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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/09/2012 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Nossa Distribuidora
Duração do filme
100 minuto(s)

Boca
Boca

Dirigido por Flávio Frederico. Com: Daniel de Oliveira, Milhem Cortáz, Hermila Guedes, Jeferson Brasil, Paulo César Pereio, Leandra Leal, Maxwell Nascimento, Camila Leccioli, Juliana Galdino, Claudio Jaborandi.

Ao escrever sobre o documentário Histórias de um Mentiroso, comentei que o filme, frágil, resistia apenas em função de seu fascinante protagonista. Assim, não deixa de ser curioso que o filme ao qual assisti logo em seguida, Boca do Lixo, enfrente o problema oposto: comandado com segurança e talento pelo diretor Flávio Frederico, o longa sobrevive não em função de seu anti-herói, mas apesar deste, que, retratado pelo roteiro e pelo ator Daniel de Oliveira como uma figura absolutamente unidimensional, se revela um centro frágil para um projeto que, afinal, dele depende para tudo.

Inspirado na autobiografia de Hiroito de Moraes, que durante os anos 50 e 60 criou um pequeno império criminoso na região da Boca do Lixo, em São Paulo, o filme acompanha o personagem enquanto este se torna uma figura temida e também seus constantes conflitos com o rival Nelsinho, que disputava com ele o título de “Rei da Boca”.

Escrito por Frederico ao lado de Mariana Pamplona, o roteiro parece presumir uma familiaridade absurda do espectador com a trajetória do Hiroito ao deixar de abordar várias questões importantes que, assim, se convertem em incógnitas ao longo da narrativa: por que, por exemplo, Hiroito se tornou criminoso? Aliás, de onde vem este nome, que, inclusive, lhe rende o apelido de “japonês” em certo ponto da narrativa? E como ele sai da cadeia depois de ter sido aprisionado pela primeira vez, já que já era um bandido bastante procurado à época?  

Vivido por Daniel de Oliveira com um prognatismo (a mandíbula projetada para a frente) que varia de extensão em vários momentos da projeção, Hiroito marca mais uma performance irregular deste bom ator em 2010, seguindo o desastroso 400 Contra 1 – desde já, um dos piores filmes do ano. Pouco lembrando seus memoráveis desempenhos em Cazuza e A Festa da Menina Morta, Oliveira compõe o protagonista como um sujeito que oscila apenas entre dois modos, antipático e violento, limitando-se a fazer cara de mau para todos os demais personagens na maior parte do tempo (além disso, as escolhas do intérprete nas leituras dos diálogos se revelam geralmente artificiais). Como é também prejudicado por um roteiro que parece não saber como explorar psicologicamente o personagem, o ator acaba preso a uma figura sem qualquer nuance ou dimensão – algo grave se considerarmos que se trata do protagonista do projeto.

Aliás, o elenco de Boca do Lixo se mostra tremendamente irregular: enquanto Milhem Cortáz faz milagre com um não-personagem e Jeferson Brasil se mostra mais convincente como bandido perigoso do que o próprio Daniel de Oliveira, os demais personagens secundários pecam ou pela falta de naturalidade dos atores ou pela falta de cuidado do roteiro (neste último caso encontra-se a personagem vivida pela boa Hermila Guedes). E se o veterano Paulo César Pereio, sempre talentoso mas com um jeitão que se tornou um personagem em si mesmo, acaba arrancando risos involuntários do espectador com suas leituras típicas, o ator mirim que interpreta o garotinho Vicente se revela um achado – e é uma pena que saia do filme de maneira tão abrupta em mais uma falha dos roteiristas.

Fotografado de maneira evocativa por Adrian Teijido numa lógica que remete ao noir e contando com figurinos e direção de arte extremamente eficientes na recriação de época, Boca do Lixo também é beneficiado pela montagem precisa de Vania Debs, que não só lida com talento com a narrativa que abrange vários anos, sem jamais deixá-la soar episódica, como ainda mantém um ritmo constante que deixa o espectador preso à narrativa. Além disso, é preciso aplaudir a segurança do cineasta Flávio Frederico, que não se rende ao sensacionalismo ou à tentação de incluir seqüências de ação dispensáveis, cortando várias cenas antes que cheguem a um clímax descartável (como ao não mostrar a polícia invadindo a casa em Curitiba na qual Hiroito se encontra com a esposa e nem a ação dos tiros disparados pelo protagonista contra um homem que agredia uma prostituta).

Nada disso, porém, altera o fato de que Boca do Lixo jamais apresenta uma justificativa para que acompanhemos a história daquele homem: o que, afinal, torna a trajetória de Hiroito tão “especial”? Apenas o fato de o sujeito ter vindo de uma família abastada? Aliás, até mesmo os momentos que poderiam ter sido explorados para expandir o personagem psicologicamente são desperdiçados pelo roteiro: em certo instante, por exemplo, o bandido “adota” uma criança de rua e logo em seguida pede uma prostituta em casamento – e é impossível não pensar que este impulso de estabelecer uma família tenha raízes psicológicas relevantes que, no entanto, a narrativa jamais investiga. (E, afinal, o que há por trás dos constantes flashes que Hiroito tem de sua versão infantil?)

Encerrando a história com um desfecho terrivelmente frágil, Boca do Lixo ainda traz uma narração em off inexplicável do protagonista: por que, por exemplo, ele diz que nunca conseguiu se decidir entre ser “temido ou amado” se, no filme, não consegue nenhum dos dois (é traído e questionado por várias pessoas e abandonado por diversas outras)? E de onde vem sua forma intelectualizada de se expressar, já que, embora surja lendo em diversos instantes, não parece particularmente erudito ao abrir a boca? Sim, o Hiroito que escreveu um livro sobra a própria vida pode até ser um indivíduo articulado e relativamente culto, mas a versão cinematográfica vista aqui não passa de um brutamontes desinteressante e instável.

Mas que, para sua sorte, tem um filme sólido ao seu redor.

27 de Outubro de 2010

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de SP 2010.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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