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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/08/2009 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
99 minuto(s)

Arraste-me Para o Inferno
Drag Me to Hell

Dirigido por Sam Raimi. Com: Alison Lohman, Justin Long, David Paymer, Lorna Raver, Dileep Rao, Adriana Barraza, Reggie Lee, Chelcie Ross, Molly Cheek, Kevin Foster.

Depois de passar quase uma década envolvido com a bilionária franquia O Homem-Aranha, o cineasta Sam Raimi retorna, em Arraste-me para o Inferno, ao gênero que o apresentou aos cinéfilos de todo o mundo – e felizmente, ao contrário do que ocorreu com sua última tentativa de assustar (refiro-me ao fraco O Dom da Premonição, de 2000), o diretor alcança um resultado que, mesmo sem integrar a lista dos melhores de sua carreira (encabeçada, vale dizer, por Um Plano Simples e O Homem-Aranha 2), cumpre muito bem sua função sem ofender a inteligência do espectador.

Escrito pelo próprio Raimi ao lado de seu irmão Ivan (o caçula da família, Ted Raimi, faz uma ponta como um médico em uma única cena), Arraste-me para o Inferno não perde tempo em apresentar sua premissa para o espectador: amaldiçoada por ciganos, uma criança é perseguida por um demônio chamado Lâmia e, apesar dos esforços de uma médium, sucumbe ao destino anunciado pelo título da produção. Algumas décadas depois, a analista de crédito Christine Brown (Lohman), buscando impressionar seu chefe e ganhar uma promoção, nega ajuda a uma velha cigana (Raver) que, sentindo-se humilhada, dispara a mesma maldição sobre a garota. Aterrorizada por visões assustadoras e violentas, Christine busca a ajuda de um vidente (Rao) mesmo sabendo que seu namorado Clay (Long) desaprova a atitude – e acaba descobrindo que tem apenas três dias para se livrar de um destino terrível.

Adotando uma estrutura esquemática com o propósito de tornar a narrativa mais econômica, sacrificando o desenvolvimento da história em prol do choque, o roteiro é eficiente justamente ao manipular de maneira impecável as expectativas do público, estabelecendo uma dinâmica óbvia, mas eficaz: primeiro, Christine percebe a aproximação do demônio, que logo parece sumir – apenas para surgir de forma barulhenta quando a garota respira aliviada. Assim, ao sempre deixar claro para o espectador que os momentos de paz são meros artifícios para potencializar o susto por contraste, Raimi cria um sádico joguinho que freqüentemente leva a platéia a rir de si mesma por saber que: a) um susto está por vir; e b) que mesmo antecipando este susto, o salto na cadeira será inevitável. Já em outros momentos, o riso surge como conseqüência do bom humor negro exibido pelo longa, como no instante em que a protagonista passeia pela casa chamando ameaçadoramente seu gatinho de estimação – e é um toque bacana perceber como a sombra de Christine se projeta sobre o bichinho exatamente como a sombra do demônio surge sobre ela própria, já que, naquele instante, ela é, para todos os efeitos, a “Lâmia” do pobre animal.

Ciente de que a escatologia também é um prato cheio para o humor (algo que ele explorou muitíssimo bem na trilogia Evil Dead), Sam Raimi abusa das imagens repulsivas ao longo da projeção – e a boca de Christine parece funcionar como uma espécie de imã para todo tipo de secreção nojenta. Além disso, o cineasta não foge do exagero em momento algum: quando o nariz da mocinha sangra, não vemos um leve gotejar, mas sim um autêntico jorro; e, seguindo a mesma lógica, quando um cadáver surge vazando fluidos, a impressão é a de que litros e mais litros estão sendo expelidos do corpo. E se Raimi explora o primeiro confronto físico entre a mocinha e a cigana por vários minutos, tornado a cena cada vez mais over, a natureza absurda da narrativa é finalmente escancarada quando Christine resolve atirar uma bigorna na cabeça da vilã – e desconheço algo que seja mais cartunesco do que uma bigorna.

Sem fazer qualquer esforço para ser discreto em sua direção, Raimi demonstra estar se divertindo a valer por trás da câmera ao conceber seqüências que abusam de cortes secos, quadros inclinados, closes incômodos e zooms rapidíssimos que estariam mais à vontade em uma produção da década de 70 (aliás, o diretor inclui, após os créditos, uma vinheta de “Quando em Hollywood, visite a Universal” que o estúdio empregava justamente naquele período). Da mesma forma, o cineasta valoriza os efeitos visuais práticos, realizados no set, em detrimento daqueles concebidos puramente no computador – e mesmo quando estes surgem, Raimi busca ancorá-los no mundo físico, como, por exemplo, ao fazer com que uma mosca digital “pouse” na lente da câmera.

Revelando-se uma “rainha do grito” de fazer inveja a qualquer Jamie Lee Curtis, Alison Lohman consegue a proeza de criar um pequeno arco dramático para sua personagem mesmo sem se esquecer de que Christine é, afinal de contas, apenas um artifício de gênero – e, assim, podemos acompanhar a garota enquanto esta abandona sua natureza frágil e passa a agir com cada vez mais firmeza e determinação. Enquanto isso, Justin Long confere a Clay um ar comum e confiável, ao passo que Lorna Raver surge corretamente repulsiva como a cigana Sylvia Ganush. Fechando o elenco, o desconhecido Dileep Rao encarna o vidente  Rham Jas como um homem inteligente que, mesmo crendo no sobrenatural, não deixa de ler Jung e Freud.

Sem medo de abraçar as convenções do gênero (em certo instante, vemos Christine escavando uma sepultura durante a noite, sob forte chuva e relâmpagos constantes), Arraste-me para o Inferno é ainda beneficiado por um desfecho que, mesmo tremendamente previsível, é eficaz e impactante – e como é bom ver Sam Raimi voltando a abraçar suas raízes depois do fraquíssimo O Homem-Aranha 3. Aliás, na sessão em que eu me encontrava, um rapaz à minha frente, ao ler o nome do diretor nos créditos, comentou em voz alta, espantado: “Olha, é do diretor de O Homem-Aranha!”. Espero que depois de ter assistido a este filme, ele tenha finalmente percebido que comandar as aventuras de Peter Parker é apenas uma das várias facetas de um cineasta que, torçamos, ainda irá fazer muito mais do que apenas brincar (mesmo que de forma eficaz) com os superprodutos de um grande estúdio.

Observação: a trilha instrumental que acompanha os créditos finais foi originalmente composta por Lalo Schifrin para O Exorcista, tendo sido descartada pelo diretor William Friedkin.

15 de Agosto de 2009

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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