Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
21/02/2014 | 01/01/1970 | 3 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Paris Filmes |
Dirigido por Peter Berg. Com: Mark Wahlberg, Taylor Kitsch, Ben Foster, Emile Hirsch, Eric Bana, Yousuf Azami, Ali Suliman, Alexander Ludwig.
Só mesmo uma profunda incompreensão acerca dos temas do filme pode ter levado os responsáveis pela distribuição deste projeto a traduzirem O Único Sobrevivente como O Grande Herói. Se há algo que fica patente ao longo da projeção é que Marcus Luttreel, personagem vivido por Mark Wahlberg, é um homem que, embora dedicado aos companheiros e valente diante da morte certa, é mais sortudo que heroico – se é que podemos chamar de “sorte” tudo que enfrenta durante as duas horas de narrativa. Se o filme tem um herói, aliás, este é um personagem que praticamente não é lembrado nos créditos, na sinopse oficial, no trailer ou no cartaz – algo compreensível se considerarmos que também não conta com as nobres virtudes de ser norte-americano e branco.
Inspirado na autobiografia de Luttrell e roteirizado pelo diretor Peter Berg, O Grande Herói já abre a história revelando – caso o título original não tivesse deixado suficientemente claro – que o ensanguentado soldado com rosto de Mark Wahlberg foi o único a ser resgatado com vida de uma missão em meio a montanhas longínquas no Afeganistão. É então que voltamos três dias no tempo e somos apresentados aos companheiros do sujeito: o líder Michael Murphy (Kitsch), o responsável por comunicações Danny Dietz (Hirsch) e o atirador Matt Axelson (Foster). Escalados pelo superior Eric Kristensen (Bana) para irem até um vilarejo que pode estar servindo de esconderijo a um líder do Talibã, os homens são acidentalmente avistados por pastores afegãos que não demoram a alertar os talibãs acerca da presença dos norte-americanos, que, então, passam a ser perseguidos ao longo do terreno irregular e repleto de perigosos declives.
Sem se preocupar em manter o suspense acerca do destino dos personagens, o roteiro se concentra na situação desesperadora que enfrentam e no companheirismo que demonstram e que é forjado a duras penas através do torturante treinamento que acompanhamos durante os créditos iniciais e que surgem em imagens de arquivo – e comparado ao que vemos aqui, o regime de treinos supervisionado pelo sargento Hartman de Nascido para Matar parece apenas um clube de férias. A partir daí, o primeiro ato da narrativa investe na apresentação daqueles homens e em seu cotidiano de exercícios, brincadeiras e provocações viris (sempre!) e nos preparativos para a missão que se aproxima. Assim, quando os quatro soldados são deixados nas montanhas, já nos sentimos preparados para eventualmente nos preocuparmos com seu destino – um objetivo que o filme alcança moderadamente bem.
Ambientado em um mundo de machos, O Grande Herói trata seus personagens como ícones criados a partir de músculos e testosterona: barbudos, cabeludos e sempre com óculos escuros repletos de estilo, aqueles indivíduos obviamente se sentem felizes em uma cultura que valoriza a valentia extrema, o rigor físico e, claro, a fidelidade aos companheiros – e sempre que uma mulher é mencionada, surge como uma noiva que exige presentes caros, uma esposa obcecada em redecorar a casa ou apenas como um ideal de tranquilidade doméstica. Além disso, o roteiro de Berg peca pela obviedade do clichê do “soldado novato e ansioso para mergulhar na ação” (e que ficaria bem vestindo uma camisa vermelha da Federação) e pelo terceiro ato que peca não por alterar os eventos reais (e altera), mas por substituí-los por um conflito absolutamente implausível num pequeno vilarejo.
Em contrapartida, Berg merece aplausos por evitar o jingoísmo de filmes como Falcão Negro em Perigo, não só evitando celebrar a guerra, mas buscando retratar também o sacrifício de afegãos em meio ao confronto (mesmo artificialmente, num caso em que a boa intenção quase compensa a execução trôpega). É interessante, por exemplo, ver os norte-americanos discutindo a possibilidade de executarem friamente três camponeses e perceber como o protagonista se opõe a isso não por princípios morais e humanos, mas por temer que aquilo vá parar na CNN e manche suas carreiras. Por outro lado, não demora até que o próprio perguntador se pergunte se eles não deveriam ter mesmo cometido aquele crime pavoroso, num dilema moral que enriquece o filme.
Porém, O Grande Herói encontra seus melhores momentos em suas sequências de ação, que Peter Berg dirige com imensa competência – o que não é surpreendente, já que ele demonstrara seu talento neste quesito em obras como O Reino e mesmo o fraco Bem-vindo à Selva (vou ignorar os tropeços Hancock e, especialmente, Battleship – Batalha dos Mares). Mantendo o espectador sempre ciente da geografia das cenas, o cineasta preserva a coerência visual da ação mesmo empregando uma montagem extremamente ágil, sendo beneficiado também pelo excepcional desenho de som, que emprega de balidos de cabras ao som aborrecido de moscas, passando por galhos estalando e vozes distantes, para garantir a tensão da narrativa (e a respiração chiada dos soldados feridos é angustiante). Além disso, confesso ter dificuldade para lembrar de alguma queda que tenha sido retratada de forma tão brutal e realista quanto aquelas sofridas pelos quatro personagens principais neste longa, num outro instante brilhante de montagem e edição de efeitos sonoros.
Assim, é uma pena que depois dos dois primeiros atos eficazes, O Grande Herói se entregue à artificialidade hollywoodiana – um artifício que o projeto tenta despistar através do tolo recurso de trazer imagens reais dos envolvidos, como se isto automaticamente conferisse respaldo à narrativa em vez de soar como uma pequena traição às já suficientemente memoráveis histórias daqueles trágicos homens.
20 de Março de 2014