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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
08/01/2010 01/01/1970 3 / 5 3 / 5
Distribuidora

Sherlock Holmes
Sherlock Holmes

Dirigido por Guy Ritchie. Com: Robert Downey Jr., Jude Law, Rachel McAdams, Mark Strong, Eddie Marsan, Kelly Reilly, James Fox, William Hope, Hans Matheson.

Já nos primeiros minutos de Sherlock Holmes, uma garota que se encontrava sentada na fileira imediatamente atrás da minha virou-se para o namorado e fez, surpresa, a seguinte constatação sobre o personagem-título: “Ah, ele é detetive, é?”. Porém, antes que a rotulemos de ignorante, vale lembrar que, com exceção do brasileiro O Xangô de Baker Street, o fabuloso detetive concebido por Sir Arthur Conan Doyle não protagonizava uma grande produção há mais de 20 anos – e ainda assim, suas encarnações mais “recentes”, em 1988 e 1985, o traziam respectivamente como uma quase fraude (no divertido Sherlock e Eu, no qual foi vivido por Michael Caine) e como um adolescente (no meu querido O Enigma da Pirâmide). E se seria excessivo esperar que a moça tivesse lido algum dos livros de Doyle (afinal, Holmes não brilha sob a luz do sol), não menos irreal seria supor que ela tivesse visto o Assassinato por Decreto estrelado por Christopher Plummer ou sequer conhecesse o nome de Basil Rathbone. Assim, já era hora do ocupante da Baker Street 221B voltar a dar as caras nas telonas a fim de ser apresentado a uma nova geração – algo que o cineasta Guy Ritchie faz de maneira divertida e relativamente eficiente ao transformar Holmes e Watson em uma dupla de heróis de ação.

Não que os medianos roteiristas Michael Robert Johnson, Anthony Peckham e Simon Kinberg tenham desvirtuado os personagens – na realidade, o filme até surpreende neste aspecto, já que preserva muitas das características presentes nos livros. Infelizmente, é a trama que deixa a desejar, surgindo excessivamente absurda e desnecessariamente complicada, o que é uma pena, já que o primeiro ato do longa se revela bastante promissor ao trazer Holmes (Downey Jr.) e Watson (Law) resolvendo seu último caso juntos ao prenderem o sombrio Lorde Blackwood (Strong), que é condenado à forca por assassinar cinco jovens em rituais de magia negra. No entanto, quando o vilão aparentemente volta do túmulo e passa a aterrorizar Londres, o detetive se põe novamente em seu encalço enquanto tenta lidar com o afastamento de seu velho parceiro, que está prestes a se casar, e com o retorno de uma velha paixão, a golpista Irene Adler (McAdams).

É claro que, fisicamente, Robert Downey Jr. está tão distante de Sherlock quanto estaria de um Na’vi: afinal, a criação de Doyle era alta, magra e tinha um nariz famosamente adunco, ao passo que o ator é menor até mesmo do que seu Watson nesta produção, surgindo também musculoso e com o nariz... bom, de Robert Downey Jr. No entanto, embora tradições contem, o fato é que o mais importante está presente neste Holmes: a maior parte da personalidade fascinante apresentada nos livros. Profundamente observador, cínico, excêntrico, misantropo e autodestrutivo, Sherlock é também o inquilino infernal ao qual à resignada Sra. Hudson atura há anos e que, dotado de um poder de dedução magnífico, consegue resolver sem qualquer esforço e mesmo à distância a maior parte dos casos que lhe são apresentados. Além disso, Holmes era um pugilista talentoso e, assim, nem mesmo seus confrontos físicos vistos ao longo da projeção poderiam ser considerados como algo estranho à sua figura. (Por outro lado, nenhuma referência é feita ao seu talento para a esgrima, o que é uma pena.)

Aliás, Guy Ritchie e seus roteiristas acertam, por exemplo, ao combinarem as rápidas deduções do detetive ao seu vigor físico em duas cenas nas quais ele analisa detalhadamente como explorar os pontos fracos de seus adversários antes de golpeá-los – o que, somado à precisão dos gestos de Downey Jr. (observem como ele, em poucos movimentos, pega uma garrafa, arranca sua rolha e abandona o ringue), transforma Sherlock Holmes num indivíduo simultaneamente elegante e letal. Da mesma maneira, o cineasta ilustra a exaustão sentida pelo personagem em função de sua agilidade mental numa belíssima cena em que o detetive, exaurido por sua natureza intensamente observadora, fecha os olhos num restaurante lotado a fim de tentar evitar o excesso de estímulos visuais. Para completar, Downey Jr. acrescenta seu próprio toque ao protagonista ao encarná-lo com uma irreverência constante, como ao fungar com descaso ao descobrir estar diante de um importante ministro.

Já outro acerto do filme reside na dinâmica entre Holmes e Watson – e me espanta, aliás, que tantos insistam em atribuir uma conotação sexual à relação (como faziam com Frodo e Sam) como se a camaradagem masculina pura e simples seja algo impossível entre figuras como aquelas. Seja como for, Jude Law encarna com propriedade a exasperação crescente de Watson diante das excentricidades do amigo ao mesmo tempo em que deixa claras a admiração e a preocupação que o médico sente pelo detetive. Em contrapartida, embora seja uma atriz talentosa, Rachel McAdams pouco pode fazer com sua Irene Adler, que permanece unidimensional e jamais deixa de soar como um elemento descartável da trama – ao passo que Kelly Reilly, como a noiva de Watson, surge terrivelmente artificial ao tentar atuar (notem, por exemplo, como, para tentar exprimir emoção, ela força um ridículo tremor sob o olho esquerdo na cena em que Mary confronta Holmes num hospital). Fechando o elenco, Eddie Marsan faz um Lestrade corretamente obtuso enquanto Mark Strong, como o vilão Lorde Blackwood, remete de maneira curiosa ao professor Rathe vivido por Anthony Higgins em O Enigma da Pirâmide – o que, somado à trama “sobrenatural” do filme, parece convidar propositalmente comparações àquele filme.

Mostrando-se um pouco mais contido do que em obras como Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes e Snatch – Porcos e Diamantes, Guy Ritchie ainda insiste em suas brincadeiras com a cronologia da narrativa (o que aqui mais distrai do que ajuda) e com sua montagem entrecortada, mas ainda assim acerta em seqüências como a luta entre Holmes, Watson e três capangas (que prima pelo bom uso da trilha e pelos cortes eficientes) e, principalmente, ao empregar a câmera lenta numa excelente cena em que testemunhamos várias explosões e suas conseqüências sobre os personagens. Além disso, o design de produção de Sarah Greenwood (que vem se especializando em filmes de época, ao que parece) constrói – com a ajuda de abundantes efeitos digitais - uma Londres vitoriana apropriadamente suja e sem higiene, evocando não só o período com eficiência, mas também sua atmosfera de mudanças rápidas e impactantes – algo salientado pela fotografia de Philippe Rousselot, que confere um tom sombrio e ameaçador à narrativa sem, com isso, mergulhar o filme num escuro excessivo (e gosto até mesmo da forma convencional e mesmo artificial com que ele mantém um dos vilões sempre na sombra, ocultando seu rosto ao mesmo tempo em que expõe suas roupas e adereços).

É lamentável, portanto, que o roteiro se prolongue bem mais do que o ideal e invista numa trama tola, absurda e, como já dito, desnecessariamente confusa – e, assim, quando Holmes finalmente esclarece o que houve, em vez de ficarmos deslumbrados com sua inteligência, permanecemos apenas incrédulos quanto às motivações e métodos de Lorde Blackwood.

De todo modo, é sempre um prazer acompanhar um personagem tão inteligente, especialmente quando ele confronta um inimigo igualmente brilhante – algo que não ocorre aqui, mas que possivelmente acontecerá numa inevitável continuação. Afinal, também já é hora das novas gerações conhecerem o professor Moriarty.

Observação: Os créditos finais, criados pela Fugitive Studios, são belíssimos e merecem ser conferidos.

09 de Janeiro de 2010

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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