Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
15/04/2011 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Xavier Beauvois. Com: Lambert Wilson, Michael Lonsdale, Olivier Rabourdin, Philippe Laudenbach, Jacques Herlin, Loïc Pichon, Xavier Maly, Jean-Marie Frin, Farid Larbi
Selecionado como candidato oficial da França ao Oscar 2011, Des hommes et des dieux, que no Festival do Rio inexplicavelmente foi apresentado com título em inglês, me surpreenderá muito caso não fique entre os cinco indicados finais*. Narrando uma história trágica e verdadeira, o filme conta com todos os atributos narrativos, técnicos e temáticos que interessam aos membros da Academia, parecendo ter sido feito sob medida para concorrer à estatueta. Mas mais importante do que isso é o fato de que o longa é realmente admirável.
Escrito por Etienne Comar ao lado do diretor Xavier Beauvois, o roteiro acompanha os oito monges que, vivendo num monastério na Argélia em 1996, passaram a sofrer as constantes ameaças de fundamentalistas islâmicos da região predominantemente muçulmana. Amados pela comunidade na qual viviam (e que, na realidade, cresceu justamente em função da presença dos religiosos), eles passam a ser pressionados a abandonar um país cada vez mais dominado pelo radicalismo – especialmente depois que até mesmo professoras primárias passam a ser mortas por dizerem que apaixonar-se é algo normal e adolescentes são esfaqueadas em público por não usarem véu.
Rodado numa belíssima região do Marrocos e fotografado de maneira esplendorosa por Caroline Champetier, que explora com sensibilidade as locações, o filme é particularmente hábil ao conseguir evocar com precisão a dinâmica do cotidiano dos monges, que, levando uma existência pacífica, dedicam seus dias aos estudos e a trabalhos manuais – além, claro, de atuarem na assistência da pequena vila localizada nos arredores. Aliás, o diretor Xavier Beauvois confere especial atenção aos rituais diários e costumes dos religiosos, construindo cenas contemplativas (mas jamais entediantes) que enfocam os cânticos dos monges, bem como seus paramentos e costumes.
Mas ainda mais importante é que o cineasta se esforça para apresentar com cuidado cada um dos oito homens ao espectador, sendo extremamente bem-sucedido na tarefa: ao longo dos 120 minutos de projeção, todos os atores têm a chance de desenvolver seus personagens com doçura e atenção – merecendo destaque, claro, o irmão Luc, encarnado pelo veterano Michael Lonsdale como um homem paciente e sereno, e o irmão Christian, líder da ordem, que é vivido com inteligência e determinação por Lambert Wilson (Matrix Reloaded). Christian (nome apropriadíssimo, diga-se de passagem), aliás, mostra-se um homem particularmente digno de nota, já que se dedica inclusive ao estudo do Alcorão – não só por morar num país islâmico, mas por sinceramente acreditar que todas as religiões merecem o respeito por sempre levarem a Deus.
E é justamente este respeito que se torna o mote principal do projeto: buscando pintar um quadro respeitoso e complexo sobre o tema, o roteiro traz a população muçulmana que cerca o monastério (e que, como já dito, ama profundamente os monges) mostrando-se confusa e indignada diante das ações dos fundamentalistas. Além disso, o filme traz uma cena absolutamente surpreendente envolvendo uma discussão entre Christian e o líder de uma facção islâmica local, Fayattia (Larbi, ótimo), durante a qual o radical muçulmano adquire um óbvio respeito pelo outro embora, claro, continue a desprezar sua Fé – um momento mágico, mas, temo, excessivamente otimista por parte da produção. (Aliás, como estimular a aceitação mútua quando uma emissora grande como a repugnante Fox News não se farta de tentar transformar os termos “muçulmano” e “terrorista” em sinônimos em praticamente todos os seus programas?)
Construindo com eficiência a tensão que envolve a situação dos monges, Des hommes et des dieux expõe o absurdo de um mundo no qual os pacifistas têm que se trancar à noite por temerem ações violentas em resposta ao seu modo de vida. Mas, mais do que isso, respeita a coragem daqueles homens ao não tentar pintá-los como heróis inabaláveis, já que emprega um bom tempo para retratar as dúvidas e os medos de cada um deles: por um lado, é claro que querem viver e há o impulso natural, compreensível, de abandonarem aquele lugar; por outro, sentem uma obrigação moral de permanecer ao lado da comunidade, que desmontaria sem sua presença (isto para não falarmos das questões de Fé, já que todos buscam em Deus o conforto e o apoio necessário enquanto tentam chegar a uma decisão).
O que nos traz ao ato final do longa, que oferece ao espectador dois momentos especialmente mágicos: a cena em que cada um dos monges comunica sua decisão de permanecer ou partir aos demais e, claro, a ceia que compartilham ao som de O Lago dos Cisnes – e apenas estes dois instantes já seriam o bastante para garantir a já discutida indicação ao Oscar 2011.
Embora trazendo um ou outro tropeço (particularmente, eu teria deixado a leitura de uma certa carta para os segundos finais da projeção, encerrando o longa com aquelas palavras), Des hommes et des dieux é uma obra comovente e respeitosa que faz jus aos homens que a inspiraram.
* Não ficou.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio 2010.
29 de Setembro de 2010
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