Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
29/01/2010 | 01/01/1970 | 2 / 5 | 3 / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Clint Eastwood. Com: Morgan Freeman, Matt Damon, Tony Kgoroge, Patrick Lyster, Shakes Myeko, Scott Eastwood, Adjoa Andoh, Sibongile Nojila.
Vez por outra, algum leitor me pergunta qual tipo de crítica é a mais “difícil” de escrever: aquela sobre um filme magnífico ou uma sobre um trabalho que detestei. A resposta: nenhuma das duas. O texto mais árduo é aquele sobre um longa que não deixa impressões fortes, sejam estas positivas ou negativas – um filme que não pode ser considerado bom, mas que tampouco é ruim. Em outras palavras, uma obra “nhé”.
O que nos traz a Invictus: depois de passar anos discutindo a cinebiografia de Nelson Mandela, o sempre competente Morgan Freeman finalmente ganhou a chance de encarnar o ícone sul-africano nesta produção comandada por seu amigo e velho parceiro profissional Clint Eastwood. Inspirado num livro de John Carlin, o roteiro de Anthony Peckham (do recente Sherlock Holmes e do fraco Refém do Silêncio) tem início com a libertação de Mandela e sua eleição para Presidente do país que o manteve prisioneiro por quase 30 anos. Enfrentando a resistência de uma boa parte da elite branca, que lamenta o fim do apartheid, o líder descobre que a seleção nacional de rúgbi, admirada por este segmento da população (e desprezada pela maioria negra), está prestes a ser desmanchada por um recém-empossado comitê de esportes. Enxergando ali a oportunidade de começar a estabelecer uma reconciliação entre os ex-opressores e suas vítimas, ele se aproxima do capitão da equipe, o determinado François Pienaar (Damon), com o objetivo de manifestar seu apoio ao time, que se encontra a alguns meses de disputar a Copa do Mundo.
Ator mais do que acostumado a interpretar figuras de autoridade e personagens cuja sabedoria é notória (de Deus ao Presidente dos EUA, ele já encarnou todo tipo de líder), Freeman empresta seu imenso carisma e sua voz poderosa e evocativa a Mandela, pronunciando as palavras numa cadência cuidadosa que não apenas remete à enunciação do homem que está encarnando, mas que também sugere uma cautela e uma inteligência fundamentais para que aquele homem possa desempenhar suas difíceis funções de guia de um país dividido pelo preconceito e pela miséria. Ao mesmo tempo, ele busca evitar o endeusamento do sujeito, retratando também sua solidão, seu senso de humor e suas inseguranças pontuais. Para salientar este esforço, aliás, outro personagem chega a comentar que Mandela “não é um santo, mas apenas um homem”, o que parece ser uma tentativa óbvia do filme de não se tornar uma hagiografia - o que seria louvável caso o próprio roteiro não se encarregasse de, na cena imediatamente seguinte a esta fala, trazer Mandela renunciando a um terço do salário por considerá-lo elevado demais.
Ainda assim, Freeman consegue criar uma figura que, mesmo não sendo multidimensional ou particularmente complexa (o que é uma pena), se afasta da caricatura em função de sua performance contida e equilibrada. Já Matt Damon, outro intérprete talentoso, tem menos sorte, já que seu François Pienaar jamais é desenvolvido satisfatoriamente pelo roteiro – e se torna até mesmo difícil compreender por que o papel exigia um astro da estatura de Damon, já que não oferece nenhuma oportunidade de destaque, revelando-se como um atleta sem brilho e um capitão sem muita capacidade de liderança. De todo modo, o ator faz o que pode, merecendo créditos ao menos por sua transformação física e por seu sotaque.
Já do ponto de vista político, Invictus é de uma ingenuidade assustadora: resumindo as iniciativas políticas de Mandela ao seu envolvimento com a seleção de rúgbi (seus demais compromissos como estadista, incluindo um discurso na ONU, são sempre vistos com desinteresse por Eastwood), o filme apela para contrastes grosseiros entre o início e o fim da narrativa a fim de tentar demonstrar a eficácia da estratégia do Presidente. Assim, se no início Mandela é vaiado por parte do público que se encontra no estádio, posteriormente ele é recebido com gritos de “Nelson! Nelson! Nelson!”, ao passo que um garoto que se negou a aceitar uma camisa da seleção é eventualmente visto torcendo por esta – e se estes exemplos já soam terrivelmente artificiais, nem se comparam ao embaraçoso plano no qual vemos vários policiais brancos carregando um garotinho negro enquanto comemoram uma vitória sul-africana, numa das cenas mais patéticas do filme.
De todo modo, Invictus ao menos conta com alguns momentos de sutileza que, se não equilibram a artificialidade da maior parte da narrativa, ao menos evitam constrangimentos maiores: é interessante notar, por exemplo, como François fala em africâner com uma criada branca de Mandela sem perceber que isto é uma ofensa ao Presidente (que, por sua vez, finge não reparar) – e Eastwood deve ser elogiado por não tentar chamar a atenção do espectador para o que ocorre, deixando que percebamos sozinhos (ou não) a gafe cometida pelo atleta. Da mesma maneira, quando um dos guarda-costas negros de Mandela se vê diante de um colega branco que desconhece, seu impulso inicial (perguntar se “está preso”) é revelador e tocante, demonstrando seu condicionamento a décadas de opressão e injustiça. Para finalizar, a seqüência envolvendo uma excursão da seleção por uma região empobrecida do país é algo que emociona sem exageros ao mesmo tempo em que ilustra a inteligente estratégia dupla do Presidente, que dá um choque de realidade nos atletas enquanto leva a população a se aproximar do time.
Exibindo o mesmo econômico trabalho de câmera que caracteriza a maior parte de seus trabalhos como diretor, Clint Eastwood praticamente se limita a algumas panorâmicas e a planos de médio adiante, optando sempre por quadros mais fechados que favoreçam as interpretações. Por outro lado, ele acaba exagerando no uso de câmeras lentas – especialmente na partida final -, equivocando-se também nos flashbacks inorgânicos que procuram fazer o desnecessário trabalho de remeter o espectador ao período em que o protagonista permaneceu preso. Como se não bastasse, o cineasta se mostra desonesto ao tentar criar um suspense barato em dois momentos específicos: ao acompanhar uma van que se move em direção a Mandela e ao enfocar a expressão sombria de um piloto que comanda um avião sobre o estádio no qual o Presidente se encontra – e a impressão que temos é a de que, na falta de uma ameaça real presente no roteiro, Eastwood se sentiu obrigado a incluí-la artificialmente através da direção.
Carregando também na seleção da trilha incidental (uma das canções chega a trazer um verso sobre ser “cego para as cores” – leia-se: raças), Invictus é, como Lula – O Filho do Brasil, um filme menor e falho sobre uma figura que certamente merecia uma obra mais digna de sua trajetória. Com a diferença que, embora carismático, o Mandela de Morgan Freeman jamais consegue se tornar envolvente como a dedicada dona Lindu de Glória Pires – e, com isso, o longa não apenas deixa de honrar seu protagonista como falha em sua carga emocional.
Nhé.
29 de Janeiro de 2010
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