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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
02/07/2010 01/01/1970 2 / 5 1 / 5
Distribuidora

A Saga Crepúsculo: Eclipse
Twilight Saga, The: Eclipse

Dirigido por David Slade. Com: Kristen Stewart, Robert Pattinson, Taylor Lautner, Billy Burke, Jackson Rathbone, Ashley Greene, Peter Facinelli, Kellan Lutz, Nikki Reed, Bryce Dallas Howard, Xavier Samuel, Dakota Fanning, Cameron Bright, Jodelle Ferland.

A cada novo filme da “saga” Crepúsculo é possível descobrir um pouco mais sobre os personagens. No entanto, se isto em teoria poderia ser interpretado como evidência de um bom desenvolvimento da história e de seus participantes, isto vai por água abaixo quando percebemos que os insights oferecidos sobre estas criaturas dificilmente traduzem a visão pretendida pelos realizadores da série ou pela autora do material original, a medíocre escritora Stephenie Meyer. É duvidoso, por exemplo, que ela tenha realmente planejado apresentar a protagonista Bella (Stewart) como a garota aborrecida e de espírito auto-destrutivo que descrevi em meu texto sobre Lua Nova (quando comparei sua obsessão por Edward com a de uma lesma por um pote de sal), mas é impossível negar que a moça tenha de fato algum transtorno de personalidade – e, da mesma maneira, embora ela tente estabelecer o “vampiro” Edward (Pattinson) como o protótipo do herói romântico, como a idealização da fantasia feminina, a verdade é que, em Eclipse, somos levados a suspeitar que o centenário sujeito tenha, na realidade, uma triste dificuldade em abraçar a própria homossexualidade.

Vampiros gays não são novidade alguma, claro: a bissexualidade das criaturas vistas nos belos romances de Anne Rice representou uma oportunidade magnífica de acrescentar uma nova dimensão aos clássicos seres popularizados por Bram Stoker – e se de fato Meyer compreendesse o dilema de sua própria criação, Crepúsculo teria o potencial de se tornar um estudo de personagem memorável. No entanto, inacreditavelmente a escritora não consegue ler as pistas que ela mesma plantou: aos 109 anos, Edward é um “solteirão convicto”, um homem que, mesmo ao se envolver romanticamente com uma mulher, não consegue se forçar a abraçar o relacionamento completamente, optando, em vez disso, por manter um distanciamento artificial ditado por supostas “regras” morais; meras desculpas para que continue a se enganar. Por outro lado, ainda que mantenha uma postura fria e introspectiva durante a maior parte do tempo, basta se aproximar de Jacob (Lautner) para que assuma um tom mais intenso e volte à vida – e sua hostilidade diante do rapaz exibe todos os sinais clássicos de alguém em negação, de um sujeito que usa a agressividade como válvula de escape para seus verdadeiros sentimentos. Não é à toa, aliás, que a conversa que Edward e Jacob mantêm em uma barraca nas montanhas (sim, algo como O Segredo de Brokebackrepúsculo), em certo momento, exibe os únicos sinais de vitalidade de toda a narrativa: carregada de subtexto (mesmo que não-intencional), a cena é repleta de potencial justamente por dar a impressão de que a qualquer momento o “vampiro” finalmente se libertará das amarras auto-impostas e confessará seu verdadeiro interesse pelo “inimigo” – algo que, tragicamente, nunca se confirma.

E, com isso, ficamos presos à traminha babaca e juvenil concebida por Meyer, que, jamais abandonando a superficialidade, insiste em chamar de “saga” uma narrativa prosaica durante a qual nada parece acontecer mesmo depois de três episódios. Esforçando-se para tentar criar um drama artificial e absurdo, Eclipse já começa de maneira estúpida ao trazer Bella, que praticamente se entregou à morte nos dois capítulos anteriores em função de seu amor incondicional por Edward, negando-se a aceitar o pedido de casamento do homem de seus sonhos. O motivo? Acredita se tratar de uma “convenção”; é “jovem” demais; a “taxa de divórcios” é muito grande e por aí afora. Tradução: precisando estabelecer algum arco dramático para o terceiro livro – qualquer um! -, Meyer decidiu que a trajetória de Bella rumo à aceitação do pedido de Edward seria o bastante para criar algum sentimento de coesão na estrutura da trama, mesmo que isto contradissesse tudo o que sabíamos sobre a personagem.

Bella, aliás, permanece um mistério: vivida por Kristen Stewart com uma falta de vitalidade que faz José Serra soar como Carmen Miranda, a heroína da série é uma moça aborrecida e entediante que, parecendo sempre terrivelmente infeliz, passa a impressão de não conseguir esboçar um sorriso nem mesmo durante o orgasmo (não que Edward a ajude neste sentido) – e, assim, é difícil compreender como uma personalidade tão desestimulante atraiu não apenas o “vampiro”, mas também o lobisomem Jacob. Como se não bastasse, todas as suas conversas com o amado se resumem à velha ladainha já ouvida nos dois filmes anteriores: “Você tem escolha”, “Quero que me transforme!”, “Você não sabe o que está me pedindo.”, “Nós temos que ficar juntos”, “Não podemos ficar juntos”, “Eu te amo mais do que todos os músculos do abdômen do Jacob juntos!” e por aí afora. Depois de três filmes escutando a mesma conversa, torna-se fácil compreender o que leva alguém a simplesmente enlouquecer e a sair disparando tiros nas pessoas ao seu redor.

Mas se a atração despertada por Bella é incompreensível, Edward não fica muito atrás: embora bonito, Robert Pattinson encarna o “vampiro” com a expressividade de um boneco de cera dopado, o que, somado ao machismo revoltante do personagem, comprova apenas que as jovens fãs da série não parecem compreender muito bem a diferença entre amor e possessão – e continuando a agir mais como um stalker do que como um namorado (vide o texto sobre Crepúsculo), Edward chega a proibir que a moça se encontre com Jacob, provando que não apenas nasceu no início do século 20 como ainda mantém a mentalidade da época. Além disso, o sujeito exibe um moralismo repugnante, chegando a se recusar a transar com Bella antes do casamento a fim de “proteger sua alma” (algo que reflete o conservadorismo absurdo da mórmon Stephenie Meyer e acaba contribuindo para a leitura de Edward como homossexual em negação). Aliás, se o vampirismo como metáfora da abstinência sexual era algo que eu já havia abordado em meu texto sobre o filme original, isto fica ainda mais claro no terceiro capítulo, que basicamente reforça o conceito da “mordida” como forma de ato sexual (Edward se recusa a transar com a namorada por temer as conseqüências, alegando que poderia “perder o controle”).

Estúpido a ponto de não perceber a ironia ao incluir um diálogo que diz ser necessário “abraçar os clichês”, o roteiro de Melissa Rosenberg ainda falha ao empregar narrações em off que apenas reforçam elementos óbvios e ao incluir três flashbacks que não exercem praticamente função alguma na narrativa, não servindo nem mesmo para tornar os personagens enfocados mais dimensionais. Sem conseguir sequer explorar a maldição de se viver eternamente sem sair do lugar-comum, a roteirista (que se sai bem melhor na série Dexter) ainda chega ao cúmulo de empregar diálogos que apenas ajudam a estabelecer Bella como uma ninfeta estúpida com um fraco por estabelecer o óbvio: em certo instante, por exemplo, quando um dos membros da família Cullen conclui que alguém está “criando um exército”, a protagonista não consegue se conter e emenda: “Um exército de vampiros.” – e fiquei surpreso quando nenhum dos demais personagens se virou para a moça e soltou um “Duh!” em alto e bom som. Da mesma forma, quando outra “vampira” ouve Bella dizer que jamais irá desejar algo com maior intensidade do que seu amor por Edward, tenta explicar que “depois que (ela) se transformar, haverá algo que irá querer mais. Algo pelo qual matará” – e provavelmente suspeitando que a garota seria burra demais para compreender a insinuação, escancara: “Sangue”. (E mais uma vez esperei a chegada de alguém dizendo “Duh!”.)

Mais uma vez, contudo, Edward parece o par ideal para a heroína, já que, embora tendo vivido 109 anos, parece ter passado toda sua existência (des)penteando os cabelos em vez de se dedicar à leitura, já que se expressa com a articulação de um pré-adolescente viciado em Malhação. Além disso, sua burrice chega ao ponto de permitir que Jacob carregue Bella no colo por quilômetros a fim de despistar o cheiro da moça – que a vilã (vivida por uma desperdiçada Bryce Dallas Howard) seria capaz de captar – apenas para colocar o plano a perder ao decidir acompanhar a namorada. “Ela deve ter seguido o meu cheiro por saber que eu estaria com você!”, ele conclui espantado e provando ser um débil mental. E isto para não mencionar o fato de que o roteiro tenta fazer um mistério bobo a partir da identidade da pessoa que se encontra por trás do tal “exército de vampiros” quando, sejamos sinceros, qualquer um que tivesse dois neurônios seria capaz de matar a charada.

(Quanto ao “exército” e à explicação de que os vampiros recém-criados são mais fortes do que os veteranos por ainda possuírem sangue humano... bom, é algo tão estúpido que se torna desnecessário comentar. Meyer conseguiu a proeza de errar em todas as características da criatura que decidiu empregar como galã de seus livros, o que não é de se espantar.)

Provando ser capaz de se manter igualmente desinteressante independentemente de quem dirija os capítulos da série, Eclipse acaba se tornando apenas mais um embaraço na carreira de David Slade, que, depois do ótimo MeninaMá.com, volta a tropeçar pela segunda vez ao lidar com vampiros (ao menos, aqueles vistos em 30 Dias de Noite eram vampiros). Perdido ao tentar conferir algum interesse a uma narrativa condenada pela trivialidade do material de origem, o cineasta busca, por exemplo, adicionar tensão aos diálogos tolos de Rosenberg/Meyer ao empregar uma câmera inquieta ao enfocar os personagens (reparem especialmente a cena entre Bella e Jacob no celeiro), mas esta opção soa artificial e inadequada ao conteúdo da conversa. Como se não bastasse, os efeitos visuais acabam sendo comprometidos pelo orçamento relativamente modesto e jamais soam convincentes, tornando-se especialmente embaraçosos nos momentos que envolvem as transformações dos lobisomens. Aliás, a falta de cuidado da produção é tamanha que, em certo instante, Jacob entra numa barraca, em meio a uma tempestade de neve, e percebemos que seu corpo (sempre descamisado, claro) encontra-se completamente seco, provando que os lobisomens de Meyer possuem mais um poder inédito: a refração à umidade.

E já que citei mais uma vez a cena da barraca, resta a esperança de que nos capítulos seguintes Edward consiga se libertar de seus preconceitos e assuma sua verdadeira identidade, reconhecendo que sua obsessão por Bella jamais passou de uma mera desculpa para que pudesse se aproximar daquele que realmente lhe interessa: Jacob. Já consigo, aliás, até imaginar o diretor ideal para assumir a tarefa: Todd Haynes, de Velvet Goldmine, Longe do Paraíso e Não Estou Lá – e que certamente teria a sensibilidade necessária para retratar a reconciliação de um homem de 109 anos com sua própria natureza homossexual.

Caso isto ocorresse, juro que enxergaria a “saga” Crepúsculo sob uma nova luz e reavaliaria até mesmo os capítulos anteriores. Porque não é possível que, no fim das contas, toda a série realmente gire em torno do romance entediante de um “vampiro” machista e sua ninfeta suicida.

01 de Julho de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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