Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
13/03/2009 01/01/1970 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
128 minuto(s)

Entre os Muros da Escola
Entre les murs / The Class

Dirigido por Laurent Cantet. Com: François Bégaudeau, Wei Huang, Esméralda Ouertani, Franck Këita, Carl Nanor, Boubacar Touré, Rachel Régulier, Cécile Lagarde, Cherif Bounaïdja Rachedi, Burak Özyilmaz.

 

Comecemos com uma afirmação óbvia: não é fácil lidar com adolescentes. Mergulhados numa fase de intensa auto-descoberta e durante a qual sentem uma crescente necessidade de afirmarem sua individualidade, eles freqüentemente encontram no confronto, no descaso e no puro escárnio as maneiras “ideais” de demonstrarem sua independência diante das figuras que representam autoridade, de pais a professores. É um processo natural, esperado e até mesmo importante, mas que ainda assim representa uma dificuldade imensa em um ambiente no qual estabelecer a autoridade diante dos jovens é fundamental: a sala de aula.

 

O que nos traz, claro, a este excelente Entre os Muros da Escola, primeiro longa francês a vencer a Palma de Ouro em Cannes desde 87 (ano em que Sob o Sol de Satã levou o prêmio): roteirizado pelo diretor Laurent Cantet ao lado de Robin Campillo e François Bégaudeau a partir do livro autobiográfico escrito por este último, o filme acompanha um ano na relação de um professor de francês com sua turma de alunos em uma escola na periferia de Paris. Tentando conciliar o currículo do curso com seus esforços para ensinar algo sobre o mundo aos seus jovens discípulos, o sujeito é obrigado a adotar diferentes estratégias diante das personalidades tão contrastantes de seus alunos, do tímido imigrante Wei às desafiadoras amigas Esmeralda e Rachel, passando pelo impulsivo Souleyman e o novato Carl. E o mais intrigante: o professor é vivido pelo próprio Bégaudeau em sua estréia como ator.

 

Não é à toa que Entre os Muros da Escola apresenta uma estrutura narrativa e estilística fortemente inspirada pelo documentário: mantendo a câmera sempre na mão e jamais usando uma trilha sonora convencional, Cantet abraça ainda características clássicas do neo-realismo ao empregar um elenco de amadores que basicamente interpretam versões de si mesmos (mantendo seus nomes reais na maior parte das vezes) e ao utilizar uma montagem direta, seca, que salta de um momento a outro sem grandes preocupações com transições elegantes ou com uma decupagem particularmente sofisticada (ou, ao menos, sem passar a impressão de se preocupar com isto). Assim, o filme aposta na ambigüidade e na sensação de estarmos acompanhando os fatos à medida que estes se desenrolam num ambiente de improviso que sempre valoriza o acaso.

 

Além disso, para que esta abordagem funcione, é imprescindível evitar o clichê e a caricatura (não há, aqui, o “bad boy, o “caxias” ou a “patricinha”) e, assim, cada estudante se revela um ser complexo e capaz de surpreender o espectador (e o professor) com posturas que talvez não atribuíssemos a ele habitualmente. E mais importante: o longa se esforça em determinar que aqueles jovens não são maus alunos ou mesmo particularmente rebeldes, já que, durante boa parte do tempo, se mostram interessados e participativos durante as aulas, embora isto não os impeça de questionar Bégaudeau ou mesmo de desafiá-lo abertamente. É claro que, aqui e ali, eles acabam se distraindo ou perdendo a concentração e que uns demonstram aprender com mais facilidade do que outros, mas tudo isto é de se esperar em uma sala de aula e, portanto, apenas contribui para aumentar a verossimilhança da narrativa, que triunfa justamente por permitir que passemos a conhecer as particularidades de cada aluno e da dinâmica da turma sem que, com isso, a experiência se torne esquemática ou artificial.

 

Interpretando a versão ficcional de si mesmo (o que, ao contrário do que muitos podem pensar, não é tarefa fácil), François Bégaudeau surge como o personagem mais complexo do filme: bom professor e (o mais importante) um educador dedicado, ele nem sempre consegue manter o controle sobre sua turma, permitindo que os alunos desviem as discussões e mesmo que o desrespeitem ocasionalmente. No entanto, isto não o impede de exibir uma forte preocupação em relação aos jovens, buscando encontrar maneiras diferentes de estimulá-los a partir de suas preferências pessoais (como, por exemplo, ao usar o gosto de Souleyman pela fotografia) – e, portanto, chega a ser surpreendente quando François finalmente perde a paciência, em determinado instante, e diz certas coisas que claramente ultrapassam o limite do aceitável numa relação entre professor e alunos, comprometendo meses de trabalho em função de uma explosão momentânea.

 

Esta sua frustração, diga-se de passagem, é amplamente compartilhada por seus colegas do corpo docente – e um dos momentos mais reveladores de Entre os Muros da Escola é aquele em que um colega novato de François entra na sala dos professores e, obviamente irritado, dá início a um discurso raivoso e ressentido que seus companheiros acompanham com um misto de tristeza, choque e compreensão. Vale dizer, aliás, que os professores retratados ao longo do filme são, em sua maioria, profissionais responsáveis e interessados, surgindo, assim como os alunos, como figuras complexas e, conseqüentemente, passíveis de contradições. Mal remunerados (chegam a reclamar, durante uma reunião, do reajuste no preço do café) e constantemente pressionados pelas atitudes desafiadoras de seus estudantes, eles discordam com relação à melhor maneira de se manter o controle sobre os alunos, mas mesmo aqueles que defendem um maior rigor e punições severas são retratados pelo roteiro não como indivíduos vingativos ou cruéis, mas como pessoas razoáveis que defendem seus argumentos com clareza e serenidade.

 

No entanto, nem sempre é possível encontrar uma solução – e durante a seqüência que traz François reunindo-se com os pais de seus alunos podemos perceber que o professor por vezes fica sem resposta diante de questionamentos que lhe são feitos a partir de preocupações perfeitamente naturais que aquelas pessoas exibem com relação à educação de seus filhos. Porém, o que realmente importa é que, falhando ou tendo sucesso, Bégaudeau compreende que um bom professor é, antes de tudo, um educador, alguém que se preocupa em preparar seus alunos não apenas para uma questão sobre o “presente do subjuntivo”, mas também para a vida.

 

22 de Março de 2009

 

Comente esta crítica em nosso fórum e troque idéias com outros leitores! Clique aqui!

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!