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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
18/03/2011 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora

Não me Abandone Jamais
Never Let Me Go

Dirigido por Mark Romanek. Com: Carey Mulligan, Keira Knightley, Andrew Garfield, Izzy Meikle-Small, Charlie Rowe, Ella Purnell, Charlotte Rampling, Sally Hawkins.

Não fiquei surpreso ao descobrir que Não Me Abandone Jamais havia sido adaptado de um livro de Kazuo Ishiguro; afinal, é difícil ignorar a similaridade entre sua atmosfera melancólica, formal e marcada pela repressão emocional com aquela presente no belíssimo Vestígios do Dia, igualmente realizado a partir de uma obra do autor japonês. Aliás, este novo trabalho do cineasta Mark Romanek poderia ser perfeitamente descrito como uma combinação curiosa entre o filme de James Ivory e o clássico 1984.

Ambientado num passado ficcional que viu a ciência ampliar a expectativa de vida humana até os 100 anos de idade, o roteiro de Alex Garland acompanha a trajetória dos jovens Kathy (Mulligan), Tommy (Garfield) e Ruth (Knightley), que, depois de se tornarem próximos em um colégio interno britânico, passam a exercer imensa influência nas vidas uns dos outros durante as duas décadas seguintes à medida que compreendem a exata natureza e o propósito de suas existências.

Despidas de suas individualidades já em função de seus sobrenomes reduzidos a uma inicial (o que remete a O Processo, de Kafka), as crianças passam seus dias entre as salas de aula, que incluem lições sobre como pedir uma bebida em uma lanchonete e a melhor maneira de obter prazer no sexo, e a livre interação nos campos que cercam a instituição – mas cujos limites jamais devem ser ultrapassados. Portanto braceletes que monitoram suas entradas e saídas do colégio, elas parecem habitar num universo que combina elementos antiquados com outros saídos de uma ficção científica – e demora algum tempo até que finalmente percebamos a exata natureza daquela instituição e sejamos capazes de compreender, por exemplo, por que os alunos ficam tão eufóricos diante da possibilidade de comprarem entulhos entregues em caixas de papelão.

Com uma direção de fotografia que aposta numa paleta quase monocromática para ressaltar a melancolia daquele universo e que combina perfeitamente com os figurinos tristes e a trilha evocativa de uma Rachel Portman mais contida do que o habitual, Não Me Deixe Só encontra, em sua hora inicial, os momentos mais fortes da narrativa – e, portanto, é uma pena quando os personagens crescem e deixam o colégio, já que a partir daí o roteiro investe num triângulo amoroso clichê que, ainda que sirva para desenvolver o arco geral da trama, acaba soando previsível e melodramático.

Tornando-se uma figura cada vez mais segura em cena, Carey Mulligan não permite, no entanto, que a fragilidade de sua metade da narrativa (na primeira metade, sua personagem é vivida pela ótima garotinha Izzy Meikle-Small) comprometa sua performance, merecendo aplausos por encarnar Kathy como uma jovem cuja natureza introspectiva revela não exatamente uma tristeza subjacente, mas mais uma compreensão tácita acerca do próprio destino. Enquanto isso, Keira Knightley encarna Ruth como uma jovem que busca ocultar sua insegurança através de uma postura arrogante, expondo esta tentativa, por exemplo, ao imitar as atitudes de colegas mais velhos diante de um programa de humor. Fechando o trio principal, Andrew Garfield mais uma vez volta a se mostrar como um buraco negro de carisma, sugando toda a energia e o brilho de suas colegas de elenco sempre que surge em campo. Já o elenco secundário tem o privilégio de contar com Charlotte Rampling em mais uma de suas performances geladas e assustadoras, além de trazer também Sally Hawkins como a única “guardiã” do colégio interno que exibe algum traço de calor humano.

Sem se preocupar em detalhar a lógica que rege a existência daqueles indivíduos (o que é um acerto) ou em justificar a passividade que exibem diante de um destino que sabem ser cruel (o que é um equívoco), Não Me Abandone Jamais comprova o talento de Mark Romanek, que, sem dirigir um longa desde o seu ótimo Retratos de uma Obsessão, aqui constrói uma obra triste que não permite que a solenidade de sua narrativa a impeça de exercer impacto sobre o público. Ainda assim, o dilema ético proposto pela história, mesmo funcionando como um curioso exercício intelectual, não deixa de soar tolo justamente por não ter implicações práticas na vida real, o que representa um pequeno problema – especialmente a partir do instante em que uma dispensável narração em off se encarrega de resumir o tema do filme em seus segundos finais, numa ofensa clara à inteligência do espectador.

Uma ofensa que podemos optar por ignorar em respeito à qualidade inquestionável do restante da narrativa.

25 de Outubro de 2010

Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura da Mostra Internacional de Cinema de SP 2010.

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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