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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
28/11/2008 01/01/1970 4 / 5 5 / 5
Distribuidora

Queime Depois de Ler
Burn After Reading

Dirigido por Joel e Ethan Coen. Com: George Clooney, Brad Pitt, Frances McDormand, Richard Jenkins, J.K. Simmons, John Malkovich, Tilda Swinton, David Rasche, Jeffrey DeMunn, Dermot Mulroney.

 

Sempre que um cineasta realiza um trabalho que alcança grande reconhecimento de público e crítica, colecionando dezenas de prêmios e citações em listas de melhores do ano, uma expectativa natural passa a acompanhar seus novos projetos – e é natural que muitos realizadores fiquem congelados sob tanta pressão (não posso deixar de pensar, por exemplo, que James Cameron se manteve afastado da direção de longas de ficção por 11 anos justamente por não saber como sair da sombra colossal de Titanic). Assim, a estratégia dos irmãos Joel e Ethan Coen não poderia ser mais eficaz: depois do denso e laureado Onde os Fracos Não Têm Vez, nada poderia ser melhor para subverter as expectativas dos fãs do que o terceiro capítulo da “trilogia dos idiotas”, que já contava com E Aí, Meu Irmão, Cadê Você? e O Amor Custa Caro. Porém, se devo confessar não ser fã destes dois trabalhos, que considero os mais fracos da carreira dos irmãos, este Queime Depois de Ler é suficientemente divertido em sua estupidez para finalmente render uma boa parceria entre os Coen e George Clooney.

 

Com um roteiro que faz do absurdo sua razão de ser, o filme escrito e dirigido pelos Coen traz uma trama que, honestamente, nem perderei tempo tentando descrever: basta saber que, ao longo da projeção, coisas implausíveis acontecem, levando os personagens a reagirem de forma imbecil a fatos que interpretaram incorretamente, provocando, com isso, incidentes ainda mais ilógicos que levam a reações exponencialmente mais estúpidas. Basta dizer que, a partir de certo momento, o chefão da CIA vivido de maneira brilhante por J.K. Simmons basicamente atira os braços para o alto, confessando sua incapacidade de compreender o que está acontecendo, já que todos parecem se recusar a agir de maneira minimamente lógica.

 

Elevando o conceito de “comédia de erros” a um outro patamar, Queime Depois de Ler é o primeiro trabalho que os Coen realizam sem a assistência do fabuloso diretor de fotografia Roger Deakins desde que iniciaram a parceria em Barton Fink, de 1991 (eles voltarão a colaborar em A Serious Man, no ano que vem) – mas isto não prejudica o filme como poderia, já que, substituindo-o pelo igualmente brilhante Emmanuel Lubezki (Filhos da Esperança), os cineastas se saem admiravelmente bem em seu esforço de satirizar vários dos tiques visuais empregados por longas de espionagem. Neste sentido, aliás, não deixa de ser irônico que o projeto estréie no Brasil ao lado de Rede de Mentiras, de Ridley Scott, que mergulha em várias das mesmíssimas convenções (como o plano aéreo que simula a visão de satélite) que os Coen se empenham em ridicularizar.

 

Influenciados pelos mesmos clichês que comprometem tantas produções do estilo, os próprios personagens de Queime Depois de Ler parecem não saber diferenciá-los da realidade – e, assim, quando encontram documentos que julgam valiosos para a Segurança Nacional, os estúpidos Chad (Pitt) e Linda (McDormand) não conseguem pensar em nada melhor do que vendê-los aos russos. (O que provoca a seguinte reação de incredulidade em Simmons: “Os russos? Mesmo?”.) Da mesma forma, a paranóia crescente do personagem de George Clooney, o agente do Tesouro Harry Pfarrer (seria ele um parente do dr. Hfuhruhurr de O Homem com Dois Cérebros?), soa patética não apenas pelo falso sentimento de auto-importância do sujeito, mas também pelas implicações que isto traz para sua estranha vida amorosa.

 

Clooney, diga-se de passagem, volta a se entregar aos velhos tiques de interpretação que parecia ter abandonado há algum tempo: falando rapidamente e exagerando nas caretas e no inclinar de cabeça, ele se mostra visivelmente interessado em fazer rir – o que, é claro, instantaneamente tira boa parte da graça que seu personagem poderia ter. O mesmo erro, aliás, é cometido pela normalmente confiável Frances McDormand, cujo excesso de caretas já em sua primeira cena estabelece um contraste revelador com a performance bem mais contida (e divertida) de Jeffrey DeMunn, em uma participação curta como um cirurgião plástico. Em contrapartida, John Malkovich, um ator que se tornou fascinante justamente por sua tendência ao over, aqui se entrega totalmente ao histrionismo, o que se revela perfeito para seu instável personagem (basta dizer que ele faz da frase “Que porra é essa?” uma espécie de bordão pessoal). E se Tilda Swinton e Richard Jenkins abraçam de bom grado os papéis de únicos personagens “normais” do projeto, saindo-se previsivelmente bem como a esposa de Malkovich e o chefe de McDormand e Pitt, respectivamente, é o divertido J.K. Simmons (mais conhecido como o chefe de Peter Parker e o pai de Juno) quem quase rouba o filme em suas curtas, mas hilárias intervenções como um figurão da CIA que pede que seus subordinados mantenham-se atentos às ações dos demais personagens mais por curiosidade do que por se preocupar com o que estes podem fazer, como se quisesse apenas observar um bando de macacos desajeitados no zoológico.

 

E se usei a expressão “quase rouba o filme”, no parágrafo acima, é porque a tarefa de Simmons foi dificultada pela performance impecável de Brad Pitt – este, sim, o destaque inquestionável da produção. Exibindo um cabelo com luzes e um penteado no estilo “Johnny Bravo”, o ator encarna Chad como um sujeito que encara o mundo ao seu redor com olhos vazios e estúpidos que jamais compreendem muito bem o que estão vendo. Hilário em todas as suas cenas, Pitt chega a rivalizar com um dos personagens mais burros (e engraçados) que me lembro de ter visto em comédias do tipo: o Earl Mott vivido por Bill Pullmann em Por Favor, Matem Minha Mulher (sua estréia no Cinema, diga-se de passagem), do trio Zucker-Abrahams-Zucker.

 

Mestres em usar momentos de violência súbita como forma de impecável humor negro (lembrem-se do incidente da bombinha de asma, em O Amor Custa Caro, ou do pé saindo do moedor de carne, em Fargo), os irmãos Coen aqui surpreendem o espectador com mais um belo exemplo do gênero – algo que, diga-se de passagem, estabelece um contraste revelador com a forma com que lidam com o destino do personagem de Josh Brolin, em Onde os Fracos Não Têm Vez, comprovando a inteligência e o bom discernimento narrativo da dupla. E o que dizer da “invenção” de Clooney em seu porão?

 

Uma besteira divertidíssima, mesmo que esquecível, Queime Depois de Ler representa mais um obstáculo no caminho daqueles que tentam rotular Joel e Ethan Coen desde que estes surgiram como talentosos cineastas independentes em 1984, com o ótimo Gosto de Sangue. E se alguém conseguir estabelecer uma única equação que conecte filmes tão diferentes quanto Ajuste Final, Arizona Nunca MaisO Grande Lebowski, O Homem que Não Estava Lá e este Queime Depois de Ler, esta será uma proeza digna do Nobel – mas que provavelmente se tornará novamente incorreta assim que a dupla lançar seu próximo longa-metragem.

 

 02 de Dezembro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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