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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
25/12/2008 01/01/1970 4 / 5 1 / 5
Distribuidora

Marley e Eu
Marley & Me

Dirigido por David Frankel. Com: Owen Wilson, Jennifer Aniston, Eric Dane, Kathleen Turner, Nathan Gamble, Alan Arkin.

 

Embora traga o nome do cachorro Marley em seu título e seja divulgado por um cartaz engraçadinho que traz um adorável filhote com um laço de presente amarrado no pescoço, Marley & Eu não é um daqueles filmes açucarados que adotam, como centro da narrativa, planos que mostram as reações do animal enquanto este inclina a cabeça para o lado de forma curiosa ao observar os humanos. Assim, em vez de se transformar na base do longa, Marley é apenas um cachorro relativamente comum; e, longe de tentar nos mostrar o “ponto de vista” do bichinho, o diretor David Frankel se concentra em seus donos, permitindo que vejamos o cão através de seus olhos, mas sem que este assuma uma importância maior do que deveria. Marley apenas existe - e isto é o bastante.

 

Adaptado a partir do livro autobiográfico de John Grogan (que não li), o roteiro escrito pelos geralmente competentes (especialmente no caso do primeiro) Scott Frank e Don Roos se concentra no casal de jornalistas John (Wilson) e Jenny (Aniston), que, mudando-se para a Flórida depois de se casarem, resolvem adotar um filhote de labrador como “ensaio” para a família que pretendem formar. O que eles não antecipavam, porém, é que Marley (nome inspirado em Bob) se revelaria “o pior cão do mundo”, demonstrando um talento especial para destruir o que quer que esteja ao alcance de sua mandíbula. Com o passar dos anos e o crescimento da família Grogan, John se vê cada vez mais tentado a abandonar a coluna bem-sucedida que mantém na Flórida (e na qual descreve, entre outras coisas, as estripulias de seu cão) a fim de realizar o velho sonho de escrever matérias investigativas em outra publicação, ao passo que Jenny, sempre exausta, tenta manter a sanidade em uma casa com três crianças e o cão dos infernos.

 

Vindo do sucesso alcançado pelo bom O Diabo Veste Prada, Frankel demonstra, em Marley & Eu, um interesse alarmante por rápidos e deselegantes zooms (in e out) - algo do qual não me lembro naquele projeto e que o cineasta usa, aqui, com intenções sempre cômicas para revelar o estrago feito por Marley no quarto de John, o interesse do cão por um bando de pombos ou para mostrar o primeiro contato das crianças Grogan com a neve. Da mesma forma, o diretor poderia ter dispensado o batido plano no qual vemos vários personagens cruzando a tela enquanto perseguem um animal em disparada, mas creio que isto era inevitável. Mais interessante, por outro lado, é a boa utilização da direção de arte para estabelecer a diferença entre a redação mais “família” e intimista na qual John trabalha na Flórida e outra mais profissional, mas fria, que ele conhece na Pensilvânia – e igualmente eficaz é a ótima montagem que ilustra a passagem dos anos através de pequenos momentos entre John e Jenny e de trechos das várias colunas publicadas pelo primeiro ao longo do tempo.

 

Aliás, se há um elemento extremamente bem-sucedido na narrativa de Marley & Eu, este diz respeito à maneira com que Frankel e o montador Mark Livolsi conseguem retratar a passagem do tempo durante a projeção, permitindo que o espectador acompanhe o crescimento da família Grogan sem que o filme soe episódico ou esquemático. Com isso, podemos perceber a evolução daquele casamento e, assim, quando John e Jenny eventualmente se desentendem, compreendemos o que move ou aborrece cada um – e, para crédito ainda maior do roteiro, do diretor e do elenco, as discussões do casal soam reais, incluindo acusações e alfinetadas que dois adultos que se conhecem tão bem certamente empregariam num confronto, mas sem jamais ultrapassar a linha do aceitável em prol do drama barato. Assim, quando um amigo de John pergunta se este irá se divorciar, o sujeito responde, surpreso, que isto jamais passou por sua cabeça, já que brigas num casamento são esperadas e podem ser resolvidas através do diálogo.

 

Atriz talentosa cuja competência vem sendo ofuscada por sua presença constante nos tablóides (e para constatar seu talento basta assistir a Por um Sentido na Vida, Separados pelo Casamento ou Rock Star, por exemplo), Jennifer Aniston oferece mais uma performance perfeitamente modulada e sensível em Marley & Eu: observem, por exemplo, como sua expressão já denuncia, de forma sutil, como Jenny percebe que há algo errado quando a técnica de ultrassom pede licença para chamar um médico – e reparem, também, como ela retrata a dor de sua personagem sem apelar para um exagero de atriz desejosa de chamar a atenção. Eficiente também ao encarnar o cansaço daquela mulher (qualquer um que tenha filhos pequenos se identificará com a cena na qual ela se desespera ao perceber que o bebê será despertado por um barulho), Aniston compõe Jenny como alguém que, mesmo tendo feito uma escolha consciente de abandonar a carreira para cuidar da família, ainda se questiona sobre a própria decisão, o que não só é natural, como tocante.

 

Enquanto isso, Owen Wilson, com sua fala sempre mansa e seu jeitão despojado, converte John num protagonista simpático, estabelecendo uma importante ligação com o público ao mesmo tempo em que indica, também sutilmente, uma certa tristeza subjacente ao olhar irreverente do jornalista. Insatisfeito por natureza, John parece sempre querer algo mais, numa inquietação que perturba seu casamento e eclipsa suas conquistas profissionais – e, mais uma vez, Wilson retrata bem este aspecto do personagem. O que o ator não consegue fazer, infelizmente, é protagonizar cenas dramáticas de maneira convincente, o que obriga Frankel, em certo instante da projeção, a privilegiar Aniston durante uma conversa que o casal mantém por telefone, usando as reações dela ao sofrimento do marido para contornar o fato de que Wilson, por si só, não conseguiria transmitir este sentimento para o espectador. Mas se ele falha no drama, pior é Kathleen Turner, que, numa quase-ponta, apenas se embaraça ao tentar fazer rir como uma adestradora de cães – um fracasso que se torna ainda mais óbvio quando contrastado com a facilidade com que Alan Arkin provoca o riso sem parecer se esforçar (notem, por exemplo, seu timing perfeito e sua expressão absurdamente séria ao dizer “Estou morrendo de rir” e testemunharão um talento cômico em ação).

 

No entanto, a maior surpresa oferecida por Marley & Eu reside na força dramática que o filme revela possuir em seu ato final (e não leia o restante deste texto caso não queira descobrir o desfecho da história): retratando com imensa ternura os fortes laços que inevitavelmente se estabelecem entre um cão e seu(s) dono(s), o longa eventualmente lida com o envelhecimento de Marley, que, de cão alegre e agitado, se torna adoentado e lento. E é neste ponto que John, como um amigo paciente, passa a se dedicar de forma comovente a atender às necessidades de um animal que, idoso, não consegue ouvir ou mesmo se movimentar direito. Mas é no momento em que a veterinária recomenda que o cão seja colocado “para dormir” que Frankel e Wilson realmente se destacam, merecendo aplausos pela sensibilidade com que retratam a despedida de John, que, acariciando cada parte do corpo de seu velho companheiro, sofre por saber que aqueles serão seus últimos segundos ao lado de Marley. E se era inevitável incluir um flashback com os “melhores momentos” do cão, ao menos o cineasta encontra uma maneira orgânica de fazê-lo ao levar os personagens a reverem uma fita na qual Marley surge brincando.

 

Mas a prova definitiva de que o filme desenvolveu com competência sua narrativa pode ser encontrada em nossa própria reação ao acompanhar os Grogan depois da partida de Marley: embora um “simples” cão, não há dúvidas de que, sem ele, aquela família surge triste e inequivocamente incompleta.

 

Observação: os créditos finais apontam que os personagens e a história são fictícios, o que é estranho, já que, como apontado acima, o filme se baseia no livro autobiográfico de John Grogan – que, inclusive, empresta seu nome (e os de sua esposa e filhos) à produção. Vá entender...

 

24 de Dezembro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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