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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
18/06/2010 01/01/1970 4 / 5 3 / 5
Distribuidora
Duração do filme
155 minuto(s)

O Profeta
Un Prophète

Dirigido por Jacques Audiard. Com: Tahar Rahim, Niels Arestrup, Adel Bencherif, Hichem Yacoubi, Jean-Philippe Ricci, Leïla Bekhti, Pierre Leccia.

Vencedor do grande prêmio do júri em Cannes e de quase todas as categorias do César (o Oscar francês) nas quais concorreu, O Profeta é uma obra que emprega a estrutura de um interessante estudo de personagem para fazer uma análise importante e desesperadora sobre o papel que o sistema penitenciário pode exercer (e freqüentemente o faz) ao transformar indivíduos que cometeram delitos menores em criminosos perigosos e infinitamente mais ameaçadores à sociedade do que quando foram condenados.

Escrito pelo diretor Jacques Audiard ao lado de Thomas Bidegain, Abdel Raouf Dafri e Nicolas Peufaillit, o filme acompanha a trajetória do jovem Malik El Djebena (Rahim), que, depois de passar por várias instituições correcionais durante a adolescência, é finalmente enviado à prisão depois de supostamente espancar um policial (“supostamente” porque jamais vemos o incidente e o rapaz alega inocência, embora isto não seja de fato importante para a história). Descendente de árabes, ele não faz questão alguma de permanecer próximo aos seus companheiros de etnia, tentando se estabelecer como um indivíduo independente enquanto cumpre os seis anos de sua pena – e é justamente este isolamento que o deixa vulnerável ao grupo de bandidos ligados à máfia italiana e que, liderados pelo implacável veterano César Luciani (Arestrup), o obrigam a matar um outro prisioneiro, alterando de forma definitiva sua passagem pelo presídio.

Voltado ao claro propósito de denunciar as péssimas condições das penitenciárias francesas, O Profeta inicialmente pode surgir quase como um conto de fadas para os espectadores brasileiros, já que, comparada às nossas prisões, a instituição vista no longa soa como um exemplo de organização, limpeza e disciplina, buscando reeducar os prisioneiros e prepará-los para o retorno à sociedade. Aos poucos, porém, percebemos que cadeia é cadeia em qualquer lugar: limpa ou suja, confortável (na medida do possível) ou superpopulosa, nada muda o fato de que o material humano ali contido abriga alguns dos piores espécimes – bandidos ou carcereiros, não importa - que já produzimos, levando a uma convivência freqüentemente degradante e perigosa na qual o abuso de poder por parte das autoridades ou dos criminosos mais influentes é uma constante. Assim, não demora muito até que Malik, inicialmente um jovem confuso mas potencialmente recuperável, comece a aprender com os piores, agindo inicialmente por auto-preservação, mas eventualmente descobrindo seu próprio potencial criminoso.

Encarnado pelo novato Tahar Rahim como um indivíduo fragilizado que, semi-analfabeto, parece ter mergulhado numa vida de pequenos crimes mais por estupidez do que por falta de caráter, Malik percorre, ao longo dos 155 minutos de projeção, um arco dramático não apenas fascinante, mas – o mais importante – totalmente compreensível: embora se esforçando para aproveitar os anos na cadeia para estudar, o sujeito logo compreende que a única maneira de se livrar da constante pressão de seus companheiros mais poderosos reside em seu próprio crescimento dentro do sistema. Assim, ainda que basicamente atue como servo particular de Luciani, ele não demora muito a explorar sua proximidade do mafioso para estabelecer outras conexões e investir em várias atividades criminosas paralelas. Exibindo um talento nato para a manipulação (o que muitas vezes envolve engolir repetidas humilhações), Malik gradualmente se converte numa figura segura que passa a estabelecer seu próprio caminho – e é um mérito da performance de Rahim que, mesmo já mostrando-se bastante distante da criatura vulnerável que abre o filme, o protagonista permanece com um ar de inocência que mantém o espectador ao seu lado mesmo ao perceber suas mudanças (reparem, por exemplo, seu encantamento ao viajar de avião e ao pisar no mar pela primeira vez).

Estabelecendo uma relação intrigante com o poderoso Luciani, que parece desprezá-lo e admirá-lo ao mesmo tempo, Malik jamais parece sentir-se parte de um grupo específico, usando todos ao seu redor de acordo com suas necessidades, mas jamais estabelecendo uma aliança duradoura com quem quer que seja (com exceção, claro, de sua amizade com Ryad (Bencheriff) - que, aliás, acaba comprometendo as chances de reabilitação deste último). Por outro lado, por mais que queira se tornar um criminoso influente, o rapaz não consegue ignorar sua própria natureza – e, assim, é fundamental perceber como o peso de seu primeiro crime realmente grave (um assassinato) acaba se manifestando através de uma memória que praticamente assume a característica de fantasma, atormentando-o por anos. Além disso, a atuação de Rahim merece créditos por retratar a verdadeira institucionalização pela qual seu personagem passa e que é ilustrada de maneira sutil, por exemplo, na cena em que, ao ser revistado num aeroporto, ele abre a boca como se estivesse de volta à prisão.

Beneficiado também pela atuação brilhante de Niels Arestrup, que praticamente exala confiança e poder como César Luciani, O Profeta talvez não tenha o mesmo impacto emocional que o argentino O Segredo de seus Olhos, que o derrotou no Oscar, ou a ambição narrativa de A Fita Branca, que levou a Palma de Ouro em Cannes, mas certamente é uma obra impactante ao seu próprio modo e que, ancorada por um protagonista tridimensional e intrigante, revela-se trágica justamente por refletir tão apropriadamente uma triste realidade: a de que, antes de funcionar como centro de reabilitação, o sistema penitenciário concebido pela sociedade contemporânea atua principalmente como uma excepcionalmente perigosa faculdade do crime.

19 de Junho de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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