Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
28/05/2010 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 4 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
128 minuto(s) |
Dirigido por Roman Polanski. Com: Ewan McGregor, Pierce Brosnan, Olivia Williams, Kim Cattrall, James Belushi, Timothy Hutton, Jon Bernthal, Tom Wilkinson, Eli Wallach, Robert Pugh.
Roman Polanski é um mestre no que diz respeito a estabelecer uma forte atmosfera de tensão e ameaça. De Repulsa ao Sexo a O Pianista, passando por O Bebê de Rosemary, Chinatown e Busca Frenética, o cineasta já foi responsável por criar várias narrativas que se mostraram extremamente bem-sucedidas na tarefa de atirar o espectador em universos nos quais a morte (ou algo bem próximo a esta) parecia prestes a se atirar sobre os personagens a qualquer momento – uma sensação que se faz presente em cada segundo deste O Escritor Fantasma, que Polanski comanda com firmeza aos 76 anos de idade.
Obviamente inspirado em passagens da vida do ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair, o roteiro escrito pelo diretor ao lado de Robert Harris (e baseado em livro deste último) já tem início com uma imagem evocativa: num clima cinzento e frio, um carro é encontrado abandonado em uma balsa enquanto o corpo de seu dono é carregado pelas ondas em direção a uma praia deserta. Logo descobrimos que o sujeito vinha trabalhando como ghost writer da “autobiografia” de Adam Lang (Brosnan), que pouco antes deixara o comando político do Reino Unido e que agora busca reconstruir uma reputação destruída pelo envolvimento na guerra do Iraque. Contratado para finalizar a tarefa (numa cena que envolve pontas dos quase irreconhecíveis Timothy Hutton e James Belushi), o escritor sem nome vivido por Ewan McGregor é obrigado a viajar para os Estados Unidos, onde o político encontra-se num semi-exílio (ecos da situação do próprio Polanski?), e logo começa a esbarrar em indícios de que talvez seu antecessor tenha sido assassinado em função de alguma descoberta relacionada ao biografado.
Sentindo-se pressionado praticamente desde o momento em que aceita o trabalho (que, além de tudo, deve ser feito às pressas), o Escritor demonstra sua inteligência já ao ser atacado depois de sua primeira reunião com os editores, quando imediatamente percebe que um manuscrito que lhe fora entregue ali talvez tenha servido como “isca” – algo que certamente já ocorrera ao próprio espectador. Fazendo questão de declarar-se apolítico, é sintomático que o nome do protagonista jamais seja revelado, já que esta ausência funciona como um claro reflexo de sua personalidade muitas vezes apática e que se encaixa perfeitamente no perfil de um escritor que deve se esconder por trás da identidade de seus clientes. Aliás, McGregor faz um trabalho impecável justamente ao ilustrar o envolvimento gradual do personagem com os incidentes à sua volta: inicialmente, ao sugerir uma certa linha de defesa à mais recente acusação feita contra Lang, ele se assusta ao ouvir as palavras que ditou lidas por um jornalista em rede nacional, mas logo se vê impulsionado a investigar evidências que surgem em seu caminho e até mesmo a refazer os passos de seu antecessor mesmo reconhecendo o perigo envolvido.
Fotografado por Pawel Edelman com uma paleta cinza que mergulha tudo numa atmosfera opressiva e triste, O Escritor Fantasma também faz um belo uso do clima chuvoso, nublado e frio das locações, que, associado aos figurinos carregados de tons escuros, leva o público a dividir a inquietação e a angústia crescentes do protagonista. Da mesma maneira, quando vemos a esposa de Lang, Ruth (Williams), caminhando pela praia deserta ao lado de um segurança, a sugestão de uma ameaça invisível se torna tão forte que nos preocupamos com aquelas pessoas mesmo que tudo pareça tranqüilo e pacífico ao seu redor. Neste sentido, vale dizer, o clima conspiratório acaba sendo ressaltado também pelo tom de voz empregado pelos atores, que parecem estar sempre sussurrando seus diálogos como se temessem ser ouvidos por escutas plantadas por seus inimigos.
Continuando a demonstrar o mesmo olhar impecável para os detalhes que marcou a maior parte de seus trabalhos anteriores, Roman Polanski salienta a verossimilhança de sua narrativa e o realismo das interpretações de seu elenco através de momentos de magnífica sutileza como aqueles em que o Escritor ajuda um segurança a guardar uma bicicleta no porta-malas do carro ou ao trazer o protagonista cheirando, com certa repulsa, o gorro que lhe fora emprestado por um funcionário de Lang – dois instantes rápidos que, mesmo soando triviais, ajudam não só a ilustrar a personalidade do herói como ainda evocam um naturalismo que beneficia enormemente o projeto. Isto se torna especialmente importante se considerarmos que, afinal, O Escritor Fantasma é um filme de gênero que lida com personagens grandiosos (em certo momento, Lang se encontra com uma integrante do governo norte-americano que remete diretamente à Condoleezza Rice) - e, assim, plantá-lo num universo realista é fundamental.
E se Ewan McGregor merece créditos por carregar o filme com segurança, Pierce Brosnan se destaca por encarnar Adam Lang como um personagem surpreendentemente tridimensional: sem qualquer pudor de atirar seu carisma e charme pessoal sobre as pessoas que pretende seduzir/manipular, o sujeito revela uma faceta explosiva e de ressentimento que acabam escancarando também sua vulnerabilidade e uma insuspeita insegurança com relação às próprias habilidades políticas. Enquanto isso, Olivia Williams vive Ruth Lang como uma mulher inicialmente vista pelo protagonista (e pelo espectador) como uma criatura emocionalmente desequilibrada que, no entanto, acaba demonstrando ser fundamental para a carreira do marido ao aconselhá-lo – o que, claro, não a impede de exibir sua própria fragilidade em função do caso que o marido aparentemente mantém com a secretária interpretada por Kim Cattrall (corretamente fria, diga-se de passagem). Fechando o elenco numa pequena participação vem o veterano Eli Wallach, que, mesmo tendo pouco a fazer, surge como uma grata surpresa para os cinéfilos ao interpretar um velhinho que oferece informações (talvez) importantes ao herói.
Apesar de tropeços pontuais como Oliver Twist e O Último Portal, Polanski continua a provar sua relevância mesmo com todas as distrações impostas por seus dilemas pessoais. E basta testemunhar a construção cuidadosa da tensão ao longo de O Escritor Fantasma, culminando num plano magnífico que acompanha um bilhete sendo transferido de mão em mão, para que fique claro que, gostemos ou não do cidadão Polanski, seus filmes continuam a ser obrigatórios para qualquer um que ame o bom Cinema.
28 de Maio de 2010
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