Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
22/01/2010 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
108 minuto(s) |
Dirigido por Jason Reitman. Com: George Clooney, Vera Farmiga, Anna Kendrick, Jason Bateman, Melanie Lynskey, J.K. Simmons, Danny McBride, Zach Galifianakis, Sam Elliott, Amy Morton.
Empresas falidas, escritórios vazios, divisórias derrubadas e cadeiras amontoadas em salas abandonadas: este é o retrato de um país dominado pela recessão que Amor Sem Escalas pinta de maneira sóbria e apropriada. Girando em torno de um sujeito cujo trabalho envolve demitir empregados de companhias cujos executivos não têm coragem de fazer o serviço sujo, o longa chega a usar não-atores, pessoas comuns demitidas recentemente, nos papéis daqueles que aqui recebem a perturbadora notícia dos lábios do personagem vivido por George Clooney, um homem que, voando de um lado a outro do país para cumprir esta terrível função, já não se enxerga como alguém que tenha um lar ou mesmo familiares que o prendam a um lugar específico.
Baseado no livro de Walter Kim, o roteiro escrito por Sheldon Turner e pelo diretor Jason Reitman estabelece Ryan Bingham (Clooney) como um profissional que enxerga o aeroporto com uma familiaridade atípica, já que passa boa parte do ano em aviões. Apreciador da vida de nômade, ele chega a dar palestras sobre as vantagens de se libertar não só de posses que nos ancorem a um lar como também de qualquer tipo de relação pessoal que possa restringir nossos movimentos. Assim, quando seu chefe (Bateman) aceita a sugestão da jovem Natalie (Kendrick) de adotar um sistema de teleconferências para que as demissões possam ser comunicadas à distância, Ryan obviamente se coloca contra a novidade, ficando ainda mais contrariado quando é obrigado a levar a moça em suas viagens seguintes para que ela aprenda mais sobre suas técnicas. Como se não bastasse, ele se sente pressionado a comparecer ao casamento da irmã caçula e se envolve com uma executiva que também passa boa parte do tempo em aeroportos (Farmiga).
Terceiro longa-metragem de Jason Reitman (filho de Ivan), Amor Sem Escalas também é seu mais consistente trabalho, superando facilmente o fraco Obrigado por Fumar e o bom (mas superestimado) Juno: já no início, por exemplo, o cineasta ilustra com economia a familiaridade do protagonista com as viagens ao realizar uma pequena montagem que traz o sujeito preparando sua bagagem com gestos precisos que lembram (algo também sugerido pelos efeitos sonoros) os rápidos movimentos de um especialista em artes marciais – e, da mesma maneira, Reitman é inteligente ao estabelecer o início do arco dramático vivido por Bingham através da quebra desta rotina quando o executivo não consegue encaixar algo na mala e é obrigado a deixar parte do objeto surgindo deselegantemente da bagagem de mão. Este objeto, aliás, é uma ampliação da foto de sua irmã, o que, simbolicamente, faz um imenso sentido, já que, para o (anti?)herói do filme, a família não passa de um conceito bidimensional, frágil.
Pois o fato é que, para Bingham, a lealdade maior é oferecida não aos parentes, mas às empresas que o acompanham em suas viagens: não é à toa, por exemplo, que ele exibe com orgulho os vários cartões de fidelidade guardados em sua carteira e que, substituindo as tradicionais fotos de família, ilustram o que realmente importa para o personagem. De forma similar, é mais do que apropriado que ele passe tanto tempo dentro de aviões, já que se há algo que definitivamente lhe falta são raízes – e quando finalmente o vemos ao lado das duas irmãs, Reitman volta a acertar ao enquadrá-los num meio primeiro plano que, durando um bom tempo sem corte algum, apenas ressalta a falta de intimidade e o desconforto das mulheres diante daquele que, para todos os efeitos, se tornou um perfeito desconhecido.
Sempre carismático e cada vez mais remetendo à ironia divertida e elegante de Cary Grant, George Clooney encarna Ryan Bingham como um autêntico vendedor, um homem capaz de convencer as pessoas que demite de que aquela é, na realidade, uma oportunidade única em suas vidas. Seguro e cada vez mais confiante em sua persona cinematográfica, Clooney acerta também ao oferecer ao espectador um leve indício de melancolia ao perceber como se tornou insignificante para a família – algo que constata ao perceber como as fotos que tirou para a irmã são um minúsculo pedaço do mapa de relações que ela exibe no jantar antes do casamento. Além disso, o ator demonstra inteligência ao jamais se entregar à tentação de mostrar qualquer indício de dúvida com relação à moralidade da profissão de seu personagem, já que, para Bingham, demitir pessoas é um trabalho tão digno quanto qualquer outro. Aliás, mais do que isso: o executivo realmente acredita estar desempenhando um papel importante ao adotar uma abordagem cuidadosa e bem preparada ao encontrar cada uma das pessoas que irá dispensar.
Enquanto isso, Vera Farmiga, como a segura Alex Goran (uma versão feminina de Bingham), exala inteligência, maturidade e sensualidade, embora, aqui e ali, permita que vislumbremos um resquício de romantismo por baixo de sua postura firme e independente. Jason Bateman, por sua vez, vive um personagem diferente do habitual ao abandonar o jeito simpático e abraçar a frieza de um homem que – ao contrário do protagonista – enxerga todas aquelas demissões apenas como algo lucrativo, como dinheiro no banco. E se J.K. Simmons e Zach Galifianakis surgem como figurantes de luxo, a jovem Anna Kendrick tem a oportunidade de assumir o importante papel da novata que, dividida entre uma postura mais idealista e o pragmatismo exigido pelo emprego, tenta compreender também os esforços de Bingham para evitar qualquer tipo de relação mais sólida com quem quer que seja – e ainda que desempenhe relativamente bem sua função, é estranho que a atriz esteja sendo considerada para tantas premiações, já que sua composição também traz momentos de patente fragilidade (como na cena em que cai num choro repentino e tremendamente artificial).
E se apontei a irregularidade da atuação de Kendrick, é preciso observar que o mesmo ocorre com a narrativa de modo geral: se por um lado é interessante notar como o apartamento do protagonista é completamente desprovido de qualquer elemento mais pessoal ou mesmo de calor humano, por outro não deixa de ser irritante que um de seus momentos de “epifania” (na falta de um termo melhor) tenha que ocorrer em público, num clichê dos mais pavorosos. Da mesma forma, se o plano que exibe as bagagens de Bingham e Alex lado a lado, num curioso romantismo profissional, merece aplausos, por outro é impossível não cerrar os dentes diante da cena ridícula e artificial em que o personagem de Clooney tem que lidar com uma crise repentina vivida pelo cunhado.
Ainda assim, Amor Sem Escalas (que título pavoroso e desonesto, esse brasileiro) acaba reconquistando pontos importantes graças ao seu desfecho, que se mostra bem mais corajoso e orgânico do que boa parte de seu segundo ato. Um grande filme? Não, de forma alguma. Mas uma imensa evolução por parte de Reitman, que vem crescendo rapidamente como cineasta.
Observação: Durante os créditos finais, há a gravação de uma conversa telefônica entre Reitman e um sujeito que, demitido pouco tempo antes, compôs uma canção para o filme e a ofereceu ao diretor – música esta que é ouvida em seguida.
22 de Janeiro de 2010
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