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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
01/06/2007 01/01/1970 4 / 5 / 5
Distribuidora
Duração do filme
120 minuto(s)

Depois do Casamento
Efter Brylluppet

Dirigido por Susanne Bier. Com: Mads Mikkelsen, Rolf Lassgård, Sidse Babett Knudsen, Stine Fischer Christensen, Christian Tafdrup, Ida Dwinger, Neeral Mulchandani, Meena Patel.

Indicado ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar 2007 (quando perdeu para o excelente A Vida dos Outros), este Depois do Casamento é uma obra de intensa carga emocional que nos apresenta a um pequeno grupo de personagens que atravessam um período particularmente tumultuado em suas vidas. Porém, mais do que acompanhar os dilemas vividos por estas pessoas, o filme cria um intrigante mistério relacionado diretamente à personalidade de uma delas: um homem de negócios bilionário que mergulha o próprio (e feliz) casamento em uma grave crise de maneira aparentemente proposital. A pergunta é: por que ele faz isso?

Escrito pela diretora Susanne Bier ao lado de seu parceiro habitual Anders Thomas Jensen, o longa tem início na Índia, onde somos apresentados ao dinamarquês Jacob (Mikkelsen), um trabalhador voluntário de um humilde orfanato à beira da falência. É então que surge a possibilidade de uma doação milionária que poderia salvar a instituição – isto é, desde que Jacob aceite viajar até seu país natal a fim de “apertar a mão” do benfeitor, o poderoso Jørgen (Lassgård). Aparentemente simples, a exigência representa um imenso sacrifício para Jacob, que demonstra verdadeira aversão à idéia, embora logo perceba ser inevitável acatá-la. Já na Dinamarca, ele é convidado (“convocado” seria um termo mais apropriado) por Jørgen para comparecer ao casamento da filha deste – e quando percebemos, através de uma troca de olhares, que Jacob conhece a esposa do bilionário, as peças parecem começar a se encaixar.

Ou não. Afinal, por que Jørgen, depois de mais de 20 anos de um casamento obviamente feliz, atrairia o ex-namorado de sua esposa de volta para sua vida? Ciúmes? Insegurança? Alguma vingança obscura? Inveja por suspeitar que Helene (Knudsen) talvez não o tenha esquecido? Seja qual for o motivo, Jørgen parece perdido em seu próprio jogo psicológico, criando situações que talvez o atinjam mais do que aos demais – e torna-se patente, em determinados instantes, que o sujeito sente imensa raiva de si mesmo por colocar-se naquelas situações. Em certo momento, por exemplo, ele beija a esposa carinhosamente apenas para, segundos depois, agredi-la verbalmente – o que, em contrapartida, leva-o a odiar-se por tê-la magoado. Acometido, ainda, por crises claras de auto-piedade, Jørgen é um personagem complexo e, por isso mesmo, sempre fascinante: ao fazer um discurso durante um jantar, por exemplo, ele inicialmente expõe seus sentimentos de forma rasgada para todos os convidados até que, sentindo necessidade de reafirmar sua força, volta a vestir a máscara de homem de negócios e assume uma postura fria, de empreendedor bem sucedido e ambicioso, passando a caminhar de um lado para outro enquanto anuncia o futuro brilhante de sua corporação.

Sempre carinhoso com a esposa e os filhos, Jørgen imediatamente abandona os modos afáveis quando se encontra sozinho, trocando o sorriso aberto por uma expressão carrancuda assim que se afasta da família – e o ator sueco Rolf Lassgård faz um trabalho excepcional ao retratar esta sempre presente ambigüidade de seu personagem. Aliás, a direção de arte também contribui neste sentido, já que fica difícil acreditar totalmente na afirmação do sujeito sobre ser “uma boa pessoa” quando olhamos para sua sala de troféus repleta de cabeças empalhadas de dezenas de animais, indicando uma personalidade que, no mínimo, extrai algum prazer da destruição. Além disso, como homem consciente do próprio poder, Jørgen parece não prestar muita atenção às demais pessoas quando isto não lhe interessa – algo ilustrado de maneira sutil no momento em que ele pergunta se Jacob aceita uma bebida, servindo-o mesmo depois de ouvir sua recusa.

Mas Jacob também é um homem inteligente e não demora muito a perceber que há algo por trás das atitudes de seu benfeitor, tornando a dinâmica entre os dois personagens infinitamente mais interessante. Conferindo humanidade a Jacob, o ótimo Mads Mikkelsen (mais conhecido por interpretar o vilão Le Chiffre em 007 - Cassino Royale) se mostra particularmente eficaz em suas cenas com a jovem Stine Fischer Christensen, que, como Anna, surge como uma grande promessa do Cinema europeu. Há uma cena, em especial, que comove por permitir que percebamos o olhar de contida tristeza de Jacob enquanto este folheia um álbum de fotos e constata tudo o que perdeu ao longo dos anos – algo que Mikkelsen transmite com perfeição. Além disso, há o instante sutil em que Anna, sem conseguir abrir uma garrafa de água, leva Jacob a servi-la, estabelecendo uma dinâmica que os dois personagens obviamente lamentam não ter tido a oportunidade de experimentar anteriormente.

Sem conseguir se desvencilhar dos vícios adquiridos com o manifesto Dogma 95, a cineasta Susanne Bier confere a Depois do Casamento uma atmosfera eficientemente nervosa com sua câmera sempre na mão, os planos-detalhe freqüentes (ela presta particular atenção aos olhos de seu elenco) e a montagem tensa repleta de cortes secos – dos quais o mais eficaz é aquele que vem logo depois de uma explosão emocional protagonizada por Jørgen, contrapondo-a de maneira brusca e impactante à cena que vem a seguir e salienta a triste inutilidade de seus protestos. Da mesma maneira, Bier demonstra inteligência ao contrastar as cores quentes das seqüências na Índia à frieza impessoal de todas as cenas que se passam na Dinamarca.

Pecando apenas pela natureza novelesca, artificial, da resolução oferecida para o casamento de Anna e Christian, Depois do Casamento é um filme envolvente que leva o espectador a sofrer juntamente com seus personagens e a apreciar, através das ações destes, os sacrifícios e as decisões difíceis que todos temos que fazer e tomar em nossas próprias vidas.

15 de Junho de 2007

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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