Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
19/06/2014 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Paris Filmes |
Dirigido por Guilherme Fiúza Zenha. Roteiro de Guilherme Fiúza Zenha, Cristiano Abud e André Carreira. Com: Lino Facioli, Mateus Solano, Regiane Alves, Gisele Fróes, Ricardo Blat, Laura Neiva, Carlos Magno Ribeiro, Thales Jannotti, Ravi Hood, Giovanna Rispoli, João Henrique Pessoa, Léo Quintão, Renato Parara, Murilo Grossi.
(Esclarecimento ético: Guilherme Fiúza Zenha – não confundi-lo com o namorado da socialite – é um amigo querido e foi produtor de meu segundo filme, Morte Cega. Isto não altera minha reação a este longa, acredito, mas sinto ser fundamental informá-los a respeito.)
Baseado no livro clássico do escritor mineiro Fernando Sabino e respeitando sua essência e a sensibilidade de seu autor, O Menino no Espelho é um daqueles filmes que funcionam de forma diferente dependendo da geração de cada espectador: enquanto os mais velhos certamente se sentirão nostálgicos diante de uma recriação tão lúdica de uma infância repleta de energia, brincadeiras e imaginação, o público mais jovem provavelmente se ligará mais na fantasia da narrativa. Da mesma maneira, enquanto os primeiros certamente compreenderão o subtexto político que remete a questões ainda presentes em nossa sociedade, os últimos irão encarar o sombrio “vilão” não como um símbolo reacionário, mas como uma simples ameaça às aventuras do jovem protagonista, o que é mais do que apropriado.
Recontando passagens da infância de Fernando Sabino (Facioli) através do filtro da imaginação do próprio escritor, que aqui é ilustrada com doçura por Fiúza, O Menino no Espelho não é um filme de trama, mas de situações: há, sim, um antagonista, mas apenas como comentário de uma realidade política que a criança percebe à distância, sem compreender muito, mas sentindo o efeito da tensão que esta gera em seus pais. Com isso, o longa se estabelece como uma experiência de olhar infantil que faz o espectador enxergar o mundo como seus pequenos heróis, que encontram imenso prazer em atos prosaicos como falar através de um telefone de lata, roubar manga no quintal de uma casa abandonada ou correr pela rua.
Com isso, ao longo da projeção, enquanto o público infanto-juvenil se vê refletido na tela (se não no tipo das brincadeiras, ao menos no impulso imaginativo), os adultos são levados a mergulhar novamente numa época marcada por cortes frequentes nos joelhos (o machucado clássico da infância), pelo pavor diante de um “Eu te espero na saída da escola!” e por paixões pré-adolescentes que confundiam por acometerem quem ainda não tinha experiência, vivência ou maturidade para compreender a natureza de um sentimento tão súbito e intenso.
Determinando o tom leve da narrativa já através da trilha delicada e brincalhona de Vinícius Calvitti, O Menino no Espelho adota um tom quase fabulesco ao investir em figurinos marcantes que pintam o ameaçador Major Pape Faria (Blat) de preto e trazem a rígida professora Risoleta (Fróes) com uma roupa abotoada até o pescoço e um relógio controlador pendurado no bolso (e que, não por acaso, produz um ruído irritante ao escrever com giz no quadro). Este tom de fábula, aliás, encontra reflexo também nos cenários e na fotografia, desde a atmosfera sombria do casarão abandonado à imensa biblioteca na qual o protagonista e sua amiga Mariana (Rispoli) investigam livros antigos enquanto uma luz difusa é ressaltada pelo leve esfumaçamento do ambiente – e é por esta razão, diga-se de passagem, que a música-tema que acompanha os créditos finais se apresenta como uma escolha tão desastrosa, já que encerra uma projeção alegre e dinâmica com acordes melancólicos que não fazem jus ao tom que dominara o filme até então.
Rara produção infanto-juvenil em nossa cinematografia, que produziu poucos e excelentes filmes voltados para o público mais jovem (como A Dança dos Bonecos e O Menino Maluquinho, ambos dirigidos por Helvécio Ratton – com quem o próprio Fiúza trabalhou por muitos anos, diga-se de passagem), O Menino no Espelho é beneficiado também por um elenco infantil adorável: Lino Facioli, como Fernando, é competente ao estabelecer as diferenças entre Fernando e seu duplo Odnanref, ressaltando a espontaneidade do primeiro e os modos estudados do segundo, ao passo que Giovanna Rispoli, como Mariana, sugere uma paixonite sutil pelo amigo que muitas vezes é traída justamente por sua insistência em provocá-lo. E se o pequeno Thales Jannotti, como o brigão Birica, demonstra um timing cômico inato, o ainda menor Ravi Hood, como Toninho, é simplesmente adorável ao tentar acompanhar os companheiros mais velhos sem ter muita certeza sobre a gravidade do que estão fazendo. Enquanto isso, Mateus Solano e Regiane Alves, como os pais do protagonista, criam um equilíbrio interessante na dinâmica com a criança: se esta mostra-se mais rígida, ainda que denotando carinho pelo filho em breves momentos de sutileza (como ao exibir um sorriso contido ao vê-lo dormir), o segundo mostra-se dividido entre a necessidade de estabelecer limites e o encantamento diante da imaginação do garoto – e, neste aspecto, até mesmo Gisele Fróes, como a professora Risoleta, consegue criar uma personagem bem mais multifacetada do que poderíamos imaginar a princípio.
Ambicioso ao trazer uma subtrama envolvendo personagens integralistas que se reúnem de maneira clandestina e ao mesmo tempo fascinam e intimidam os jovens heróis, o roteiro de Cristiano Abud, Guilherme Fiúza e André Carreira é hábil não só por explicar agilmente a natureza daquele movimento de natureza fascista através de um noticiário de cinema, mas também por empregá-lo como um comentário tristemente contemporâneo, já que o bordão “Deus, Pátria e Família” vem sendo resgatado por correntes reacionárias de extrema direita não só no Brasil, mas em diversos outros pontos do globo.
Não que este elemento tome mais tempo do que o necessário – e nem poderia, considerando a brevidade do próprio filme -, já que o interesse principal que move O Menino no Espelho é mesmo o encantamento da infância e a celebração da imaginação mesmo quando nossos corpos, já envelhecidos, não conseguem acompanhar a agilidade de nossos sonhos – uma característica que Sabino ilustrava como escritor e, aqui, como protagonista desta linda adaptação.
21 de Junho de 2014