Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
12/12/2008 | 01/01/1970 | 4 / 5 | / 5 |
Distribuidora | |||
Dirigido por Mark Herman. Com: Asa Butterfield, Jack Scanlon, David Thewlis, Vera Farmiga, Rupert Friend, Sheila Hancock, David Hayman, Richard Johnson.
Há alguns dias, depois de ser convidado para um evento familiar que aconteceria em uma igreja evangélica (Batista) de Belo Horizonte, fui tristemente surpreendido por um discurso homofóbico absolutamente repulsivo feito pelo “pastor” que comandava a cerimônia – algo que me levou a sair do local, levando comigo meu filho, e que me impulsionou a publicar uma série de posts em meu blog sobre a questão. No entanto, devo dizer que não foi apenas a incitação à intolerância feita pelo tal “pastor” que me revoltou, mas também o fato de que aquele discurso nojento estava sendo feito diante de dezenas de crianças com o claro propósito de doutriná-las, moldando-as para seguir os passos de ódio canceroso defendido pelo sujeito. E hoje, ao escrever sobre este belo O Menino do Pijama Listrado, a sensação de revolta voltou a me tomar com força total, já que um dos temas do filme é a natureza pura das crianças e a tragédia representada pela destruição desta doçura por adultos repulsivos como o citado “pastor”.
Escrito e dirigido por Mark Herman a partir do livro de John Boyne, o roteiro ambientado durante a Segunda Guerra Mundial gira em torno do pequeno Bruno (Butterfield), um menino de oito anos de idade que, filho de um oficial do Terceiro Reich (Thewlis), tem as preocupações típicas de uma criança comum: aborrecido com a mudança da família para o interior, onde o pai administrará um “campo de trabalho”, ele logo se vê entediado pela falta de companhia – e, assim, é com alegria que conhece um garotinho (Scanlon) que, vivendo do outro lado da cerca eletrificada da “fazenda” próxima à sua casa, parece usar “pijamas” o dia inteiro.
É fácil perceber como esta premissa poderia se transformar rapidamente num melodrama maniqueísta e artificial com o claro propósito de inundar de lágrimas os olhos dos espectadores, mas, para crédito de Herman, o filme ganha força justamente em função de sua abordagem contida, que evita até mesmo escalar duas crianças excessivamente “engraçadinhas” para viver a dupla principal, privilegiando a espontaneidade dos pequenos intérpretes que, assim, surgem verossímeis e, por isso mesmo, mais tocantes. Da mesma forma, o cineasta não tenta martelar as crueldades do regime nazista na cabeça do público, ciente de que já estamos mais do que familiarizados com os horrores perpetrados por Hitler e sua corja. Esta estratégia, aliás, já fica clara na seqüência inicial da projeção, quando a câmera do diretor acompanha alguns garotinhos alemães enquanto estes brincam despreocupadamente pela cidade, eventualmente encontrando dezenas de judeus que, sob a brutal supervisão de soldados nazistas, são obrigados a esvaziar suas casas a fim de serem conduzidos aos campos de concentração – algo que as alegres crianças, concentradas em suas brincadeiras, obviamente não notam (e, mesmo que notassem, não seriam capazes de compreender as implicações do que viram).
Este, aliás, é o ponto-chave de O Menino do Pijama Listrado: durante quase toda a narrativa, testemunhamos aquele terrível período a partir do ponto de vista das crianças, que, ingênuas ou mergulhadas em seu próprio mundo sem compromissos, muitas vezes não percebem ou compreendem o que está ocorrendo. Além disso, o contraste entre as realidades de Bruno e Schmuel (que, de certa forma, remete aos dois amigos de O Caçador de Pipas) não poderia ser maior: enquanto o primeiro é um garoto saudável e alegre, o segundo surge com os dentes apodrecidos pela subnutrição e com um ar de cansaço doloroso de se testemunhar em uma criança – e é ainda mais tocante ouvir sua primeira pergunta ao descobrir que Bruno vive na casa localizada nas proximidades: nada sobre seus brinquedos ou seus pais, mas sim se “há comida lá”. Já Bruno, ao ouvir a informação de que seu novo amigo é judeu, reage com um susto que é conseqüência das dezenas de histórias pavorosas certamente narradas pelos adultos anti-semitas. Ainda assim, com a abertura que só uma criança pode exibir, ele logo descarta suas idéias preconcebidas ao perceber que, judeu ou não, Schmuel é um menino como ele – e, portanto, um parceiro ideal de brincadeiras. Da mesma forma, ainda que o medo provocado por um adulto repressor provoque um sério desentendimento entre os garotos, é a doçura infantil de ambos que permite que, mesmo magoados, sejam capazes de se perdoar pela mentira que, sabem, era apenas uma forma de se protegerem da crueldade do mundo dos mais velhos.
Comandando com segurança a narrativa, Mark Herman eventualmente passa a focar também o olhar dos adultos, algo quase inevitável para o desenrolar da história – e, assim, passamos a acompanhar principalmente a crescente desilusão da mãe de Bruno diante do marido à medida em que percebe a dimensão dos atos deste. Se inicialmente ela exibe um anti-semitismo igualmente revoltante (em certo instante, ao ver um prisioneiro judeu em sua casa, reclama, como se tivesse se deparado com um rato: “Havia um deles em nossa cozinha!”), a mulher vivida por Vera Farmiga eventualmente passa a perceber o óbvio: a humanidade daquelas pessoas. Como se não bastasse, ela testemunha, aterrorizada, a doutrinação de sua filha mais velha por um professor nazista, que realiza uma verdadeira lavagem cerebral na impressionável garota – exatamente como o “pastor” que citei no primeiro parágrafo vem fazendo com seus jovens seguidores (e com a reprovável aquiescência dos pais, que, assim, se tornam diretamente responsáveis pelos adultos preconceituosos nos quais estão transformando seus filhos).
Mas se tematicamente o filme ressoa bem, é em seu aspecto dramático que realmente se revela marcante: com uma conclusão impactante em sua impiedosa ironia, O Menino do Pijama Listrado constrói seu clímax com eficiência através da montagem nervosa de Michael Ellis, que alterna o foco da narrativa com precisão cirúrgica entre os garotos e os adultos, e da ótima trilha de James Horner – que, normalmente tão inclinado ao excesso e à auto-repetição, aqui encontra um ótimo equilíbrio ao comentar a trama sem tentar conduzi-la através da dramatização excessiva. Com isso, Herman constrói um desfecho mergulhado em dor e terror, lembrando-nos de algo que os adultos que levam seus filhos para acompanhar sermões de intolerância e ódio deveriam ter sempre em mente: no final das contas, são nossos filhos quem pagam – e caro – pelos erros de julgamento que cometemos.
12 de Dezembro de 2008
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