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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/08/2009 01/01/1970 5 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
147 minuto(s)

Aquele Querido Mês de Agosto
Aquele Querido Mês de Agosto

Dirigido por Miguel Gomes. Com: Sónia Bandeira, Fábio Oliveira, Manuel Soares, Joaquim Carvalho.

 

Aquele Querido Mês de Agosto, inteligentíssima produção portuguesa dirigida por Miguel Gomes, conseguiu uma proeza que eu julgava ser impossível: ultrapassar o belíssimo Tulpan como o melhor filme que vi durante a 32ª. edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Contando com um roteiro complexo e ambicioso que exibe uma carpintaria simplesmente impecável, o longa não apenas é divertidíssimo como ainda se revela um exercício narrativo intrincado que, brincando continuamente com a metalinguagem, funciona como uma homenagem ao próprio Cinema ao ilustrar o cansativo processo de pesquisa envolvido na realização de um filme.

 

Quando a projeção tem início, Aquele Querido Mês de Agosto surge como um documentário rodado em uma pequena cidade portuguesa que parece colher depoimentos aparentemente aleatórios de seus habitantes: há as histórias envolvendo Paulo “Moleiro”, um maluco local cujo trabalho consiste em saltar da principal ponte da cidade durante o Carnaval; explicações sobre a tradicional “Noite dos Colhões”, que envolve uma disputa improvisada através de canções, num estilo similar aos repentes nordestinos; e, claro, as apresentações de vários grupos musicais regionais. Da mesma forma, o diretor Miguel Gomes demonstra grande interesse no comportamento daquelas pessoas, como, por exemplo, ao focar um sujeito que, ao cantar (muito bem) em um karaokê, se diverte com os comentários jocosos dos amigos ou ao ouvir atentamente ao depoimento de um senhor que, ao lado da esposa, basicamente explica que tem dois filhos – e, neste caso, o importante não é o que ele diz, mas sim a forma com que esta informação simples é fornecida, revelando, em poucos minutos, toda a dinâmica do casal.

 

No entanto, por mais divertido e interessante que Aquele Querido Mês de Agosto seja nesta sua primeira hora de projeção, o roteiro se torna realmente fascinante quando percebemos que, na realidade, o cineasta – que surge em cena - está na cidade para rodar uma ficção: a história da vocalista de uma pequena banda que se apaixona pelo primo músico e cujo amor é impedido por um segredo de seu passado. O segredo? Sua mãe foi abduzida por alienígenas (ora, se Indiana Jones pode encontrar extraterrestres, por que a mãe de uma cantora portuguesa não poderia?). Assim, gradualmente passamos a assistir ao filme-dentro-do-filme, ou seja: ao projeto que originalmente teria levado Gomes àquela cidade – e o interessante é que, ao não fazer qualquer distinção no tratamento visual adotado pelas duas linhas narrativas, o diretor confia no discernimento do espectador para diferenciar o que é ficção daquilo que é real (ou eu deveria dizer “real”?).

 

Há algumas indicações, claro: para início de conversa, os “atores” (habitantes locais) contratados por Miguel Gomes para os papéis da cantora, sua melhor amiga e o primo músico surgem extremamente naturais quando estão conversando sobre suas vidas nas seqüências documentais, mas duros e artificiais quando encarnam seus personagens, já que não são profissionais. Curioso, também, é notar o plano em que a vocalista “Tânia” (Sónia Bandeira), começa a rir envergonhada alguns segundos depois de soltar lágrimas de sofrimento pela partida de seu amado – e talvez os espectadores menos atentos (ou que não tenham compreendido completamente a proposta do filme) não percebam que, a partir do momento em que a moça ri, já não estamos mais vendo a ficção interna da narrativa, mas sim voltando ao documentário que abre o longa. E o interessante é que, como não há cortes neste plano, o salto da ficção para a realidade ocorre de maneira fluida, invisível.

 

Mas os jogos narrativos desenvolvidos pelo roteiro kaufmaneano (refiro-me a Charlie Kaufman, obviamente) vão além: em certo instante, durante o primeiro ato documental, o filme discute a existência de um jornal local que leva as notícias da cidadezinha aos seus ex-habitantes que hoje se encontram em vários lugares do mundo – e, assim, quando um desdobramento da ficção interna é publicado naquele mesmo jornal, no terceiro ato, imediatamente compreendemos a implicação do incidente. Em outras palavras: o velho recurso narrativo da pista e recompensa é apresentado de maneira inovadora, trazendo a pista na seqüência de documentário e a recompensa no trecho ficcional. Da mesma maneira, os motoqueiros vistos no início da projeção em um longo plano ressurgem, posteriormente, passando rapidamente pelo casal “Tânia” e “Hélder” – e percebemos que, naquele primeiro momento, Miguel Gomes provavelmente estava selecionando a figuração e testando o movimento de câmera que empregaria durante o passeio dos jovens amantes (e o mesmo se aplica à fusão da conversa entre os não-atores Sónia Bandeira e Fábio Oliveira com um plano que traz uma floresta e que mais tarde será usada como o efeito que buscará retratar “Hélder” salvando o sogro de um incêndio). E não podemos nos esquecer, claro, à maneira como a “Noite dos Colhões” é empregada na narrativa ficcional para criar um momento dramático da história.

 

Escolhido para representar Portugal na corrida ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2009, Aquele Querido Mês de Agosto mantém-se surpreendente (e engraçado) até mesmo durante seus divertidos créditos finais – e confesso que torço, desde já, para que ele consiga ao menos se estabelecer entre os finalistas da premiação. 

31 de Outubro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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