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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
04/03/2011 01/01/1970 5 / 5 4 / 5
Distribuidora

Rango
Rango

Dirigido por Gore Verbinski. Com as vozes de Johnny Depp, Bill Nighy, Ned Beatty, Isla Fisher, Abigail Breslin, Alfred Molina, Stephen Root, Harry Dean Stanton, Timothy Olyphant, Ray Winstone, Ian Abercrombie, Charles Fleischer, Beth Grant.

Gore Verbinski é um dos cineastas mais subestimados da atualidade. Responsável por oito longas-metragens ao longo de sua carreira, ele dirigiu apenas um que poderia ser considerado medíocre (A Mexicana), ao passo que todos os seus esforços restantes não só revelam um realizador tecnicamente competente, mas também capaz de navegar com facilidade entre gêneros diferentes, alterando seu estilo de acordo com a necessidade de cada projeto, desde o delicioso O Ratinho Encrenqueiro até a divertida série Piratas do Caribe, passando pelo tenso O Chamado, o tocante estudo de personagem O Sol de Cada Manhã e chegando neste Rango, no qual mergulha no universo da animação de forma ambiciosa ao conceber um western que simultaneamente homenageia e subverte este já tão explorado gênero – e conseguindo, no processo, divertir o público mais jovem ao mesmo tempo em que envolve os adultos através de uma história repleta de subtemas complexos e intrigantes.

Acompanhando o camaleão-título desde o seu terrário até uma pequena cidade atormentada pela falta de água, o roteiro de John Logan marca também a primeira incursão da Industrial Light & Magic de George Lucas na produção de longas de animação computadorizada, apresentando ao mercado uma companhia tecnicamente capaz de rivalizar com a Pixar, a PDI/DreamWorks e a Blue Sky Studios – com a diferença que, aqui, a IL&M usou uma técnica batizada de emotion capture, que se preocupa em capturar não necessariamente os movimentos dos atores, mas suas composições de personagem através da encenação de cada passagem do roteiro (com direito a objetos de cena) durante o processo de gravação de suas vozes.

Com um preciosismo técnico que nada deixa a dever à infalível Pixar, Rango cria uma galeria de personagens fascinantes, transformando os roedores, répteis e anfíbios de sua narrativa em criaturas com rostos marcados e marcantes que conseguem evocar com perfeição os tipos físicos tão característicos do gênero, desde as prostitutas do saloon até os fazendeiros oprimidos, passando pelos pistoleiros ameaçadores, o índio sábio, a mocinha corajosa e o bizarro agente funerário. Aliás, basta olhar para aqueles animaizinhos desdentados e de pele ressecada e suja para perceber o sofrimento constante no qual vivem – o que não impede, claro, que os realizadores também criem criaturas mais engraçadinhas como a filhotinha de olhos grandes e doces cuja inocência se contrapõe às suas armas mantidas a tiracolo ou a raposa que, secretária do prefeito, se mostra vaidosa ao usar a própria cauda como estola.

O que nos traz, claro, ao protagonista: depois de toda uma existência de solidão que o obrigou a desenvolver uma vívida imaginação e uma intensa vida interior ilustradas de forma evocativa em sua primeira cena, Rango é um camaleão que constantemente contorna a própria covardia ao se forçar a manter-se fiel ao papel que decidiu interpretar. Usado com talento pelos animadores em várias seqüências que dependem da comédia física para funcionar, ele é uma combinação improvável de Clint Eastwood e Buster Keaton, remetendo também a Jerry Lewis na cena em que, apavorado, tenta limpar a bagunça que fez no rosto de um bandido (uma gag clássica de Lewis imortalizada, por exemplo, em seu encontro com George Raft em O Terror das Mulheres).

Aliás, embora seja repleto de referências a momentos emblemáticos do Cinema, Rango se diferencia das produções da DreamWorks (Shrek e cia), por exemplo, ao se esforçar para usá-las de forma orgânica e não apenas para fazer piadas fáceis que provem sua cultura pop. Assim, enquanto Shrek para Sempre se desviava da história apenas para fazer uma piada com Amargo Pesadelo, este filme de Verbinski traz as referências para dentro da trama – como ao mostrar rapidamente um animal que caminha como John Wayne, ao usar os vocais da seqüência-título de Arizona Nunca Mais, ao trazer uma ponta de Hunter S. Thompson (lembrem-se de que Johnny Depp fez Medo e Delírio) ou conceber o prefeito como uma versão de John Huston em Chinatown e o pistoleiro Jake Cascavel como um primo de Lee Van Cleef em O Bom, O Mau e o Feio. Além disso, em vários momentos Rango combina duas ou mais referências em uma só, como na cena aérea no cânion que, trazendo a Valsa das Valquírias em uma versão banjo, ao mesmo tempo brinca com os helicópteros de Apocalypse Now e com o ataque final à Estrela da Morte de Uma Nova Esperança.

Mas é claro que é mesmo o próprio gênero western (e seu irmão italiano, o western spaghetti) que se torna o principal homenageado da produção: a belíssima trilha de Hans Zimmer, por exemplo, faz constantes referências aos temas clássicos de Ennio Morricone, ao passo que seqüências típicas do faroeste dão as caras aqui, como lutas sobre carruagens em movimento, duelos na rua principal de cidadezinhas hostis e brigas em saloons. Além disso, Verbinski se inspira claramente em Sergio Leone ao construir sua narrativa através de closes fechadíssimos nos rostos surrados de seus personagens (muitas vezes trazendo apenas partes de suas faces) e ângulos que ressaltam a natureza grandiosa, mítica, daquelas criaturas – e até o CinemaScope tão bem utilizado por Leone é empregado com competência pelo norte-americano. Para finalizar, um dos maiores ícones do gênero surge de forma surpreendente no terceiro ato, assumindo um personagem cujo “nome” (ou melhor: função) resume perfeitamente sua importância para o western.

Beneficiado pela consultoria do magnífico Roger Deakins (que vem se tornando um especialista em faroestes) na concepção de sua fotografia, Rango é visualmente espetacular, oferecendo paisagens que vão do extremo rubro do céu no fim de tarde à superexposição que ressalta a secura e o calor de um universo dominado pela sede, passando por momentos mais sutis como aquele no qual o personagem-título conta um caso no saloon enquanto a luz que entra pelas frestas das paredes rachadas se converte em um verdadeiro holofote sobre ele. Da mesma forma, o fantástico design de produção constrói com eficiência a miserável cidade que serve de palco para a narrativa e cujo nome, Poeira, faz jus à secura de seu cotidiano – e é particularmente interessante perceber como o lugarejo parece ter sido improvisado através da utilização de objetos como galões de gasolina, embalagens vazias e madeira podre. Como se não bastasse, o design de som do longa jamais deixa de impressionar, seja nas seqüências mais complexas como a perseguição no cânion ou em outras mais intimistas como aquela em que Rango entra pela primeira vez no saloon e é recebido apenas pelo rangido do velho ventilador.

Com uma montagem que se equilibra bem entre a ação desenfreada e o desenvolvimento dos personagens, Rango ainda é repleto de momentos que surgem poéticos de tão evocativos, como o que traz a areia escorrendo como lágrima por uma duna ou aquele em que o herói atravessa uma estrada à noite num impulso autodestrutivo. Da mesma forma, Gore Verbinski prova ter feito o dever de casa ao conceber o duelo final com precisão, cortando para detalhes significativos como o relógio da torre, os rostos amedrontados dos cidadãos de Poeira nas janelas dos prédios e o silêncio opressivo que parece indicar que até o vento parou de soprar em função da tensão.

Divertido também graças a elementos como o coro grego de mariachis fatalistas ou gags visuais como a lápide que indica a curta vida do antigo xerife ("Terça a Quinta-feira"), Rango ainda se encerra com créditos finais vibrantes e envolventes, mantendo-se como uma experiência ímpar até o derradeiro segundo e estabelecendo-se desde já como um dos melhores filmes do ano.

Observação: a dublagem brasileira, ao contrário do que aconteceu com o recente Enrolados, está impecável. Trabalhar com profissionais é outra coisa.

06 de Março de 2011

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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