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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
27/01/2012 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
158 minuto(s)

Millennium - Os Homens que Não Amavam as Mulheres
The Girl With the Dragon Tattoo

Dirigido por David Fincher. Com: Daniel Craig, Rooney Mara, Christopher Plummer, Stellan Skarsgård, Steven Berkoff, Robin Wright, Joely Richardson, Geraldine James, Goran Visnjic, Donald Sumpter, Yorick van Wageningen.

Um dos maiores elogios que se pode fazer a um filme inspirado por algum livro é manifestar o desejo de ler o material original após a sessão. Infelizmente, quando terminei de ver o sueco Os Homens que Não Amavam as Mulheres, duas coisas me pareciam certas: Noomi Rapace viera para ficar e o livro de Stieg Larsson não entraria em minha fila de prioridades literárias tão cedo, já que o filme me parecera tolo, óbvio e terrivelmente aborrecido. Até que vi esta refilmagem comandada por David Fincher e que, como todas as obras do cineasta que se calcam na razão (o que exclui, claro, o melodrama O Curioso Caso de Benjamin Button), é uma produção envolvente, inteligente e intrigante.

Roteirizado pelo geralmente competente Steven Zaillian (cujo longa Lances Inocentes é “homenageado” aqui pela rápida aparição de um livro com jogos de Bobby Fischer), Millennium – Os Homens que Não Amavam as Mulheres tem início com a condenação do jornalista Mikael Blomkvist (Craig) por uma matéria escrita contra um empresário poderoso. Temendo prejudicar sua revista (a “Millennium” do título), ele decide se afastar por uns tempos e é contratado pelo milionário Henrik Vanger (Plummer) para investigar o desaparecimento de sua sobrinha – ocorrido há 40 anos. Cercado pela estranha família Vanger, que inclui ex-nazistas e segredos pesados, Mikael acaba contando com o auxílio da hacker Lisbeth Salander (Mara), uma jovem problemática que encontra-se sob supervisão do Estado em função de seu passado violento.

A primeira curiosidade nesta adaptação, aliás, é perceber (como é possível notar pelos nomes dos personagens) que Zaillian e Fincher decidiram manter a história situada na Suécia, o que é raro numa produção hollywoodiana, mas que aqui se revela fundamental, já que a própria geografia e o clima do país se estabelecem como elementos intrínsecos à narrativa. Fotografada por Jeff Cronenweth como uma cidade bela, elegante, mas também escura e sufocante, Estocolmo logo cede lugar à ilha que abriga a propriedade dos Vanger e que, por sua vez, é tomada por uma brancura claustrofóbica e gelada que o diretor de fotografia só ameniza pontualmente – como, por exemplo, no breve e agradável interlúdio no qual Mikael se encontra com a filha.

Mas se a fotografia merece créditos pela inteligência, aplausos similares devem ser dirigidos ao eficaz design de produção de Donald Graham Burt, parceiro de Fincher desde Zodíaco: desde a pequena e suja casinha à beira do lago que passa a abrigar Mikael até a espaçosa, agradável e impessoal residência do simpático Martin (Skarsgård), com seus interiores expostos ao mundo pelas amplas vidraças, Burt ajuda a estabelecer a atmosfera das sequências e a personalidade daquelas pessoas de maneira direta e objetiva – e a sala escura, poeirenta e amontoada do ex-nazista Gunnar praticamente leva o espectador a tossir em sua poltrona. Além disso, é impossível não admirar a atenção de Fincher e sua equipe aos detalhes, como um erro de datilografia em um relatório (“interviwes/entervistas”), que confere verossimilhança à narrativa, e como a foto do assistente social Nils (Wageningen) e de seus filhos sobre a mesa – que o cineasta inteligentemente inclui no quadro enquanto Lisbeth é vista ao fundo (e, da mesma maneira, é revelador como Fincher mantém a câmera baixa quando o sujeito se aproxima da garota, evidenciando sua imensa barriga e transformando-o instantaneamente numa figura ainda mais grotesca).

Desenvolvendo as histórias de Mikael e Lisbeth paralelamente, a montagem de Kirk Baxter e Angus Wall (outros antigos parceiros do diretor) jamais perde a fluidez, destacando-se especialmente em sequências potencialmente problemáticas como aquela que envolve diversos flashbacks, mas que a dupla torna mais orgânicos ao intercalá-los com o marca-texto de Mikael salientando as passagens relevantes. Para completar, o design de som de Ren Klyce (sim, Fincher é fiel: outro antigo colaborador) impressiona, por exemplo, ao usar o uivar do vento em uma sequência particularmente tensa, contrapondo-o com o correr quase silencioso de algumas portas – e é interessante como a voz de Harriet, a garota desaparecida, recebe um tratamento que a torna quase um eco distante em sua narração em off, como se viesse de fitas cassete desgastadas e, portanto, oriundas realmente do passado.

Estabelecendo um constante clima de tensão, Fincher mantém o espectador sempre interessado no mistério central da narrativa sem, com isso, deixar de desenvolver seus personagens – e Mikael, por exemplo, é vivido por Daniel Craig como um homem angustiado e mesmo inseguro que, ao se ver ameaçado, corre com expressão assustada sem jamais lembrar o agente 007 encarnado com tanta virilidade pelo ator. Da mesma forma, Craig é hábil ao incluir pequenos elementos de composição que, mesmo sem desempenhar papel direto na narrativa, ajudam a tornar o jornalista mais complexo, como sua inquietação nas duas cenas em que surge num avião e que sugerem uma fobia que o humaniza. E se Skarsgård transforma Martin num homem razoável e preocupado com o tio (algo raro na família Vanger), Christopher Plummer evoca a fragilidade de Henrik sem jamais deixar de sugerir a força de vontade e a determinação que no passado o transformaram num magnata.

Não há como negar, no entanto, que o filme pertence mesmo a Rooney Mara e à sua Lisbeth Salander: com uma caracterização ainda mais extrema que a de Noomi Rapace no original, a garota exibe uma imagem intimidadora com seus piercings, penteados e suas tatuagens e roupas (“Fuck you, your fucking fuck”, diz uma camisa). Da mesma forma, ela não hesita em ignorar gestos cordiais daqueles que não a interessam ou de encarar qualquer um com um olhar obviamente hostil se for necessário – e é revelador como, no instante em que um tatuador a alerta para a dor que irá sentir, ela simplesmente dá de ombros como se dissesse “E daí?”. Porém, o segredo da composição de Mara – e também seu brilhantismo – encontra-se na maneira sutil com que ela contrapõe o comportamento de Lisbeth com uma fragilidade que se manifesta não só por seu tamanho diminuto e por sua magreza, mas principalmente pela forma como mantém os ombros encolhidos e evita, na maior parte do tempo, olhar diretamente para seus interlocutores, como se procurasse sempre evitar chamar a atenção para si mesma (e o fato de sua própria aparência agir contra esta intenção revela muito sobre sua personalidade e seus mecanismos de defesa).

Seria um erro, contudo, acreditar de fato na incapacidade de Lisbeth em se defender – e se há algo que fica óbvio ao longo de Os Homens que Não Amavam as Mulheres é que a moça pode ser terrivelmente perigosa e imprevisível (o que fica evidente numa cena particularmente forte). Além disso, é dotada de grande inteligência, mostrando-se também competente como investigadora – e é divertido como Fincher retrata sua impaciência diante da lentidão de Mikael no notebook e também como o cineasta expõe a eficiência da garota em planos-detalhe que trazem a tela do computador praticamente piscando enquanto ela salta de uma imagem a outra. Para completar, o simples e genuíno carinho que Lisbeth nutre pelo ex-tutor serve para torná-la uma criatura imprevisível não apenas para aqueles que a cercam, mas também para o espectador.

Com um clímax impecável que utiliza o velho clichê do(a) criminoso(a) que explica tudo o que fez sem, com isso, soar artificial (e que é beneficiado por diálogos interessantes do(a) personagem enquanto este(a) analisa a reação de suas vítimas passadas e também por sua curiosa escolha de trilha sonora para acompanhar suas ações), Os Homens que Não Amavam as Mulheres ainda demonstra uma confiança invejável ao prolongar seu epílogo depois da resolução do mistério principal, apostando que nosso interesse por seus personagens será o bastante para que permaneçamos envolvidos com a narrativa – e é, até certo ponto, embora os quinze minutos finais acabem soando mais extensos do que são de fato.

De todo modo, ao sair do cinema desta vez, tive duas certezas: quero ler as obras de Stieg Larsson e Rooney Mara veio para ficar.

Observação: os créditos iniciais do longa são fabulosos na maneira com que evocam a vida interior turbulenta da protagonista (e não se iludam: Lisbeth é a protagonista do filme).

25 de Janeiro de 2012

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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