Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/03/2012 | 01/01/1970 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Imagem Filmes | |||
Duração do filme | |||
111 minuto(s) |
Dirigido por David Cronenberg. Com: Michael Fassbender, Keira Knightley, Viggo Mortensen, Sarah Gadon, Vincent Cassel.
O cineasta David Cronenberg construiu sua carreira a partir de personagens psicologicamente fascinantes e complexos, muitas vezes extraindo o terror não da violência gráfica (embora também seja um mestre nisso), mas do puro horror exercido pela mente de seus protagonistas. Assim, é até natural que o diretor invista, neste seu novo trabalho, em um mergulho na origem da psicanálise ao enfocar o embate verbal e ideológico entre seus dois mais célebres expoentes, Freud e Jung, sendo uma pena, portanto, que o filme se revele apenas burocrático e jamais explore o potencial dramático de sua premissa.
Escrito por Christopher Hampton a partir de sua peça e do livro “A Most Dangerous Method” de John Kerr, o roteiro nos apresenta a princípio à perturbada Sabina Spielrein (Knightley), que, histérica, é internada pelos pais em uma clínica/manicômio até que, subitamente, a porta de seu quarto se abre e um homem de aparência elegante e modos comedidos entra e se apresenta: “Eu sou o doutor Jung”. A partir daí, acompanhamos o tratamento de Sabina através de um procedimento inovador e controverso que o médico (Fassbender) apresenta como sendo uma “cura pela conversa” – o que eventualmente o leva a se encontrar com Sigmund Freud (Mortensen) enquanto tentam estabelecer uma parceria que torne a psicanálise mais aceita pela comunidade médica. Porém, eventualmente as discordâncias entre os dois homens começam a minar suas relações, já que Freud parece acreditar que todas as questões remetem ao sexo, ao passo que Jung começa a permitir que sua religiosidade afete sua abordagem clínica, passando a apostar, entre outras coisas, na parapsicologia.
Já de início, portanto, o roteiro de Hampton deixa evidente uma de suas principais fraquezas: a maneira limitada, unidimensional, com que enxerga os dois homens e suas contribuições para a ciência que ajudaram a criar. Se Jung é visto como um sujeito altamente influenciável e em aparente busca de uma figura paterna, Freud se transforma quase numa caricatura defendida apenas por quem não conhece de fato sua obra, já que as “pulsões sexuais” descritas pelo sujeito iam muito além da mera obsessão pelo ato sexual. Além disso, as origens teatrais do roteiro ficam bastante evidentes através da insistência em usar um excesso de diálogos para apresentar os personagens e seus dilemas e personalidades ao espectador – e a profunda espiritualidade de Jung, por exemplo, é mais expressada por palavras do que por atos, ficando difícil, para o público, aceitar que ela se torne tão influente em seu trabalho quando mal o vemos praticando de fato sua fé. Como se não bastasse, a troca de cartas entre Freud e Jung se torna um recurso narrativo central do filme (algo evidenciado já nos créditos iniciais), falhando em conferir dinamismo ao longa e apelando, mais uma vez, às falas em vez de às imagens.
Sim, a distância geográfica entre os dois homens certamente dificulta a inclusão de mais cenas que os tragam dividindo a tela, mas uma licença dramática neste sentido seria plenamente justificável e tornaria o processo bem mais intrigante do que as inócuas trocas de correspondência, que, por sua própria natureza, conferem um tom morno às fascinantes discussões que mantém. Além disso, sempre que Jung e Freud surgem juntos em cena Um Método Perigoso imediatamente ganha peso e interesse, mesmo quando os dois discutem temas como os perigos da transferência e da contratransferência na relação médico-paciente ou os intrincados sonhos de Jung (Freud se recusa a expor seus próprios sonhos ao colega por temer que isto “comprometeria sua autoridade” – e o fato de admitir esta pequena vaidade é divertido e revelador).
Oferecendo uma performance controlada na qual o tom de sua voz raramente parece oscilar, Viggo Mortensen cria um Freud repleto de autoridade e inteligência, ao passo que Michael Fassbender compõe Jung como um homem em busca da própria personalidade e de valores éticos, científicos e morais que possa defender, estabelecendo uma dinâmica admirável com seu colega de cena. Por outro lado, Keira Knightley, como Sabina, surge absolutamente constrangedora no primeiro ato da projeção, exagerando de maneira imperdoável (e hilária) ao retratar a histeria da garota através de um excesso de gagueiras, espasmos e – o pior – da insistência em projetar a mandíbula para frente, criando uma figura grotesca e absurda. Além disso, sua insistência em dizer praticamente todos os seus diálogos aos gritos é no mínimo irritante. Assim, quando Sabina evolui na terapia e Knightley se mostra mais contida, já é tarde demais e o espectador sente dificuldade em acreditar na personagem e em seus dilemas. Aliás, é interessante notar como Vincent Cassel, embora também retrate Otto Gross como uma caricatura niilista, cria uma performance bem mais convincente do que a de sua colega de elenco, o que é no mínimo curioso.
Contando com o excelente design de produção de James McAteer, cuja equipe faz um trabalho impecável de recriação de época e se destaca principalmente graças a detalhes como os objetos de cena vistos nos consultórios de Freud e Jung, Um Método Perigoso também traz os esforços do montador Ronald Sanders para conferir unidade à narrativa - mas o sujeito acaba falhando mais em função da estrutura concebida pelo roteiro, que frequentemente apela para saltos abruptos no tempo, do que por sua própria falta de competência. Já Cronenberg adota uma abordagem curiosa e inteligente em sua lógica visual, constantemente empregando uma profundidade de campo grande que, associada aos quadros que trazem um personagem à frente e à direita e outro mais atrás e no lado oposto, ressalta ao mesmo tempo a proximidade psicológica entre aquelas figuras e a hierarquia entre elas, expondo visualmente a própria dinâmica da psicanálise (além disso, o cineasta se diverte ao apenas sugerir sua estabelecida escatologia ao trazer Sabina espremendo uma substância que, embora remeta às fezes pelas quais a personagem é obcecada, se revela apenas como comida – uma brincadeira que ele repete ao trazê-la coberta de lama num lago).
Infelizmente, nada disso é o bastante para que o filme se estabeleça como algo além do burocrático, já que a teatralidade excessiva e a completa falta de atmosfera transformam Um Método Perigoso em uma mera curiosidade na carreira de seu talentoso realizador.
Observação: a insistência das obras contemporâneas em empregar o greenscreen para facilitar o trabalho da produção vem comprometendo cada vez mais estes trabalhos. Em certo momento de Um Método Perigoso, por exemplo, vemos os personagens a bordo de um navio e imediatamente percebemos que o mar nada mais é do que uma projeção atrás do pedaço de cenário que simula a embarcação, o que imediatamente nos tira do filme ao expor o fazer cinematográfico. Não creio que um projeto como este teria tantas dificuldades em rodar aqueles planos específicos sobre a água e, assim, o greenscreen denuncia apenas a preguiça e o descaso dos realizadores.
Observação: esta crítica foi originalmente publicada como parte da cobertura do Festival do Rio de 2011.
13 de Outubro de 2011