário de Jaiminho, que surge jogando golfe e bebendo champanhe enquanto conversa com a esposa impossivelmente loira – num retrato tão unidimensional do “homem branco opressor” que, confesso, cheguei a cogitar se tratar de uma sátira, descartando a idéia por perceber que ela rivalizaria com o tom realista da narrativa. Da mesma maneira, a catarse entre os personagens de Blat e Aílton Graça, no terceiro ato, soa abrupta e pouco convincente, já que o filme não havia plantado o terreno para que ela ocorresse. Finalmente, o plano em que Haagensen parece flutuar morro abaixo por estar atormentado pela discussão que tivera com a ex representa uma escolha infeliz de Jeferson De, já que, embora suas intenções tenham ficado claras, a idéia é executada de maneira trôpega, chamando excessivamente a atenção sobre si mesma.
A boa notícia é que estes tropeços pontuais do cineasta se destacam não por serem comuns, mas por destoarem da eficácia do restante do longa, que realmente leva o espectador a conhecer e a se importar profundamente com aquelas pessoas, compreendendo o sentimento comunal que permeia suas relações e torcendo, assim, para que Marcu possa finalmente se desprender de sua amargura, desanuviar o rosto e sorrir enquanto aproveita a feijoada ao lado de sua adorável família.
Observação: A recorrência do número 23 durante a projeção desperta a curiosidade. Como já vi 45 filmes durante o Festival, acabei ficando na dúvida sobre ter ouvido um dos personagens citando o versículo que diz “O Senhor é meu pastor e nada me faltará” – mas caso isto realmente ocorra em Bróder!, a charada começa a ser explicada, já que este é o Salmo 23 da Bíblia.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2010.
04 de Outubro de 2010
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