Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
21/01/2011 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
90 minuto(s) |
Dirigido por Lucy Walker, Karen Harley e João Jardim. Com: Vik Muniz.
O artista plástico e fotógrafo brasileiro Vik Muniz, radicado em Nova York há algumas décadas, se notabilizou por criar imagens impressionantes a partir de materiais sólidos (e geralmente orgânicos) dispostos no chão e fotografados do alto – uma abordagem intrigante que o alçou ao patamar dos mais respeitados artistas da cena contemporânea. Ainda assim, quando Muniz surge no início deste documentário manifestando o interesse de criar uma nova exposição a partir do lixo e focando os catadores do maior aterro sanitário do mundo, afirmando ainda que irá “mudar a vida” daquelas pessoas, confesso que seu discurso me soou cínico, aproveitador e, em última instância, impossível.
Como eu estava errado.
Rodado no aterro situado no Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, Lixo Extraordinário mergulha o espectador no universo daquelas pessoas que, competindo com os urubus e enfrentando o mau cheiro e a sujeira, ganham a vida catando o material reciclável descartado pela sociedade, numa imagem já explorada por documentários como Ilha das Flores, Estamira e o egípcio Sonhos no Lixo. No entanto, a diferença é que, aqui, os cineastas acompanham também o processo criativo de um artista em seu auge enquanto este busca conhecer aquelas pessoas e conceber um novo tema a partir daquele material, o que inevitavelmente confere também um importantíssimo caráter de comentário social ao filme.
Logo de cara, aliás, o que mais surpreende em Lixo Extraordinário é constatar a natureza alegre daqueles indivíduos, que, mesmo levando uma existência que o resto da população provavelmente consideraria como o “fundo do poço”, abraçam com orgulho a profissão que, afinal de contas, é responsável por alimentar suas famílias. Sentindo-se obviamente à vontade diante da equipe comandada por Lucy Walker (o brasileiro João Jardim, responsável pelo lindo Janela da Alma, assina a co-direção), os personagens vistos neste documentário brincam, fazem piadas e confissões sem qualquer resquício de auto-censura – e é impossível não se deixar contagiar pela natureza brincalhona de pessoas que, mesmo em meio a um importante protesto, respondem ao chamado para uma greve de fome com um irreverente: “Sim, vamos fazer a greve de fome! Mas meio-dia vou ali almoçar!”. Da mesma maneira, é importante observar como os realizadores conseguem capturar momentos incrivelmente reveladores e dolorosos, como no instante em que a associação dos catadores é assaltada, levando seus dirigentes à desesperança absoluta, e também no momento em que, visitando o barraco de uma das personagens, captura a triste ironia de uma tevê que, no meio daquela miséria, exibe um episódio de Riquinho.
Enquanto isso, Vik Muniz cruza a tela em diversas ocasiões enquanto planeja suas obras, permitindo que o público acompanhe o desenvolvimento de suas idéias – e a cena em que finalmente testemunhamos sua primeira produção e percebemos o que ele vinha idealizando representa um instante mágico não só para o espectador, mas também para os próprios catadores do Jardim Gramacho. Além disso, como Muniz emprega vários daqueles personagens na montagem das imagens, eles se tornam apropriadamente co-autores das peças, sendo comovente observar o orgulho óbvio que manifestam diante da exposição já finalizada e que pode ser constatado também através da felicidade com que penduram cópias dos quadros nas paredes frágeis de seus barracos.
Contando com uma fotografia maravilhosa de Dudu Miranda, que se destaca especialmente nos planos noturnos, em contraluz e também na utilização pontual da câmera lenta (que, de forma até meio obscena, mas sempre linda, transforma em balé a luta dos catadores com o lixo), o documentário ainda retrata a preocupação admirável dos realizadores com os efeitos que o projeto está provocando em seus personagens – uma preocupação que se prova relevante quando os indivíduos focados pelo filme começam a manifestar insatisfação com o retorno ao aterro, expondo até mesmo o caráter de negação que produzia parte da alegria antes observada pelo longa.
Falhando apenas em seus segundos iniciais e finais, que inexplicavelmente empregam imagens do Programa do Jô como uma forma absurda de atestar o valor daquelas pessoas (como se dissesse: “Vejam! Eles fizeram tanto sucesso que foram até no Jô!”), Lixo Extraordinário mais do que compensa este triste tropeço com seus 88 minutos restantes, que se revelam comoventes, doces, trágicos e inspiradores.
E o mais importante: ao trazer recursos financeiros para aquela comunidade e também ao inspirar aqueles indivíduos a reconhecerem o próprio valor, Vik Muniz realmente cumpre seu objetivo de “mudar a vida” de seus personagens. O que ele não podia prever – e que, por isso mesmo, é tão emocionante quando ocorre – é que eles também iriam mudá-lo de maneira profunda e definitiva.
26 de Outubro de 2010
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de SP 2010.
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