Seja bem-vindx!
Acessar - Registrar

Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
07/03/2008 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
110 minuto(s)

O Orfanato
El Orfanato

Dirigido por Juan Antonio Bayona. Com: Belén Rueda, Fernando Cayo, Roger Príncep, Montserrat Carulla, Mabel Rivera, Andrés Gertrúdix, Geraldine Chaplin.

Do ponto de vista temático, é perfeitamente natural que, em determinado momento deste O Orfanato, o clássico Peter Pan seja mencionado: afinal, contando de certa maneira sua própria história sobre crianças que não envelhecerão nunca, o filme se transforma numa espécie de Peter Pan funesto ao mesmo tempo em que se encaixa em um subgênero já habitado por obras como Os Inocentes, Os Outros e A Espinha do Diabo (cujo diretor Guillermo del Toro, aliás, surge aqui como produtor).


Marcando a estréia em longas-metragens do roteirista Sérgio G. Sánchez, o projeto gira em torno de Laura (Rueda), uma mulher de trinta e poucos anos que decide comprar o casarão no qual funcionava o orfanato em que viveu parte da infância. Mudando-se para o local com o marido e o filho Simón (Príncep), ela mostra-se determinada a criar, ali, um lar para crianças doentes – algo que reflete a condição do próprio Simón, que, adotado, é portador do vírus HIV. Aos poucos, porém, o garoto começa a demonstrar uma estranha proximidade com seu novo “amigo invisível” – e quando um incidente particularmente trágico ocorre, Laura se mostra obcecada em desvendar os mistérios ocultos na casa.

Numa análise superficial, O Orfanato não traz, como é fácil perceber, nenhuma grande inovação: trata-se da velha fórmula do casarão mal-assombrado e que inclui, entre suas fórmulas, a criança que é a primeira a fazer contato com o outro mundo, os espíritos com aparente desejo de vingança e por aí afora. O que torna o filme tão eficaz, no entanto, é o investimento emocional que faz em seus personagens, já que dedica boa parte da projeção ao desenvolvimento psicológico de sua protagonista, tornando seu drama palpável para o espectador, que, assim, não apenas teme por sua segurança como ainda se comove com seu sofrimento.

Da mesma forma, ao contrário de tantos outros filmes do gênero que retratam os personagens-mirins como adultos precoces (vide até mesmo os eficientes O Chamado e O Sexto Sentido), aqui Simón surge como uma criança absolutamente normal: de manhã, ele pergunta ansioso se já “pode acordar”, se preocupa em saber se Papai Noel existe ou não e demonstra uma dependência tocante e autêntica em relação aos cuidados e carinhos da mãe – e isto confere ainda mais força ao longa, já que passamos a temer ainda mais pelo destino do garoto. Além disso, a performance intensa de Belén Rueda, que transforma Laura numa mãe dedicada, mas falha (e, por isso mesmo, torturada pelo remorso) , ajuda a imprimir gravidade à narrativa.

Surgindo como uma revelação promissora neste seu filme de estréia, o espanhol Juan Antonio Bayona se une ao mexicano Guillermo del Toro e ao chileno Alejandro Amenábar no grupo de cineastas latinos com talento particular para o macabro. Demonstrando pleno domínio da linguagem cinematográfica, Bayona inicia O Orfanato de maneira apropriadamente idílica, retratando um dia ensolarado num quintal verde enquanto algumas crianças brincam despreocupadamente – e é apenas a dissonante trilha que indica, de maneira sutil, que algo não está certo naquele cenário. Com isso, o diretor estabelece uma dinâmica perfeita com o espectador: mesmo nos instantes aparentemente inofensivos, antecipamos a tensão que está por vir e, no processo, nos encarregamos de mantê-la presente durante toda a projeção, num jogo divertido que arrebenta os nervos (em vários instantes da narrativa percebi que estava sorrindo por antever, ansioso, o susto que logo se seguiria).

Porém, o mais admirável é a forma segura com que Bayona alterna o suspense e o choque: enquanto a festa repleta de mascarados cria uma sensação de inquietamento no público, outro incidente que ocorre mais adiante provoca um susto brutal pela maneira súbita com que é encenado – e, mais uma vez, o diretor demonstra ter plena consciência de quando pode (e deve) substituir a sutileza da insinuação por imagens bem mais gráficas e perturbadoras. E mais: enriquecido pelo brilhante design de som de Oriel Tarragó (devidamente premiado com o Goya), O Orfanato aterroriza também graças aos rangidos, sussurros e outros ruídos que parecem envolver o espectador e que se revelam fundamentais também numa das seqüências mais angustiantes do filme: aquela que, protagonizada por Geraldine Chaplin (numa ponta magnífica), nos leva a uma viagem mediúnica pelo casarão através da montagem precisa que intercala planos em infra-vermelho, imagens da planta baixa do imóvel e closes sufocantes dos atores (aliás, esta seqüência rivaliza apenas com aquela em que Bayona executa seguidas panorâmicas enquanto a protagonista faz um jogo infantil que parece atrair os fantasmas pouco a pouco).

Enriquecido pela fotografia sombria e repleta de nuances de Óscar Faura, O Orfanato peca apenas por estender-se demais em um segundo epílogo que, na tentativa de amarrar excessivamente suas pontas soltas, acaba diluindo o impacto do que viera antes. Ainda assim, este é um trabalho inequivocamente trágico, impactante e sombrio que envia o espectador para fora da sala de projeção com uma sensação desagradável que permanece intensa por um bom tempo. E isto, acreditem, é um tremendo elogio.

07 de Março de 2008

Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

Para dar uma nota para este filme, você precisa estar logado!