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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/06/2013 01/01/1970 4 / 5 3 / 5
Distribuidora
Warner Bros.

O Grande Gatsby
The Great Gatsby

Dirigido por Baz Luhrmann. Com: Leonardo DiCaprio, Carey Mulligan, Tobey Maguire, Elizabeth Debicki, Joel Edgerton, Jason Clarke, Isla Fisher, Amitabh Bachchan, Brendan Maclean.

Para Baz Luhrmann, O Grande Gatsby é uma história que oscila entre o operático e o melodrama – dois tons ausentes do livro de F. Scott Fitzgerald, que, numa narrativa enxuta e elegante, usava seus personagens como figuras alegóricas de uma sociedade cuja prosperidade econômica surgia como disfarce para uma profunda pobreza de valores – e que, de maneira quase profética, indicavam a inevitabilidade da Grande Depressão que se aproximava. No entanto, apesar deste conflito de atmosferas entre livro e filme, é curioso observar como o trabalho de Luhrmann se mostra bem sucedido durante a maior parte do tempo justamente por conferir energia e cor às palavras evocativas de Fitzgerald ao mesmo tempo em que se mantém fiel à sua trama mesmo adotando uma estrutura nova para transportá-la para as telas.

Transformando Nick (Maguire) em um alcóolatra em recuperação que é incentivado por um médico a narrar sua história, o roteiro de Luhrmann e Craig Pearce enfoca a chegada do rapaz à Nova York do início da década de 20, quando decide trabalhar como corretor da bolsa e se muda para um pequeno chalé situado ao lado de uma imponente mansão. Reatando o contato com a prima Daisy (Mulligan), agora casada com o rico e pedante Tom (Edgerton), Nick eventualmente se torna amigo de seu milionário vizinho, o misterioso Jay Gatsby (DiCaprio), que sonha em retomar seu antigo relacionamento amoroso com a prima do novo vizinho.

Abrindo a narrativa com vinhetas em preto-e-branco cercadas por uma moldura dourada que remetem ao mergulho histórico que irá promover em uma era de temporária abundância, Baz Luhrmann já demonstra criatividade ao empregar o 3D de maneira inventiva ao ilustrar justamente esta imersão – e, mais tarde, quando usa o recurso para destacar janelas da vizinhança observada por Nick, percebemos claramente que o cineasta está decidido a utilizar a linguagem tridimensional como parte ativa da narrativa em vez de apenas como recurso caça-níqueis. Além disso, ao manter uma grande profundidade de campo nos planos gerais que percorrem seu universo em voos possibilitados pelos efeitos digitais, o cineasta cria um espetáculo visual envolvente, ainda que, aqui e ali, seus excessos estilísticos realmente incomodem – como, por exemplo, ao enfocar o cotidiano de Daisy e Tom como uma vida de luxo na qual os criados abrem as portas do terraço em uma coreografia cuidadosa e na qual as cortinas da sala de estar criam um balé conveniente para apresentar a amada de Gatsby.

Da mesma maneira, o design de produção de Catherine Martin (esposa do diretor), ainda que impressionante em sua escala, revela uma incoerência pontual ao oscilar entre tons mais naturalistas (ainda que grandiosos) e outros que ultrapassam a fronteira da caricatura – como na cena que enfoca uma pequena festa em um apartamento multicolorido e povoado por mulheres que exibem maquiagens absurdas. Neste aspecto, aliás, até mesmo as abordagens dos atores variam loucamente: se Carey Mulligan constrói Daisy com uma voz sofrida e contida, Isla Fisher transforma Myrtle quase em uma versão da Miss Hannigan de Annie, o que indica uma certa indefinição do diretor com relação à narrativa.

Isto, porém, é mais do que compensado pela inventividade de Luhrmann, que não se preocupa em se mostrar reverencial ao texto original e, assim, repinta O Grande Gatsby com sua paleta característica, chegando a se entregar completamente ao modo Moulin Rouge nas sequências que retratam as festas megalomaníacas do personagem-título. E se as músicas anacrônicas parecem se encaixar surpreendentemente bem na história, os grafismos que convertem passagens do texto de Fitzgerald em elementos que flutuam pela tela conseguem ressaltar de forma curiosa a força das palavras do autor – que, em outros momentos, acabam encontrando representações igualmente poderosas através de imagens impressionantes como o plano aéreo que contrapõe as áreas verdes e elegantes das mansões dos milionários a um mundo tomado pelo cinza e habitado por aqueles miseráveis que tornam possível o modo de vida dos ricaços.

Eficaz ao criar imenso suspense para a entrada de Gatsby em cena, o longa ainda é beneficiado por uma atuação estupenda de Leonardo DiCaprio, que deixa Alan Ladd e Robert Redford, intérpretes anteriores do personagem, na sombra absoluta ao conseguir encarnar o sujeito como um homem que mantém a aura de mistério mesmo permitindo que, aqui e ali, percebamos uma certa insegurança e seu desejo incontido de ser compreendido e amado por aqueles que o cercam – o que se contrapõe à postura seca e arrogante de Tom e mesmo ao conforto que Nick, mesmo sem dinheiro, sente quando ao redor de seus pares.

Neste aspecto, O Grande Gatsby alcança sua maior vitória narrativa ao permitir que vejamos como Daisy é, no fundo, uma idealização de Gatsby – que, por sua vez, é visto da mesma maneira por Nick. E se esta adaptação de Luhrmann funciona melhor dramaticamente que as tentativas anteriores, isto se deve também à sua capacidade de humanizar o personagem-título sem desvendá-lo completamente, deixando claro que, apesar de forte à sua própria maneira, o pobre sujeito cometeu o erro básico de devotar os sentimentos mais puros à pessoa errada e de construí-los através da sujeira e do crime, falhando em perceber que, assim, garantia apenas a certeza do próprio sofrimento.

11 de Junho de 2013

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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