Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
08/10/2010 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por José Padilha. Com: Wagner Moura, Irandhir Santos, André Ramiro, Milhem Cortaz, Seu Jorge, Tainá Müller, André Mattos, Bruno D’Elia, Maria Ribeiro, Pedro Van Held, Sandro Rocha.
Embora Tropa de Elite seja um filme inegavelmente eficiente, há algo mais por trás de seu sucesso e do verdadeiro modismo que inspirou através das repetições de vários de seus diálogos: estabelecendo o capitão Nascimento como um ícone da luta contra o crime (algo que comentei em meu texto sobre o longa ao lamentar a percepção equivocada que muitos tiveram acerca do personagem ao encará-lo como “heróico”), aquela obra de José Padilha tocou num nervo exposto da sociedade brasileira, que, farta de viver sob o medo constante diante dos criminosos, encarou as ações violentas de Nascimento de forma quase catártica, como um símbolo da reação do “bem” contra o “mal”. Neste sentido, o plano final de Tropa de Elite servia, como argumentei na época, como um espelho erguido diante do espectador, que era obrigado a avaliar seus próprios sentimentos acerca da execução a sangue frio do traficante Baiano.
Pois Tropa de Elite 2 traz o agora coronel Nascimento (Moura) enfrentando, como aponta o subtítulo do projeto, um outro inimigo – e que igualmente pressiona outro nervo do brasileiro: a política. Depois de comandar uma operação mal sucedida em Bangu I que resulta num massacre, Nascimento se torna um problema para o governador do Rio de Janeiro: por um lado, é exonerado para aplacar a mídia; por outro, é promovido a subsecretário de segurança para respeitar a vontade de uma elite estúpida que, formadora de opinião e lixando-se para os direitos humanos alheios, aplaude de pé (literalmente, como revela a cena no restaurante) as atitudes do sujeito. Depois de aparelhar o BOPE e transformá-lo numa verdadeira máquina de guerra, o coronel interrompe o tráfico na cidade, mas, sem saber, propicia a ascensão de uma milícia nascida dentro da PM que, explorando o vácuo de poder, aterroriza as favelas para extorquir seus habitantes, transformando-as também em autênticos currais eleitorais. Sem perceber o que está acontecendo, Nascimento se vê atormentado por problemas pessoais e pela pressão exercida por um político de esquerda, o deputado Fraga (Santos), cuja visão idealista acerca dos direitos humanos freqüentemente gera embaraços para a polícia.
Escrito por Bráulio Mantovani, parceiro do diretor e co-roteirista José Padilha desde Ônibus 174, esta continuação pinta um retrato complexo das relações entre a política, o crime, a polícia e a imprensa, resultando num roteiro inteligente e multifacetado que sugere novos cenários para a realidade brasileira (como a quebra do tráfico) e as possíveis conseqüências destas hipóteses. Aliás, a dupla não esquece nem mesmo de incluir a inevitável figura do apresentador de TV que, arrotando auto-importância e indignação diante das câmeras, jamais se esquece de colher todos os frutos que sua raiva teatral lhe rende nos planos políticos e financeiros.
Mantendo-se a mesma criatura cruel e sanguinária que conhecemos anteriormente, o coronel Nascimento desta vez tem sua natureza implacável exposta de forma mais óbvia por Padilha, que, talvez em função da controvérsia gerada pelo original (que levou muitos comentaristas desatentos a classificarem o diretor do incrivelmente humano Ônibus 174 como “fascista”), deixa clara a culpa do BOPE na ação desastrada que abre o filme – e mesmo que o protagonista insista em se referir a Fraga como “intelectualzinho de esquerda”, a revolta do deputado diante da matança promovida pelos homens de Nascimento é retratada com paixão e integridade por seu intérprete e encarada com respeito pelo longa. Em contrapartida, sempre através da mesma narração em off que o humanizou no original (e sem a qual, escrevi na ocasião, ele seria visto pelo público como um monstro), Nascimento apresenta suas motivações e seu senso de justiça de forma articulada, apresentando-se para o espectador como um homem complexo que pode até não gostar de agir com violência, mas acredita honestamente ser obrigado a abraçá-la em prol da sociedade que é pago para defender – uma filosofia de trabalho que seu antigo aprendiz, o agora capitão Mathias (Ramiro), passou a seguir com vigor.
Neste aspecto, a pergunta que Tropa de Elite 2 insiste apropriadamente em apresentar é: afinal, figuras como Nascimento e Mathias são um mal necessário? Sim, vivemos numa guerra interminável – como provam os arrastões que ocorreram no Rio de Janeiro na última semana e as ações cada vez mais audaciosas dos bandidos em São Paulo -, mas a escalada da violência promovida pela polícia seria algo construtivo (resposta: violência, por definição, nunca é algo construtivo) ou apenas serviria para piorar o quadro geral? Se somarmos a isto a inoperância do Estado e os interesses obscuros da mídia (em certo momento da projeção, um jornal se recusa a publicar uma matéria para não prejudicar o governo “parceiro”), a impressão final é a de que estamos realmente nas mãos de indivíduos incapazes e/ou corrompidos até a alma que se preocupam apenas com seus próprios e imediatos objetivos. Porém, como também defende o roteiro – e com maturidade -, a solução não reside numa revolta adolescente do tipo “Nenhum político presta! Vamos votar no Tiririca!”, já que, queiramos ou não, a solução final (sem trocadilhos nazistas) passa inevitavelmente pela política. E que há bons quadros merecedores de nossos votos e dispostos a lutar pelos interesses da população não restam dúvidas – basta buscarmos informações confiáveis antes de nos colocarmos diante da urna eletrônica.
Esta é uma lição, aliás, que o próprio protagonista eventualmente parece aprender em Tropa de Elite 2, o que talvez se estabeleça como seu grande arco dramático. Vivido com imponência por Wagner Moura, que não só incorpora a segurança absoluta do personagem como também retrata perfeitamente seu envelhecimento gradual (observem seu encurvamento e o óbvio cansaço que passa a demonstrar a partir de certo momento), o coronel Nascimento é um sujeito que reconhece as dificuldades de seu trabalho e os sacrifícios feitos em nome deste – e mesmo que queira, por exemplo, retomar a proximidade com o filho, sua própria natureza vai de encontro a gestos mais intimistas, o que resulta numa cena reveladora na qual, buscando contato com o filho, desafia-o para uma luta de jiu-jitsu que acaba servindo como substituta dos abraços e beijos que ele, embora não consiga, gostaria de dar no garoto. Enquanto isso, Irandhir Santos atua como contraponto ao coronel em todos os sentidos, já que, além de abominar a violência, o deputado Fraga é um sujeito que claramente não vê problemas em se entregar a arroubos emocionais e que mesmo visivelmente apaixonado por si mesmo (e pelo que julga representar) é o que o filme oferece de mais próximo a uma bússola moral em sua narrativa. Aliás, seria perfeitamente possível dedicar vários parágrafos ao impecável elenco da produção, que, preparado por Fátima Toledo, constrói uma galeria de personagens complexos e multifacetados que honram a arquitetura do roteiro.
Mais uma vez comprovando seu imenso talento para conduzir seqüências de ação, José Padilha mantém a narrativa sempre fluida e confere imensa energia e uma tensão palpável aos confrontos físicos e verbais entre os personagens, sendo auxiliado na tarefa pela fotografia do ótimo Lula Carvalho, que traz realismo e urgência à narrativa, e pelo excepcional montador Daniel Rezende, que aqui também assume a direção de segunda unidade do longa. Da mesma maneira, o design de som mais uma vez merece destaque ao evocar toda a intensidade dos combates armados, ao passo que a trilha instrumental de Pedro Bromfman ajuda a estabelecer a atmosfera tensa sem recair em clichês.
Contando com sua parcela de frases marcantes que certamente serão repetidas à exaustão pelos fãs do filme (minha favorita é a cínica “Vamos dar saco de bombom pros vagabundos!”), Tropa de Elite 2 talvez demonstre a coragem e a integridade dos realizadores na abordagem de uma questão tão complicada ao colocar nos lábios do coronel Nascimento uma fala breve, mas capaz de despertar uma polêmica infindável que merece, no entanto, ganhar as ruas: “A PM do Rio tem que acabar”. Se este é um diagnóstico apropriado, uma alternativa viável ou mesmo uma peça da solução (e vale lembrar sempre que um dos responsáveis pelo projeto e pelo argumento é o ex-BOPE Rodrigo Pimentel), é algo que só poderemos concluir através de um amplo debate, mas o fato de trazer uma afirmativa como esta em seu clímax é a prova suficiente de que, embora continuação de uma produção de sucesso, o filme tem aspirações muito mais nobres do que apenas arrancar mais alguns trocados do público – e, só por esta razão, já mereceria respeito.
O fato de ser também um ótimo trabalho é um bem-vindo bônus.
09 de Outubro de 2010
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