Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
07/01/2011 | 01/01/1970 | 2 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
129 minuto(s) |
Dirigido por Clint Eastwood. Com: Matt Damon, Cécile De France, Frankie McLaren, George McLaren, Jay Mohr, Richard Kind, Thierry Neuvic, Lyndsey Marshal, Bryce Dallas Howard e Derek Jacobi.
É natural que aos 80 anos de idade Clint Eastwood comece a se preocupar mais com discussões acerca da morte e até mesmo do que pode vir depois desta, refletindo estas preocupações em seus trabalhos como realizador: em Gran Torino, por exemplo, ele já flertava com a mortalidade do ícone que passou a representar após décadas diante das câmeras e neste Além da Vida busca investigar nossa fascinação (ou obsessão) pelo pós-vida. Porém, talvez por não sentir-se à vontade com o tema, acaba fazendo um trabalho desajeitado e frágil - e se há algo que continua a me espantar é como o cineasta seguro e experiente de obras como Coração de Caçador, Os Imperdoáveis, Um Mundo Perfeito, Sobre Meninos e Lobos, Menina de Ouro e Cartas de Iwo Jima pode ser o mesmo realizador atrapalhado e sem foco de decepções como o já citado Gran Torino, Invictus, Dívida de Sangue, Crime Verdadeiro, Poder Absoluto e Impacto Fulminante, entre outros.
Dividido em três linhas narrativas que se intercalam de maneira pouco eficaz, Além da Vida abre com o tsunami que devastou a Tailândia em 2004 e que aqui acaba representando uma experiência traumática e fundamental na vida da jornalista e âncora Marie LeLay (De France). Enquanto isso, em Londres, dois garotinhos gêmeos, Jason e Marcus (Frankie e George McLaren), tentam evitar que os assistentes sociais percebam as recaídas da mãe, viciada em álcool e heroína, até que o primeiro acaba sendo morto em um acidente de trânsito e o segundo se torna determinado a estabelecer algum tipo de contato com o irmão. Finalmente, somos apresentados a George Lonegan (Damon), que abandona o trabalho como médium por considerar-se incapaz de se relacionar com quem quer que seja em função de sua mediunidade – e que finalmente acaba conhecendo Melanie (Dallas Howard), um possível interesse romântico, ao freqüentar aulas noturnas de culinária.
Infelizmente, os tropeços do filme já começam na maneira atrapalhada com que o roteiro se divide entre estas tramas paralelas, já que nem Eastwood nem o roteirista Peter Morgan (este último, mais conhecido por seus projetos políticos como O Último Rei da Escócia, A Rainha e Frost/Nixon) exibem muita experiência com narrativas múltiplas, o que resulta em graves problemas estruturais que a montagem de Gary Roach e Joel Cox não consegue resolver, levando a um ritmo irregular no qual acompanhamos determinado personagem por um longo tempo apenas para termos nosso foco alterado toda as vezes em que a história começa a ganhar intensidade.
Melancólico como boa parte da filmografia mais recente do cineasta, Além da Vida constrói sua atmosfera pesada e sufocante através do eficiente uso de figurinos sempre escuros e da fotografia carregada de sombras, assim como da trilha sonora que, como vem se tornando cada vez mais comum, o próprio Eastwood compõe a partir de temas simples, mas (aqui) eficazes. Em contrapartida, o diretor tropeça no básico, demonstrando uma falta de jeito surpreendente ao conceber a mise-en-scène de diversas cenas: a chegada de Melanie no primeiro dia de aula, por exemplo, soa como teatro amador (observem especialmente a maneira como o ator que interpreta o chef se inclina para a câmera) e a reunião inicial de Marie com os editores transborda artificialidade ao trazer a jornalista numa apresentação frágil que é absorvida com aparente fascinação por aqueles profissionais. Da mesma forma, a clínica para pacientes terminais é vista por Eastwood como um lugar em que cada quarto traz um moribundo cercado por parentes que aguardam seu último suspiro – e basta permanecer alguns segundos no local para, claro, testemunhar alguém partindo (algo que a médica responsável pelo estabelecimento encara com tamanha naturalidade – eu diria descaso – que chega a ponto de nem olhar para a paciente morta ou seus familiares, limitando-se a fazer um comentário divertido para a visitante Marie).
Demonstrando não ter a mínima idéia de como funciona uma feira de livros ou mesmo do que seja o YouTube ou do tipo de vídeo publicado no site (aparentemente, o diretor acredita que seja uma espécie de reservatório de discursos filmados em alta qualidade e com resolução impecável), Eastwood e seus montadores ainda cometem erros grosseiros na organização da narrativa: além de, como já citado, as três narrativas jamais se encaixarem com fluidez, é fácil perceber a total falta de lógica na estrutura de seqüências específicas – como aquela, por exemplo, em que Marcus é visto consultando vários charlatões. Ora, devemos supor que o garoto visitou todas aquelas pessoas ao longo de uma única tarde, já que seus guardiões passam o dia ansiosos? Mas se for este o caso, por que a seqüência é iniciada com sua participação em uma sessão mediúnica ocorrida à noite (como informa o recepcionista do local), sendo só então seguida pelas demais consultas? Além disso, a própria passagem do tempo durante a história é trôpega, levando o espectador a ser constantemente surpreendido pela informação de que meses se passaram quando, no máximo, temos a impressão de que poucos dias ou algumas semanas transcorreram.
Igualmente mal construídos são os personagens de Peter Morgan e seus dramas pessoais: Marie, por exemplo, é levada a abandonar seu programa pelo namorado/produtor, mas devemos realmente acreditar que sua queda profissional é tão absoluta e vertiginosa? Ela chega a comentar que, há alguns meses, era “rica e famosa”, como se tivesse perdido tudo em tão pouco tempo. Da mesma maneira, o tal produtor diz que ela se tornou um embaraço ao discutir “em público” suas novas crenças, mas em nenhum momento a jornalista toma esta atitude – e nem mesmo a reunião com os editores, por ter ocorrido naquele mesmo dia, poderia ter servido como base da afirmação do sujeito, já que seria absurdo imaginar que o conteúdo da conversa houvesse vazado e se transformado em controvérsia em questão de horas. E mais: por que a recusa dos editores seria motivo de tamanho drama, já que Marie, como jornalista experiente e conhecida, certamente conseguiria levar seu projeto para outra casa sem dificuldades?
Já o personagem de Matt Damon desperta ressalvas de outra natureza: largando a profissão de médium por não agüentar o peso da responsabilidade de lidar com a morte em tempo integral, ele encara a decisão como a única forma de estabelecer uma relação sadia com alguém – mas como isto poderia funcionar se a cada vez que toca uma pessoa ele reage com choque ao estabelecer comunicação com seus parentes mortos? Além disso, se o sujeito realmente não gostaria que seu dom fosse conhecido por Melanie, por que permite que esta ouça a fala do irmão pelo viva-voz do telefone mesmo ao perceber para onde a conversa está caminhando? A impressão é a de que George queria que ela escutasse o que seu irmão tinha a dizer, o que contradiz tudo o que o personagem vinha afirmando até então.
Contradições, contudo, são o centro de Além da Vida – e não de uma maneira positiva por trazer complexidade à narrativa, por exemplo. Sem conseguir definir nem mesmo o tema central de seu filme, Eastwood parece atirar em todas as direções: por um lado, discute a curiosidade que temos pelo conceito de pós-vida; por outro, afirma (de forma absurda, diga-se de passagem, como uma visita a qualquer livraria pode comprovar) que há uma verdadeira “conspiração do silêncio” impedindo que as pessoas discutam o assunto. Já em certo momento, diretor e roteirista parecem decidir que o centro da narrativa será a forma como a morte (e o que vem depois desta) se torna uma obsessão dos personagens, impedindo-os de viver, mas isto é contradito pelo simples fato de que Marie e Marcus se tornam pessoas melhores e resolvem seus conflitos ao experimentarem contato real com espíritos, ao passo que George obviamente passará a vida lidando com isto (especialmente ao estabelecer certa ligação no novelesco e cafona final da projeção). Como se não bastasse, Eastwood não se define nem mesmo quanto à natureza do pós-vida: afinal, os “espíritos” são seres capazes de interferir fisicamente em nosso mundo (empurrando bonés, por exemplo) ou são criaturas que dependem de médiuns para a comunicação enquanto esperam entediados em uma espécie de limbo monocromático que mais parece uma fila de banco? (Uma das representações mais sem imaginação do pós-morte, diga-se de passagem, e que nem tem a desculpa de ser apenas um “símbolo”, já que em nenhum momento o cineasta indica esta possibilidade.)
Ainda assim, Além da Vida revela, de maneira não intencional, algo curioso sobre seu cineasta: se considerarmos que as únicas pessoas que morrem em cena nesta investigação metafísica de Eastwood são crianças e mulheres – justamente o oposto daquilo representado pelo macho e idoso diretor -, não é absurdo concluir que, de maneira inconsciente, este parece rejeitar a idéia da própria mortalidade a não ser quando esta surge com artificialidade cinematográfica (vide Gran Torino). Com isso, mesmo parecendo disposto a discutir o assunto em um filme, o velho Clint claramente se sente desconfortável diante do tema e da constatação da própria mortalidade, o que não deixa de ser bastante interessante. E totalmente compreensível.
Neste sentido, o longa se torna profundamente autoral não apesar de suas falhas, mas – vejam só como é o Cinema - justamente em função destas.
14 de Janeiro de 2011
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