Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
09/05/2008 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Usina Digital | |||
Duração do filme | |||
96 minuto(s) |
Dirigido por Armando Mendz, Cristiano Abud, Cris Azzi, Guilherme Fiúza, Lucas Gontijo e Thales Bahia. Com: Jece Valadão, Leonardo Medeiros, Cynthia Falabella, Gero Camilo, Nivaldo Pedrosa, Cláudio Jaborandy, Murilo Grossi, Luiz Arthur, Inês Peixoto, Carlos Magno Ribeiro, Adilson Maghá, Raquel Medeiros, Jorge Emil.
Desde que Edmund Goulding realizou Grande Hotel, em 1932, o Cinema vem explorando o recurso das múltiplas narrativas paralelas, que permite que um cineasta desenvolva, em único filme, diversos personagens cujas trajetórias são alteradas através do simples (e aparentemente aleatório) entrecruzamento de ações ou indivíduos. Normalmente utilizado para ilustrar os efeitos imprevisíveis que nossas mínimas atitudes podem ter sobre as vidas de completos desconhecidos, este tipo de narrativa fragmentada já foi adotado com brilhantismo por cineastas tão díspares quanto Steven Soderbergh (Traffic), Richard Curtis (Simplesmente Amor), Quentin Tarantino (Pulp Fiction), Paul Haggis (Crash), Rodrigo Garcia (Questão de Vida), Lawrence Kasdan (Grand Canyon) e Alejandre González Iñárritu (Amores Brutos), além de se tornar praticamente marca registrada dos geniais Robert Altman e Paul Thomas Anderson – e neste 5 Frações de uma Quase História é empregado por seis cineastas mineiros para retratar pequenos dramas e frustrações de um grupo de habitantes de Belo Horizonte.
Escrito por Cristiano Abud, o roteiro traz cinco breves histórias: na primeira, conhecemos um fotógrafo (Medeiros) cuja obsessão por pés vem destruindo seu relacionamento; na segunda, acompanhamos os estranhos delírios de um sujeito (Arthur) que se mantém fixado ao que surge em seu aparelho de televisão; na terceira, testemunhamos a horrenda proposta feita por um rico juiz (Valadão) ao seu fracassado subalterno (Pedrosa; na quarta, somos apresentados a um magarefe (Jaborandy) que descobre estar sendo traído pela esposa; e, finalmente, a quinta segue a atitude absurda de uma secretária (Falabella) que, farta da solidão, decide obrigar um mulherengo (Grossi) a se tornar seu marido.
Dirigido por Abud, o episódio Título Provisório é, também o mais consistente do longa: rodado num preto-e-branco que remete às fotografias tiradas pelo protagonista, ele retrata com eficiência a obsessão de um homem que, vivido com intensidade por Leonardo Medeiros, é completamente dominado por seu fetiche, extraindo um prazer absurdo dos pés femininos – e não é à toa que, para ele, uma prosaica sapataria assume características simultâneas de sex shop e boate de striptease. Porém, o mais interessante na abordagem de Abud diz respeito à maneira com que a câmera passa a dividir a obsessão do personagem, mantendo-se sempre posicionada de forma a capturar em detalhes os pés dos atores. Além disso, a conclusão do segmento é apropriadamente irônica ao ilustrar as infinitas possibilidades representadas por todo tipo de fetiche, permitindo que o fotógrafo, ao concentrar-se temporariamente em partes específicas do corpo feminino, mantenha-se eternamente excitado por suas descobertas sem que, com isso, se torne enfadado pela monotonia do “todo” representado por um relacionamento convencional.
Já Qualquer Vôo, episódio comandado por Cris Azzi, adota uma abordagem bem mais fragmentada e experimental, empregando com inteligência os cortes secos e as breves elipses como forma de ilustrar a instabilidade psíquica de um indivíduo que, assim como as constantes mudanças de canais na televisão, parece flutuar instantaneamente no espaço e no tempo entre seus delírios. E se em Título Provisório o protagonista se via obcecado por pés, aqui é um rosto específico (o da atriz Inês Peixoto) que parece mover o homem vivido por Luiz Arthur durante suas viagens mentais. Hábil ao retratar, sem diálogos, a falta de conexão de seu personagem com o mundo real, o ator mantém o olhar sempre distante – mesmo nos momentos em que supostamente se conecta a alguém, como durante a transa no carro. E aqui, mais uma vez, é o desfecho que amarra o tema da narrativa ao explicitar a busca daquele sujeito por qualquer divagação que o mantenha afastado de sua triste e patética realidade.
Aliás, esta realidade nada glamourosa é experimentada também pelo pobre Akim, encarnado com ar de trágica resignação por Nivaldo Pedrosa em A Liberdade de Akim, dirigido por Armando Mendz. Mergulhado em sombras que o mantêm numa atmosfera de constante ameaça, o episódio já inicia de maneira irônica ao prenunciar, através de uma violenta animação (que me fez lembrar do “Comichão e Coçadinha” de Os Simpsons), eventos futuros de sua trama. Trazendo também a ótima atuação de Jece Valadão (em seu último trabalho no Cinema), o segmento logo transporta o humilde personagem de Pedrosa a um mundo de sensualidade barata que, apesar de beirar o patético, representa para o sujeito uma tentação quase irresistível, levando-o a considerar com interesse a perigosa proposta de seu patrão – o que culmina num inteligente jogo de câmera através do qual Mendz, numa sucessão de rápidas panorâmicas, alterna sua narrativa entre a realidade e uma versão adulterada dos fatos.
Infelizmente, esta eficaz brincadeira de linguagem cede lugar ao episódio mais frágil do longa – algo que já era de se esperar, já que a maior parte das antologias costuma trazer uma parte que, por um motivo ou outro, não faz jus às demais. No caso de 5 Frações, a “honra” cabe a O Magarefe, de Lucas Gontijo e Thales Bahia, que, apesar de dirigido com energia e ilustrar bem a angústia de um homem que se vê traído pela esposa, acaba falhando por não alcançar uma resolução que justifique a trajetória do protagonista. Sim, a explosão de violência e culpa experimentada por Antônio (Jaborandy, eficiente) é intensa, mas a trama perde o foco após a atitude brutal do sujeito, arrastando-se de maneira desinteressante até o final frouxo que surge como um decepcionante anti-clímax.
Por sorte (ou nem tanto, já que a escolha é obviamente intencional), o filme se encerra com o divertido ZYR 145, de Guilherme Fiúza, que também serve como ponto comum entre as demais narrativas – mesmo que de maneira artificial e, sejamos honestos, completamente dispensável, já que elas acabam não influenciando de fato umas às outras. Único a exibir claros propósitos cômicos, o episódio é beneficiado pela divertida atuação de Murilo Grossi, que cria um tipo mulherengo cujo arsenal de chavões inclui cantadas baratas como “Você é modelo?” e o constante uso da expressão “gatinha”. Enquanto isso, Cynthia Falabella confere grande vulnerabilidade emocional à sua personagem, o que é importante para mantê-la próxima do espectador mesmo depois que descobrimos o grau de instabilidade psicológica que a atormenta. Além disso, este fragmento acaba ganhando dimensões de comentário social ao ilustrar, também, a facilidade com que o ser humano transforma as maiores tragédias em um verdadeiro espetáculo circense de horrores – e ver a multidão se divertindo com as ações da personagem de Falabella remete às imagens grotescas, vistas nas últimas semanas, da multidão ensandecida amontoada diante da delegacia na qual o casal Nardoni, acusado de matar uma garota de cinco anos, prestava depoimento.
Empregando uma montagem dinâmica que cria boas transições entre os episódios (observem como a cena que traz Jaborandy vomitando no banheiro cede lugar à descarga disparada por Arthur em outro segmento), 5 Frações de uma Quase História é uma experiência bem sucedida que, mesmo com um ou outro momento mais irregular, merece fartos elogios por retratar aspectos universais da condição humana, como a angústia, a solidão, o sentimento de desajuste e a decepção que apenas as pessoas que mais amamos podem nos fazer experimentar.
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