Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
11/10/2013 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Warner Bros. |
Dirigido por Alfonso Cuarón. Com: George Clooney, Sandra Bullock e a voz de Ed Harris.
Assim como dois outros grandes filmes que lidavam com viagens espaciais, a finitude humana e buscavam tratar a Física com o devido respeito (estou falando, claro, de 2001 e Contato), este Gravidade tem início presenteando o espectador com uma visão magnífica da Terra a partir do espaço. Logo, porém, percebemos a presença do Hubble, em torno do qual gira um astronauta que, ao lado de dois colegas, trabalha em reparos no telescópio. A partir daí, a narrativa já se entrega a uma das marcas registradas de seu fabuloso diretor, Alfonso Cuarón, e investe num longo plano que, sem cortes aparentes, acompanha aqueles três indivíduos enquanto passamos a girar em torno do Hubble ao mesmo tempo em que o astronauta Matt Kowalski (Clooney) gira em torno da câmera.
Escrito por Cuarón ao lado de seu filho Jonás, Gravidade conta uma história relativamente simples: depois que destroços de um satélite russo atingem a estação norte-americana, Kowalski e a novata Ryan Stone (Bullock) ficam isolados na órbita da Terra, precisando encontrar alguma forma de alcançarem a estação chinesa antes que o oxigênio que carregam chegue ao fim. Esta trama básica, no entanto, dá origem a 90 minutos de terror crescente graças à condução precisa do cineasta, que, em vez de ameaçar os heróis com alienígenas ou asteroides gigantescos, retrata apenas a natureza implacável da Física, da Biologia e da solidão, que, invencíveis (bom, ao menos as duas primeiras), devem ser então usadas de forma inventiva pelos personagens em seu favor.
Buscando criar uma narrativa que confira tanto respeito à palavra “científica” quanto aquele devotado a “ficção”, o filme evita o erro absurdamente comum de trazer desastres no espaço resultando em explosões e estrondos, o que torna a destruição retratada em Gravidade ainda mais impactante por ocorrer no silêncio e de forma brutal. Assim, na maior parte do tempo, os sons diegéticos que acompanham as ações são apenas aqueles que os personagens realmente ouviriam em circunstâncias similares: as vozes uns dos outros e do comando em Houston e, claro, a respiração pesada no interior do capacete. E se os diálogos formulaicos e expositivos são, de certa maneira, o ponto mais fraco da produção, ao menos servem para conferir alguma necessária humanidade – mesmo artificial – à dupla central através de suas interações e relatos pessoais. Com isso, percebemos a segurança do experiente Kowalski e o pavor de sua colega, que, além da situação assustadora na qual se encontra, ainda se vê entregue a traumas do passado que podem servir como elementos motivadores ou de desestímulo, dependendo do momento.
Determinado a levar o público a perceber as dificuldades envolvidas nas menores ações dos personagens, que devem se preocupar com a inércia que pode resultar em deslocamentos descontrolados pelo espaço, Gravidade traz também imagens belíssimas como pequenas chamas flutuantes no interior de uma nave e, claro, o brilho azul da Terra servindo como uma lembrança constante do que se encontra em jogo. Além disso, o fato de a história se passar em um ambiente com gravidade zero e no qual não existem posições fixas ou “certas” permite liberdade absoluta no estabelecimento dos eixos de ação – e, assim, Cuarón não precisa se preocupar com conceitos como “acima”, “abaixo”, “direito”, “esquerdo” ou “salto no eixo”, podendo posicionar e mover sua câmera da maneira que quiser sem correr o risco de quebrar a lógica visual da narrativa.
Ora, se qualquer diretor já poderia criar movimentos de câmera e enquadramentos interessantes com tamanha liberdade, com um cineasta como Alfonso Cuarón no comando isto resulta em mágica (o que deixa clara a falta que fez nestes sete anos de hiato desde seu magnífico Filhos da Esperança). Assim, ao longo de Gravidade testemunhamos sequências absolutamente deslumbrantes como aquela que acompanha a personagem de Sandra Bullock girando descontroladamente até que, depois de nos aproximarmos da astronauta, subitamente entramos em seu capacete e assumimos temporariamente seu ponto de vista, saltando de um plano objetivo a outro subjetivo sem quaisquer cortes. Da mesma forma, o diretor investe em momentos mais contemplativos, quase poéticos, como aquele no qual Stone, exausta, remove o desconfortável traje e, vestindo apenas camiseta e short, parece dormir brevemente, entregando-se a um relaxamento que eventualmente a leva a assumir a posição fetal enquanto gira, livre, no interior da estação orbital.
Alcançando o efeito paradoxal de criar uma narrativa claustrofóbica em meio à vastidão do espaço, Cuarón também é hábil ao empregar o 3D de forma orgânica e inteligente – e não é à toa que os resultados desta tecnologia tão recente são alguns dos melhores alcançados até hoje: como sempre afirmo ao explicar as questões básicas da linguagem 3D, esta é uma técnica que, em planos abertos, exige uma profundidade de campo ampla e, assim, é apenas natural que um filme que contrapõe os personagens à extensão infinita e escura do universo represente as condições ideais para o maior foco profundo da História do Cinema (um raro momento em minha carreira que me permito ceder a hipérboles simplesmente por saber que a tecnologia que transforma esta afirmação em fato não existia antes).
Brilhante também ao trazer Ed Harris como a voz que orienta os astronautas a partir de Houston (uma escalação perfeita, já que o ator foi figura marcante em Os Eleitos e Apollo 13), Gravidade é um filme que respeita a Ciência mesmo colocando-a totalmente a serviço do Drama, revelando-se, no processo, como um dos melhores trabalhos de 2013.
08 de Outubro de 2013