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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
05/12/2008 01/01/1970 3 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
105 minuto(s)

O Silêncio de Lorna
Le Silence de Lorna

Dirigido por Jean-Pierre e Luc Dardenne. Com: Arta Dobroshi, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione, Alban Ukaj, Morgan Marinne, Olivier Gourmet.

 

Lorna (Dobroshi) é uma jovem imigrante albanesa que, naturalizada belga graças ao casamento com Claudy (Renier), encontra-se cansada das experiências do marido com as drogas. Excessivamente dependente da garota, Claudy parece um caso clássico de dependente químico irrecuperável, ao passo que Lorna, chegando em casa depois de um longo dia de trabalho, já não parece mais disposta – compreensivelmente - a aturar suas exigências de atenção e apoio. No entanto, ao discutir a questão com um amigo, a moça ouve a sugestão de forjar uma overdose que a livre do casamento – e só então percebemos que talvez haja mais naquela situação do que notáramos inicialmente.

 

Escrito e dirigido pelos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne, praticantes de um Cinema que se destaca por um interesse constante em observar os personagens de uma forma naturalista (quase neo-realista, pode-se dizer), O Silêncio de Lorna acompanha a personagem-título em sua rotina diária com uma curiosidade inabalável, seguindo-a de casa até o trabalho e em seus encontros com figuras ameaçadoras como Fabio (Rongione), um bandido local que armou seu casamento com Claudy justamente para que ela conseguisse a cidadania belga. O problema é que Fabio agora deseja usar o novo status de Lorna para obter a naturalização de um cliente russo, casando-o com a moça – e, para isso, planeja transformá-la em viúva, aproveitando o vício de Claudy para provocar sua morte.

 

Depois de realizarem duas obras que considero magníficas (O Filho, de 2002, e A Criança, de 2005), os irmãos Dardenne voltam a exibir uma atenção aos detalhes que, somada à mise-en-scène cuidadosa, transforma o espectador numa espécie de voyeur que, com acesso irrestrito à vida da protagonista, surge fascinante e poderosamente onipresente. Observem, por exemplo, como Lorna busca seu celular ao ouvi-lo tocar: se a maioria dos diretores colocaria o aparelho diante da moça para poupar tempo, os belgas optam por fazê-la procurar o telefone na bolsa, num toque que confere verossimilhança ao momento – e, da mesma maneira, é curioso vê-la ligando o celular ao recarregador antes de dormir, demonstrando um cuidado que os personagens de cinema normalmente não precisam ter, já que seus aparelhos aparentemente têm baterias que duram por toda a eternidade (falhando apenas quando isto é necessário do ponto de vista dramático). Além disso, a opção de usar uma trilha sonora diegética, sempre justificada por alguma fonte localizada em cena, mantém a ilusão de realidade (um paradoxo interessante) – e até mesmo o desapego dos Dardenne com relação à suposta importância de seus atores contribui para enriquecer a narrativa, como fica claro no instante em que o excelente ator Olivier Gourmet surge em uma ponta, como um detetive, e permanece quase todo o tempo de costas para o espectador, já que, ao contrário de seu intérprete, o personagem não importa de fato no contexto do longa.

 

Voltando a colaborar com os cineastas depois de sua excelente performance em A Criança, Jérémie Renier surge apropriadamente magro e exausto como Claudy, conseguindo a proeza de humanizar um personagem que, em mãos menos talentosas, se tornaria apenas irritante. Porém, o grande destaque do filme é mesmo a atriz albanesa Arta Dobroshi, que aprendeu francês justamente para protagonizar este projeto – o que, por si só, já cria uma imensa aproximação com a história de sua personagem. Discreta, mas sem jamais perder a intensidade, Dobroshi (que lembra bastante a Ellen Page de MeninaMá.com) é hábil ao retratar a angústia de Lorna diante das ações do inescrupuloso Fabio, indicando que seu envolvimento inicial com o esquema armado pelo sujeito surgiu de sua necessidade de tornar-se belga (ou melhor: de fugir de Kosovo), não de um caráter essencialmente falho. Neste sentido, é tocante testemunhar a alegria quase infantil da moça ao visitar o local que abrigará seu sonho humilde: uma lanchonete que pretende administrar ao lado do namorado.

 

Infelizmente, se O Silêncio de Lorna fascina por sua abordagem narrativa realista, o frágil roteiro dos Dardenne acaba comprometendo o resultado final. Em primeiro lugar, é difícil, para o espectador, aceitar que a protagonista tomaria determinada atitude com relação a Claudy (numa bela cena de total entrega de Dobroshi), já que o momento surge de maneira abrupta e pouco convincente, representando uma ação que não encontra respaldo emocional nas ações prévias da moça. Porém, se isto poderia ser justificado pela complexidade psicológica de Lorna, o mesmo não pode ser dito com relação ao principal elemento da trama: os planos ilegais de Fabio, que, afinal, movem a narrativa. Por que, por exemplo, ele arriscaria ser investigado ao insistir que a protagonista, recentemente naturalizada, se casasse com o russo? Não seria mais natural (e fácil) contratar uma mulher nascida na Bélgica, assim como fizera com Claudy? E como ele pode alegar que “soaria estranho” que Lorna voltasse a se casar duas semanas após um divórcio e não perceber que ainda mais “estranho” seria um casamento tão próximo à morte do “marido” da garota?

 

Mas não é só. Talvez o problema mais grave de O Silêncio de Lorna resida numa elipse completamente equivocada que, ocorrendo logo após a cena em que vemos Claudy se afastar em uma bicicleta, nega ao espectador a chance de testemunhar não só um acontecimento importante, mas também a reação de Lorna diante deste. Uma coisa é não querer se render ao melodrama – e a dupla de cineastas merece créditos por evitar isto -; outra é dar um tiro no próprio pé ao não reconhecer a força que determinado incidente poderia ter mesmo ao ser retratado de maneira direta e nada sensacionalista.

 

Surpreendendo ao ilustrar como Lorna processa sua própria culpa de maneira particularmente interessante em busca de uma difícil redenção, o longa lamentavelmente acaba concluindo seu ato final de maneira frouxa e, mais uma vez, frustrante. Um desfecho em aberto pode, sem dúvida alguma, elevar um filme a outra dimensão, mas nunca quando isto parece apenas indicar que os cineastas simplesmente não sabiam como concluir sua história – e, infelizmente, esta é a impressão que O Silêncio de Lorna provoca no espectador enquanto seus créditos finais percorrem a tela. 

10 de Novembro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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