Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
18/10/2013 | 01/01/1970 | 2 / 5 | 1 / 5 |
Distribuidora | |||
Universal |
Dirigido por Jeff Wadlow. Com: Aaron Taylor-Johnson, Chloë Grace Moretz, Christopher Mintz-Plasse, Jim Carrey, Morris Chestnut, John Leguizamo, Clark Duke, Donald Faison, Garrett M. Brown, Claudia Lee, Lindy Booth, Olga Kurkulina.
“Kick-Ass se passa num universo essencialmente fantasioso e tem o bom humor como centro fundamental de sua narrativa – e, assim, o excesso de sangue e vísceras poderia facilmente neutralizar os esforços satíricos do filme, que ficaria preso entre a comédia e a ação sem concessões, falhando em ambos. Assim, é admirável que [o diretor Matthew] Vaughn encontre um equilíbrio perfeito entre a leveza de seu herói e o peso das consequências da violência” - foi isso que escrevi há três anos, ao manifestar minha admiração por Kick-Ass. Infelizmente, as principais virtudes que eu apontava naquele texto como as responsáveis pelo sucesso do filme estão ausentes na maior parte desta continuação, que parece não querer mais ser fantasioso e nem consegue alcançar o equilíbrio entre a leveza da farsa e a violência gráfica.
Adaptado e dirigido por Jeff Wadlow (cujos trabalhos anteriores são tão insípidos que até havia me esquecido ter escrito sobre um deles) a partir dos quadrinhos de Mark Millar e John Romita Jr., Kick-Ass 2 volta a acompanhar o adolescente Dave Lizewski (Taylor-Johnson), que, depois de aposentar o uniforme de super-heróis, sente-se entediado e convence a agora amiga Mindy Macready (Moretz) a treiná-lo para que volte à ativa. O timing do rapaz, aliás, é perfeito, já que o vilão Red Mist (Mintz-Plasse), agora com uma nova identidade, decide vingar a morte do pai ao convocar bandidos de todo o mundo para sua quadrilha do mal, que logo se vê diante da liga de heróis encabeçada por Kick-Ass e pelo Coronel Estrelas (Carrey).
Sem jamais conseguir fazer jus à direção inventiva de Matthew Vaughn no original, que trazia transições elegantes, referências gráficas inspiradas ao universo dos quadrinhos e momentos divertidos de metalinguagem, Wadlow se limita a reproduzir os balões de diálogos para incluir legendas e os letreiros que indicam elipses ou mudanças de local. No entanto, seu erro mais grave reside no esforço de afastar a narrativa do tom farsesco que conferia liberdade para que Kick-Ass retratasse a violência de forma gráfica, insistindo, em vez disso, para estabelecer a seriedade dos acontecimentos ao frequentemente trazer alguém dizendo que aquilo “é vida real” ou que “não estão numa história em quadrinhos”. Com isso, ao vermos um personagem sendo torturado e enforcado em uma cela, acabamos sentindo o peso da tragédia em vez de a encararmos apenas como um incidente motivador da narrativa.
O curioso, porém, é que o filme e seu diretor não parecem perceber esta diferença, continuando a enxergar incidentes como aquele de forma casual – e, assim, ao retratar o massacre de um grupo de policiais, Kick-Ass 2 busca claramente despertar o riso a partir de uma sequência que soa apenas pesada – e não é surpresa quando, mais ou menos no mesmo ponto da projeção, o roteiro tenta fazer graça com uma tentativa de estupro. Esta dissociação problemática entre o humor e a violência pode ser resumida, diga-se de passagem, pelo próprio vilão: por um lado, ele é vivido pelo divertido Christopher Mintz-Plasse, que, com sua língua presa e seu físico de adolescente, nada tem de ameaçador; por outro, o rapaz comanda atos pavorosos que tornam difícil enxergá-lo como uma figura engraçada.
Sim, pontualmente Kick-Ass 2 desperta o riso – como ao enfocar o absurdo de um vilão que é levado por seu motorista particular até uma humilde loja de conveniências a fim de assaltá-la ou ao explicar que o bandido já tem “mil seguidores no Twitter” -, mas estes momentos são poucos em meio a uma narrativa que parece mais interessada em levar o espectador a celebrar a insanidade perigosa de seus personagens. De maneira similar, é divertido ver os uniformes improvisados dos heróis (que me fizeram lembrar do curioso documentário Superheroes e do livro “The Amazing Adventures of Phoenix Jones”, de Joe Ronson), mas isto tampouco torna suas atitudes menos alarmantes – ao contrário do que ocorria no original.
Prejudicado por um protagonista sem personalidade ou carisma (algo que, de novo, se contrapõe ao filme anterior), Kick-Ass 2 torna-se mais interessante graças à (pequena) participação de Jim Carrey como o Coronel Estrelas, que, composto como uma figura que (aí, sim) parece sair diretamente de um mundo fabulesco com suas feições estilizadas, resulta num equilíbrio perfeito entre insanidade, dignidade e violência – e o mesmo se aplica à estreante Olga Kurkulina, que transforma a vilã Mãe Rússia num dos grandes destaques do projeto.
O que nos traz à Hit-Girl de Chloë Grace Moretz, que catapultou a carreira de sua intérprete em 2010, mas que, embora continue a ser uma personagem interessante, aqui é vitimada por um problema inevitável: o fato de a atriz ter... crescido. Ora, se antes Hit-Girl era “a Noiva de Kill Bill no corpo da Pequena Miss Sunshine” (como descrevi em 2010), agora é uma adolescente visivelmente amadurecida – e, assim, ao vê-la agir como justiceira na lanchonete da escola, o espectador fica entre a catarse de sua vingança e a incômoda sensação de experimentar flashbacks de tantos tiroteios promovidos por jovens em escolas norte-americanas.
Num mundo no qual muitos celebram em redes sociais o fato de um assaltante ser baleado no meio da rua (percebam a diferença: não comemoram o salvamento da vítima, mas o sofrimento do bandido e sua quase execução sumária), Kick-Ass 2 acaba se apresentando como uma ode ao vigilantismo, deixando de estabelecer, no processo, a diferença que fazia o original tão eficiente: o fato de que, na fantasia, os atos de violência não trazem consequências reais.
Observação: há uma cena após os créditos finais.
16 de Outubro de 2013