Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/04/2008 | 01/01/1970 | 2 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
97 minuto(s) |
Dirigido por Rodrigo Plá. Com: Daniel Tovar, Alan Chávez, Daniel Giménez Cacho, Carlos Bardem, Mario Zaragoza, Marina de Tavira, Maribel Verdú.
Há uma similaridade curiosa entre as introduções de Zona do Crime, produção mexicana dirigida por Rodrigo Plá, e o clássico cult Veludo Azul, realizado por David Lynch em 1986: depois de se deterem na aparência superficialmente paradisíaca de um recorte da sociedade (um elegante condomínio fechado e um confortável subúrbio norte-americano, respectivamente), ambos os filmes logo revelam um incômodo contraste entre aquela fachada e o que realmente há por trás (ou por baixo) daquele mundo. Porém, enquanto Lynch revelava a perversão e o falso moralismo dos norte-americanos, aqui Plá busca chocar com a brutal desigualdade econômica entre a minoria dominante e rica e a maioria miserável que estabelece a dinâmica social dos países do Terceiro Mundo.
Co-escrito pelo diretor ao lado de Laura Santullo (autora do conto original), Zona do Crime é ambientado num imenso e sofisticado condomínio fechado habitado por ricaços mexicanos que, durante certa noite de chuva, tem parte de seu muro derrubado por um outdoor e é invadido por três jovens assaltantes que residem na favela situada ali ao lado. Depois de matarem a dona da primeira casa que tentam roubar, eles passam a ser perseguidos pelos demais condôminos, que decidem fazer justiça com as próprias mãos, chegando a mentir para a polícia a fim de se verem livres para caçar Miguel (Chávez), o único bandido que permanece vivo. Sem ter como sair do condomínio, o rapaz se esconde no porão da casa do adolescente Alejandro (Tovar), que decide tentar salvar sua vida.
A princípio, pode parecer estranho que os obviamente abastados residentes de “La Zona” (como o condomínio é conhecido por todos) possam ter tamanha autonomia em relação à polícia local – e o filme leva algum tempo para ilustrar para o espectador que aquele é um local com regras e leis próprias, funcionando quase como um território estrangeiro dentro do país. Aos poucos, porém, a lógica que rege a narrativa vai se tornando clara e percebemos que Zona do Crime se entrega à alegoria no intuito de fazer sua crítica social, tornando-se mais e mais óbvio à medida que retrata as dissidências em seu microcosmos e os métodos repressores que passam a ser adotados pelos “governantes” diante de seus opositores (o que leva a um interessante momento em que o telefone de um residente é confiscado, transformando-o num prisioneiro dentro de seu próprio lar e cerceando sua liberdade de expressão). Da mesma forma, a brutalidade dos mini-ditadores, que manipulam informações, ocultam cadáveres e impõem o toque de recolher acaba compondo uma distopia que remete diretamente à história recente de tantos países da América Latina (incluindo-se, aí, o Brasil).
E é neste ponto que Zona do Crime começa a falhar miseravelmente, sacrificando o que poderia se tornar um forte comentário político em função da absoluta falta de sutileza com que desenvolve a narrativa. Não há, aqui, espaço para complexidade: os ricos são corruptos e arrogantes, os miseráveis se mostram nobres mas amedrontados (com exceção dos três assaltantes) e a polícia se submete à vontade da classe dominante em troca de favores ou dinheiro – e os poucos tiras honestos (neste caso, apenas um) são rapidamente subjugados por seus superiores. Além disso, os discursos dos personagens são repletos de simplificações, como no instante em que um senhor mais idoso lamenta ter baleado a pessoa errada e proclama, resumindo o ponto de vista dos roteiristas: “Eu nunca deveria ter possuído uma arma!”.
Seguindo os passos do roteiro, a fotografia de Emiliano Villanueva e o design de produção de Antonio Muño-Hierro investem em simbolismos unidimensionais: assim, vemos os jovens riquinhos caminhando com seus casacos intensamente vermelhos pela encosta esverdeada do campo de golfe de “La Zona” enquanto, ao fundo, a favela acinzentada em sem vida termina de compor o quadro. Da mesma forma, o casarão do idoso em crise de consciência surge praticamente em preto-e-branco (com móveis igualmente sem cores), salientando sua discordância com relação às ações dos vizinhos e seu compasso moral “antiquado”.
Mas Zona do Crime atinge mesmo o fundo do poço em seu desfecho moralista que, num tom ofensivamente condescendente, representa o amadurecimento do protagonista ao mostrá-lo compartilhando a comida e a bebida da massa empobrecida, como se descer temporariamente de seu pedestal de luxo e pisar na lama da miséria fosse o bastante para superar toda a distância entre sua vida de luxo (à qual sem dúvida retornará em breve) e o cotidiano desgraçado de quem nunca viverá em “La Zona”.