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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
03/02/2012 01/01/1970 2 / 5 2 / 5
Distribuidora
Disney
Duração do filme
146 minuto(s)

Histórias Cruzadas
The Help

Dirigido por Tate Taylor. Com: Emma Stone, Viola Davis, Bryce Dallas Howard, Octavia Spencer, Jessica Chastain, Ahna O’Reilly, Allison Janney, Emma Henry, Chris Lowell, Cicely Tyson e Sissy Spacek.

Histórias Cruzadas é um filme cínico, moralmente repreensível e maniqueísta que não se envergonha de usar descaradamente uma questão social e histórica trágica (o preconceito racial) como isca para garantir indicações ao Oscar. Com uma “mensagem” cuja obviedade (o racismo é algo ruim? Não diga!) se torna ainda mais irritante pela artificialidade com que é apresentada, o longa se esforça tanto para levar o espectador às lágrimas que chega a ser espantoso que o estúdio não tenha decidido bombear extrato de cebola para dentro das salas de exibição.


Baseado no livro A Resposta, de Kathryn Stockett (que não li), o roteiro escrito pelo cineasta Tate Taylor gira em torno da jovem Eugenia “Skeeter” (Stone), que, no início da década de 60, retorna à sua pequena cidade depois de se formar em jornalismo e, talvez percebendo pela primeira vez o racismo imperante naquela sociedade, decide escrever um livro revelando o ponto de vista das empregadas domésticas negras que, presentes em quase todos os lares da alta sociedade, são ao mesmo tempo fundamentais e invisíveis para aquelas famílias – algo ainda mais óbvio nos estados sulistas dos Estados Unidos.

Do ponto de vista técnico, Histórias Cruzadas é impecável: o design de produção de Mark Ricker e os figurinos de Sharen Davis fazem um trabalho de recriação de época admirável ao mesmo tempo em que estabelecem um contraste eficaz entre o conforto espaçoso das casas dos empregadores e a miséria opressiva dos casebres das empregadas, contrapondo, por outro lado, a esterilidade das primeiras e o sentimento familiar agradável despertado pelas últimas. Além disso, as locações que revelam grandes propriedades cercadas por vastos terrenos sugerem um estilo de vida mais próximo do período escravagista, pré-Guerra Civil, do que de uma sociedade moderna prestes a mandar o primeiro homem para a Lua.

Pois, por mais inacreditável que possa parecer, não faz muito tempo que a intolerância racial passou a ser encarada como algo pernicioso pela sociedade – basta dizer que, há menos de 30 anos, o casamento entre brancos e negros ainda era proibido por lei em alguns estados norte-americanos. Assim, quando vemos um patrão ordenando sem qualquer polidez que sua empregada lhe prepare um sanduíche ou uma patroa demonstrando repugnância pela ideia de ver a criada usando seu banheiro, sentimos choques simultâneos provocados pela estupidez daquelas ações e por reconhecermos que, ainda hoje, há pessoas que encaram outras como inferiores apenas em função de sua cor – e, assim como ocorre no filme, não é raro testemunharmos patrões que se referem aos seus empregados de maneira pejorativa como se estes, que estão ao seu lado, fossem invisíveis ou surdos.

Contando com uma performance soberba de Viola Davis (a única indicação a prêmios - ao lado dos figurinos e da direção de arte – que o longa merece de fato), Histórias Cruzadas quase se salva graças à sensibilidade da atriz, que exibe, em pequenos gestos e mudanças de respiração, uma infinidade de sentimentos complexos e doloridos – e percebam como ela chega quase a ofegar enquanto se prepara para começar a narrar suas histórias para Skeeter ou como suas mãos tremem ao receber a jornalista em sua casa, já que nunca havia tido uma convidada branca em seu lar. Porém, para perceber a riqueza de sua atuação, basta contrapô-la à caricatura criada por Octavia Spencer, cuja Minny oscila entre dois modos, “brava” e “engraçada”, constantemente combinando-os para atingir um efeito cômico maior – e o resultado é que, mesmo sofrendo abusos físicos do marido, o drama da personagem jamais ganha peso de fato.

Mas o maior problema de Histórias Cruzadas é que, embora sua história seja essencialmente sobre as condições de vida das domésticas negras e estas sejam suas personagens mais interessantes (mesmo Minny), o filme insiste em investir a maior parte de sua narrativa no núcleo de socialites brancas e seus “problemas”, começando por Celia (a linda Chastain, de A Árvore da Vida), que sofre por não ser aceita pelas colegas de classe, e terminando com a protagonista, Skeeter, que sonha em ser jornalista e cresceu se julgando feia e inadequada em função das pressões exercidas pela mãe. Aliás, os personagens brancos do roteiro de Taylor se dividem basicamente em dois grupos: os de coração puro, que abraçam as domésticas e as tratam como iguais, e os vilões desprezíveis, que fazem de tudo para humilhá-las (e para deixar isto ainda mais claro, a terrível mulher vivida por Bryce Dallas Howard chega a desenvolver uma ferida no rosto, sendo notável que o diretor tenha contido o próprio impulso de colocar uma verruga de bruxa em seu nariz). Já as empregadas são invariavelmente criaturas estóicas e donas de uma sabedoria milenar – e mesmo suas ações mais reprováveis surgem como reações perfeitamente justificáveis diante da vilania de suas patroas.

No entanto, o mais repugnante em Histórias Cruzadas é perceber como, no final das contas, são os brancos que vêm em socorro dos pobres e impotentes negros, salvando o dia com sua bondade – e, acreditem ou não, o simples fato de a dona de casa interpretada por Jessica Chastain preparar uma refeição para Minny leva esta última a finalmente criar coragem para enfrentar o marido. Da mesma maneira, a discussão sobre racismo promovida pelo filme diz mais respeito às mudanças sofridas pelos abastados caucasianos (vejam! A mãe de Skeeter ficou boazinha de repente! Oh!) do que ao sofrimento real da classe negra oprimida, o que no mínimo revela a preocupação maior do cineasta – branco, claro - para com os efeitos de tudo aquilo sobre seus colegas de raça. Aliás, chega a ser inacreditável que Taylor tenha não apenas escrito, mas ensaiado, filmado e mantido na montagem final uma cena tão artificial como aquela que traz a mãe de Skeeter demitindo uma empregada que trabalhou em sua casa por 30 anos apenas por se ver momentaneamente pressionada por amigas da alta sociedade.

Mas o que esperar de um sujeito que, a partir do terceiro ato, parece simplesmente atirar qualquer sinal de sutileza para o alto e decide dedicar-se com exclusividade ao propósito de arrancar lágrimas do espectador? E como se esforça para isso: em questão de minutos, temos a velha cena que traz vários personagens se levantando enquanto oferecem apoio a alguém (“Eu vou ajudar!”, “Eu também!”, “Conte comigo!”), outra que acompanha uma personagem sendo aplaudida por dezenas de pessoas e trocando acenos de cabeça cheios de significado com uma amiga; e, claro, uma criança chorando e batendo no vidro de uma janela ao ver alguém partindo.

Faltou apenas um personagem lutando contra o câncer e...

... hum, não, não faltou.

Não tem jeito: Histórias Cruzadas é favorito ao Oscar desde já.

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio de 2011.

10 de Outubro de 2011

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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