Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
12/02/2010 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
144 minuto(s) |
Dirigido por Michael Haneke. Com: Christian Friedel, Leonie Benesch, Ulrich Tukur, Ursina Lardi, Burghart Klaussner, Steffi Kuhnert, Rainer Bock, Susanne Lothar, Maria-Victoria Dragus, Leonard Proxauf, Janina Fautz, Eddy Grahl e a voz de Ernst Jacobi.
Ao longo dos últimos 20 anos, o cineasta alemão Michael Haneke construiu uma filmografia admirável a partir de histórias nada palatáveis sobre seres humanos ainda menos. Aliás, se há algo que podemos deduzir a partir de sua obra, é que Haneke encara a Humanidade com pessimismo; se a oportunidade surgir, até mesmo o aparentemente mais nobre dos indivíduos irá torturar e matar seu semelhante caso isto lhe traga algum benefício – e, embora seja um pouquinho mais otimista que o diretor (sou pessimista quanto à Humanidade, mas acredito no Indivíduo), devo confessar que sua visão niilista do mundo (mesmo considerando, por exemplo, o desfecho otimista de Tempos de Lobo) normalmente proporciona material para ricas discussões.
Pois se Haneke já é habitualmente cínico com relação aos seus personagens, imaginem então o que faz neste A Fita Branca, que, não por acaso, é ambientado na Alemanha pré-Primeira Guerra Mundial: focado numa pequena vila que aparentemente ainda vive num regime plenamente feudalista, o roteiro do próprio diretor aborda uma série de incidentes violentos que tomam o lugarejo de surpresa sem que os habitantes consigam identificar o(s) autor(es) das ações. Enquanto tentam compreender exatamente o que está acontecendo, aqueles indivíduos são obrigados a lidar com suas próprias crises internas, desde confrontos entre pais e filhos a protestos mais chocantes sobre a natureza do trabalho e da remuneração oferecidos pelo Barão que domina o local. Em meio a tudo isso, o pacato professor (Friedel) da única escola da vila tenta trazer algum sentido para o que testemunha enquanto vive uma profunda paixão por uma jovem babá.
Fotografado por Christian Berger num preto-e-branco austero obviamente (e apropriadamente) mais preocupado com a tristeza e a rigidez daquele universo do que com a beleza das imagens em si, A Fita Branca poderia perfeitamente ser apresentado numa sessão dupla com Dogville – outro brilhante longa que usava o microcosmos de um vilarejo como ponto de partida para uma impiedosa alegoria sobre a condição humana: assim como as boas intenções iniciais de ajudar a personagem de Nicole Kidman no trabalho de Lars von Trier logo cedia lugar ao egoísmo e à crueldade, aqui (e na vida real) barbaridades são cometidas em nome da Religião, dos “bons costumes” e do “bem estar” da sociedade.
Não é à toa, aliás, que o confronto de gerações impera ao longo da narrativa, seja entre pais e filhos ou mestres e alunos: o Pastor vivido por Ulrich Tukur, por exemplo, surge como um verdadeiro monstro em seus esforços de “educar” os vários filhos através da repressão de qualquer manifestação de individualidade ou curiosidade – e a “fita branca” que dá título ao projeto e que ele encara como um símbolo de “inocência e pureza” é, na realidade, uma amarra do próprio espírito humano. Da mesma maneira, Haneke – como também é recorrente em sua filmografia – não esconde depositar maiores esperanças na alma feminina em oposição à brutalidade que enxerga no temperamento masculino, já que são vários os momentos em que as mulheres do vilarejo são humilhadas, diminuídas e ignoradas por seus pares do sexo oposto. Finalmente, A Fita Branca inclui também um forte ressentimento de classe na dinâmica entre os personagens, o que eventualmente parece propício a desencadear uma explosão que se tornará difícil de conter, sacudindo irremediavelmente os alicerces daquela sociedade.
Mas, acima de tudo, é impossível ignorar que os jovens vistos ao longo da projeção são integrantes daquela geração que finalmente levará o Nazismo ao poder, propiciando uma das maiores tragédias sociais, políticas e humanas da História do planeta – e não é difícil perceber que, de acordo com Haneke, esta catástrofe se tornou inevitável a partir do momento em que acompanhamos a juventude sendo corrompida pela amarga, ressentida e apodrecida geração anterior.
Ou, numa análise mais direta e simplista, como esperar algo de positivo partindo de um bando de seres humanos tão miseráveis?
26 de Outubro de 2009
Texto publicado originalmente durante a cobertura da 33ª. Mostra de São Paulo.
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