Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
01/01/2010 | 01/01/1970 | 3 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Fábio Barreto. Com: Glória Pires, Rui Ricardo Dias, Juliana Baroni, Cléo Pires, Lucélia Santos, Antônio Pitanga, Milhem Cortaz, Marcos Cesana.
Este não era o momento certo para se lançar uma cinebiografia de Lula. E não porque isso pode ser visto como uma manobra eleitoreira, já que qualquer pessoa com um mínimo de bom senso percebe facilmente que, em vez de beneficiar o Presidente (que, afinal, nem será candidato nas próximas eleições), é o filme que busca explorar a popularidade de seu protagonista com propósitos comerciais. Não, a questão é que uma obra como esta exige distanciamento histórico para ser realizada – afinal, aqueles que abominam a figura de nosso Chefe de Estado por razões políticas já começam a assistir ao filme com profunda antipatia pelo personagem, ao passo que aqueles que com ele simpatizam já o abraçam no primeiro quadro. Com isso, a narrativa em si já enfrenta dificuldades imediatas, mesmo contando a história fabulosa de um moleque pobre do sertão de Pernambuco que conseguiu se tornar um dos mais importantes líderes de seu país – uma trajetória que, convenhamos, é cinematográfica por natureza.
Escrito por Fernando Bonassi, Daniel Tendler e Denise Paraná a partir do livro desta última, Lula, o Filho do Brasil tem início na infância miserável de seu personagem-título, que, sétimo de oito filhos (sem contar aqueles que morreram pequenos), vê o pai partir rumo a São Paulo com a amante e passa a ser criado apenas pela mãe, dona Lindu (Pires). Alguns anos depois, a mulher, mesmo abandonada pelo marido, aceita segui-lo e leva a família para Santos numa viagem absurdamente desgastante num pau-de-arara – e aqui os roteiristas e o cineasta Fábio Barreto cometem seu primeiro grave equívoco ao ilustrarem a viagem de maneira enganosamente passageira e episódica (um enterro na beira da estrada é usado para representar a dureza da jornada), optando, em vez disso, por se concentrarem no simbolismo besta de sua duração, “13 dias e 13 noites”, que surge estampada em um letreiro óbvio que visa estabelecer a importância do número para o protagonista (“13”, afinal, viria a se tornar o número oficial do PT).
Cineasta tremendamente limitado (e acreditem: acho triste ter que escrever isso sobre alguém que se encontra hospitalizado), Barreto cria uma narrativa visualmente desinteressante e expõe toda sua imensa fragilidade como cineasta ao não conseguir, por exemplo, conferir um mínimo de realismo às seqüências que retratam os protestos dos operários em greve, chegando ao ápice da artificialidade ao mostrar um sujeito sendo morto pelos grevistas depois de balear um trabalhador. Da mesma maneira, o diretor apela para o clichê e para a cafonice ao trazer Lula (Dias) e sua primeira esposa se beijando entre lençóis estendidos que flutuam ao redor do casal – algo que, por incrível que pareça, empalidece diante do instante, ainda mais constrangedor, em que o cineasta enfoca outro beijo da dupla enquanto um imenso coração em neon compõe o fundo do quadro.
Infelizmente, Barreto não para por aí: para retratar o acidente que custou um dedo a Lula, o diretor volta a falhar ao permitir, primeiro, que o cansaço deste em função das horas de trabalho seja explicado num diálogo terrivelmente expositivo e, a seguir, ao usar um travelling desajeitado e amador para mostrar a reação de dor do personagem sem ter que enfocar o acidente em si. Aliás, é curioso observar que o diretor não parece nem mesmo avaliar com propriedade o objetivo de cada quadro, já que, ao trazer Lula fechando um acordo com um líder sindical, decide enfocar o reflexo do aperto de mãos no vidro de uma estante – um floreio visual sem significado algum que deve ter sido usado apenas porque Barreto julgou que seria um plano interessante. Ainda assim, isso é bem melhor do que a decisão novelesca de enfocar o protagonista recebendo a notícia da morte de um personagem sem mostrar o rosto do médico que a transmite, usando apenas sua voz sombria e uma trilha excessivamente melodramática. Em contrapartida, o diretor tem alguns poucos bons momentos, como, por exemplo, ao fazer uma transição eficiente entre a foto tirada por Lula quando criança e outra batida quando este é preso ou ao recriar o discurso no estádio, que exigiu que os operários repetissem cada frase para os companheiros que se encontravam mais distantes numa comovente onda de protesto e indignação.
Ainda assim, por mais que Fábio Barreto tropece, Lula é salvo do desastre absoluto pela atuação poderosa e inesquecível de Glória Pires, que, como dona Lindu, cria uma mulher forte e profundamente dedicada aos filhos. Retratando a mãe de Lula ao longo de várias décadas, a atriz envelhece e se fragiliza diante de nossos olhos – e quando ela chora comovida ao testemunhar a formatura do filho como torneiro mecânico, seu orgulho é contagiante e absurdamente tocante. (Aliás, vale apontar que a decisão de escalar Cléo Pires, filha de Glória, como a primeira esposa de Lula é algo que confere um curioso subtexto edípico à relação. Mas divago.) Enquanto isso, o desconhecido Rui Ricardo Dias recebe a tarefa monstruosa de encarnar uma figura com a qual estamos completamente familiarizados, saindo-se admiravelmente bem: estabelecendo com talento algumas das principais características do personagem (como sua emotividade e sua natureza conciliatória), Dias acerta não só nos pequenos momentos (ao ilustrar sua alegria e alívio ao finalmente conseguir um emprego, por exemplo), mas também na caracterização – e gostei particularmente da cuidadosa transformação que faz no timbre e na dicção característicos de Lula, movendo-se gradualmente na direção da voz com a qual já estamos habituados. Já o restante do elenco, infelizmente, pouco pode fazer, já que o roteiro, sem entender que as pessoas que cercam o protagonista são importantes para que possamos compreendê-lo, opta por transformar os irmãos de Lula em mudos sem personalidade – e mesmo criança, Lula é visto como o único que abre a boca para fazer perguntas ou defender a mãe. Como se não bastasse, o bom Milhem Cortaz é obrigado a encarnar o pai do herói como uma caricatura que surge apenas para bater nos filhos e gritar, descontrolado, “Cadê minha cachaça? Cadê minha cana?” e para ser enquadrado por Barreto como uma figura grotesca com álcool escorrendo pelo queixo.
Já do ponto de vista político, o filme é uma nulidade: tentando evitar controvérsias ou talvez exibindo apenas ignorância histórica absoluta, Lula comete até mesmo o pecado de retratar grevistas e repressão como lados praticamente equilibrados, como se a polícia não cometesse atrocidades que superavam, e muito, os atos de vandalismo realizados pelos operários. Além disso, o próprio protagonista é visto como um homem sem qualquer sombra de ideologia, chegando a dizer não ser de “esquerda ou direita” – e, com isso, o longa chega ao final sem oferecer qualquer justificativa para que Lula tenha se tornado um líder tão bem-sucedido. Aliás, confesso ser incapaz de estabelecer uma ligação lógica entre o Lula visto no desfecho da narrativa e aquele que fundaria o PT pouco depois, já que parecem ser duas pessoas completamente diferentes.
Usando ao menos as imagens de arquivo com eficiência, Lula, o Filho do Brasil, mesmo sendo o melhor trabalho de Fábio Barreto (o que não é difícil), é profundamente falho como Cinema e ainda comete o grave equívoco de castrar politicamente seu protagonista. Ainda assim, consegue emocionar e deixar o espectador com um nó na garganta - outra obra bem-sucedida de dona Lindu.
09 de Janeiro de 2010
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