Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
30/10/2007 | 05/09/2007 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
84 minuto(s) |
Dirigido por José Luis Guerín. Com: Xavier Lafitte, Pilar López de Ayala.
Eu não me surpreenderia caso descobrisse que o roteiro de En la ciudad de Sylvia se resume a cinco ou seis páginas. Vazio de diálogos, o filme de José Luis Guerín leva ao extremo o conceito de contemplação ao investir em cenas e seqüências que com 20 minutos ou mais de duração cada, limitam-se a acompanhar os olhares de seu protagonista enquanto este observa diversas mulheres em um café, num ponto de ônibus ou mesmo segue uma garota pelas ruas de Estrasburgo. É uma aposta arriscada do diretor, que consciente aceita o preço de afastar uma boa parcela do público que simplesmente não demonstra paciência para investir em sua abordagem – e as inúmeras pessoas que abandonaram a sessão na qual eu me encontrava comprovam isso.
Empregando sua câmera como um observador que chega antes de seus personagens a determinado local e parte bem depois, Guerín cria planos longos e estáticos que testemunham a passagem do tempo e dos transeuntes sem tentar guiar nosso olhar: em certo momento, uma moça passa correndo pelo campo e imediatamente nossa experiência com a narrativa formal nos leva a acreditar que ela assumirá algum papel de importância na “trama” – mas não; ao sair do campo, ela sai do filme levando consigo sua história. Da mesma forma, enquanto o protagonista persegue a garota que ele acredita ser a Sylvia que conheceu há seis anos, vemos uma pichação presente em várias paredes da cidade (“Laure, je t’aime”) que indica a existência de um outro amante frustrado à procura de sua musa perdida por ali.
Utilizando um design de som absolutamente fantástico para recriar a percepção do herói em seus passeios pela cidade (no lugar de uma trilha convencional, os ruídos de carros, sinos, passos e conversas pontuam a narrativa), o filme é – a exemplo de Cashback, também exibido na 31ª. Mostra de Cinema de SP – uma ode ao sexo feminino. Não é à toa que seu protagonista não tem nome e que Sylvia jamais é identificada formalmente (embora eu acredite, mais por uma necessidade pessoal de amarrar as pontas da narrativa do que por qualquer “pista” fornecida pelo filme, que ela seja a garçonete do café), já que são meros símbolos de Homens e Mulheres – e observem como, ao desenhar a garçonete, ele escreve um “Ela” bastante específico que, com o acréscimo posterior da letra “s”, se transforma num “Elas” genérico que abrange todo o gênero.
Lembrando a bela seqüência de Adaptação na qual o roteirista vivido por Nicolas Cage manifesta sua paixão pelo sexo feminino ao compará-lo à diversidade das flores, En la ciudad de Sylvia evoca esta fascinação ao enfocar dezenas de mulheres que, de diferentes tipos físicos, idades e personalidades, são igualmente capazes de despertar a adoração masculina por um motivo ou outro (às vezes, como o protagonista de Cashback, a visão prosaica de uma garota correndo descalça pode ser o bastante).
Há pouco mais de dois anos, descrevi em meu blog a lembrança de uma moça que costumava ver em um ônibus, quando ainda adolescente: “Dona de uma beleza absolutamente normal, nada esplendorosa, ela sempre carregava alguns cadernos envolvidos em um abraço cuidadoso e se vestia de maneira simples – e como descia sempre num ponto localizado ao lado de um bairro humilde de Belo Horizonte, provavelmente levava uma vida mais difícil e atribulada que a minha (um típico filho de classe média). Muitas vezes senti o impulso de me aproximar dela e puxar conversa. Certa vez, quase desci do ônibus atrás da moça, mas não o fiz. Depois de um tempo, não voltei a vê-la”.
E, como o senhor Bernstein de Cidadão Kane e sua “garota da barcaça”, nunca me esqueci daquela garota.
É deste tipo de experiência que En la ciudad de Sylvia trata com imensa sensibilidade.