Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
18/04/2008 | 01/01/1970 | 5 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
85 minuto(s) |
Dirigido por John Carney. Com: Glen Hansard, Markéta Irglová, Geoff Minogue, Bill Hodnett, Danuse Ktrestova, Gerard Hendrick, Hugh Walsh, Alaistair Foley, Marcella Plunkett.
Assim como Antes do Amanhecer, um jovem clássico dirigido por Richard Linklater, Apenas uma Vez é um filme mágico que, através de sua narrativa enganosamente simples, alcança uma vitória que escapa à maioria das obras do gênero, retratando com autenticidade e sentimento o instante preciso no qual dois seres humanos se descobrem apaixonados um pelo outro. A diferença é que, enquanto Ethan Hawke e Julie Delpy eram seduzidos pela longa conversa que mantinham, aqui é a música que une o Rapaz e a Moça encarnados magnificamente por Glen Hansard e Markéta Irglová – e o fato de jamais descobrirmos os nomes dos personagens torna este amor recém-descoberto ainda mais universal; algo com o qual todos podemos nos identificar facilmente.
Curtindo fossa desde que foi abandonado pela ex-namorada (aliás, existe expressão mais evocativa do que “curtir fossa”?), o Rapaz divide seu tempo entre a pequena loja do pai, que trabalha consertando aspiradores de pó, e as apresentações nas ruas de Dublin, quando canta por trocados. Certo dia, uma de suas composições atrai a atenção da Moça, uma humilde imigrante tcheca que aprendeu a tocar piano com o pai e que agora vive de vender flores e de faxinas. Apaixonados por música, eles rapidamente estabelecem uma forte conexão através das canções do Rapaz, que decide gravar um CD demo com a ajuda da garota.
Rodado em apenas 17 dias com câmera digital, Apenas uma Vez conta com uma fotografia nada rebuscada que, por sua própria simplicidade, confere imensa autenticidade à história. Trazendo vários planos rodados nas ruas da capital irlandesa, quando a câmera claramente se coloca à distância para não atrair a atenção dos transeuntes que ignoram a presença dos atores, o filme acaba assumindo um caráter quase documental – algo salientado por sua montagem que emprega basicamente cortes secos, resultando em elipses bruscas, mas mais do que adequadas à linguagem adotada pelo diretor John Carney.
Da mesma forma, embora os enquadramentos e movimentos de câmera não sejam dos mais elegantes, é impossível negar a eficácia com que servem à narrativa. Observem, por exemplo, a cena em que o casal toca junto pela primeira vez em uma loja de instrumentos: inicialmente, a câmera se mantém mais afastada enquanto o Rapaz observa, fascinado, a Moça tocar piano. Neste instante, a câmera se aproxima da dupla, movendo-se também para baixo juntamente com Hansard, que se ajoelha ao lado da garota – e é neste pequeno e intimista travelling que percebemos o despertar da paixão do Rapaz pela Moça. A partir daí, eles iniciam uma canção e, poucos cortes depois, o quadro se torna bem mais fechado, aproximando-os ainda mais um do outro – e é perfeito que os primeiros versos que saem da boca de Hansard nesta seqüência sejam justamente “Eu não a conheço / Mas a quero ainda mais por isso”, que, pertencentes à música “Falling Slowly”, acabam se tornando o símbolo daquele relacionamento, voltando a ser ouvidos (apropriadamente) no desfecho da projeção.
Aliás, a lógica com que Carney emprega as canções de Hansard e Irglová é impecável: embora surjam de maneira orgânica, sendo executadas diante da câmera pela dupla, os segundos finais de cada música acabam servindo como pano de fundo para a ação da seqüência seguinte, como se os personagens estivessem criando a trilha sonora de suas próprias vidas – e, em certo momento, isto se torna particularmente claro ao vermos o Rapaz cantando enquanto assiste a um vídeo que traz sua ex-namorada. Além disso, há uma comovente ironia dramática no fato da Moça emprestar sua voz com tamanha doçura às canções que, afinal, o sujeito compôs em homenagem à ex.
Estreando como atriz em Apenas uma Vez, a jovem cantora e compositora Markéta Irglová oferece um desempenho digno de uma veterana: retratando com sensibilidade as inseguranças de uma imigrante que, quase menina, é obrigada a sustentar a mãe e a filha, a garota revela gradualmente uma força insuspeita que a transforma no impulso que faltava para que o Rapaz finalmente fizesse algo para viabilizar suas pretensões artísticas. Contrastando com a impulsividade do sujeito, a Moça jamais perde de vista as próprias responsabilidades – e é de partir o coração, vê-la arrumando diligentemente a casa depois de um longo dia ou perceber a maneira com que ela traz o músico de volta à realidade depois de receber o convite para acompanhá-lo a Londres, precisando, para isto, fazer uma única pergunta: “Posso levar minha mãe?”. Da mesma maneira, é reveladora, a forma com que ela reage, ofendida, aos primeiros avanços do Rapaz; claramente interessada por ele, a Moça não se aborrece exatamente com a cantada barata, mas sim com a implicação que esta traz: a de que ele a subestimou terrivelmente.
Enquanto isso, Hansard (com seu violão descascado, quebrado e com cordas deselegantemente penduradas) abre uma janela para o temperamento romântico e bondoso do Rapaz através de sua música: entregando-se sempre com intensidade às canções, ele parece sofrer com cada verso – e sua voz chorosa e carregada de sentimento contrapõe-se perfeitamente à aparente fragilidade e à doçura encantadora com que a Moça complementa a harmonia das canções. Aliás, a química entre Hansard e Irglová é palpável, tornando-se ainda mais clara graças à naturalidade com que o casal surge brincando com uma moto ou discutindo frustrações amorosas – e se considerarmos que a história dos dois nasce e cresce através da música, é apenas natural que ela resuma seu desentendimento com o pai de sua filha ao revelar que este não apreciava suas composições.
Trazendo quase 20 canções – todas belíssimas -, Apenas uma Vez é impecável até o último segundo, encerrando sua narrativa de maneira absolutamente perfeita ao enfocar um olhar sonhador que, sem trair o peso de uma difícil realidade, ainda encontra espaço para a esperança ou, no mínimo, para uma agridoce melancolia que surge como fruto de todo amor não consumado e, por isto mesmo, jamais consumido.
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