Datas de Estreia: | Nota: | ||
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Brasil | Exterior | Crítico | Usuários |
04/02/2011 | 01/01/1970 | 4 / 5 | 5 / 5 |
Distribuidora | |||
Duração do filme | |||
115 minuto(s) |
Dirigido por David O. Russell. Com: Mark Wahlberg, Christian Bale, Melissa Leo, Amy Adams, Mickey O’Keefe, Jack McGee, Bianca Hunter, Melissa McMeekin, Erica McDermott, Dendrie Taylor, Kate B. O’Brien, Jill Quigg, Jenna Lamia, Sugar Ray Leonard.
O boxeador peso-leve Micky Ward construiu sua carreira nos ringues a partir de sua incrível resistência aos golpes dos adversários, freqüentemente suportando um imenso castigo até que os oponentes estivessem exaustos para só então enfrentá-los diretamente – uma postura que, curiosamente, ele parecia adotar também em sua vida particular ao tolerar os abusos e as vontades da mãe e do irmão dominadores até finalmente perceber que uma mudança se fazia necessária. Depois de passar dez anos basicamente sendo pago para apanhar em lutas que visavam promover seus adversários, Ward deu uma guinada impressionante em sua trajetória ao se envolver com uma garota local da comunidade e ao passar a encarar o boxe com mais seriedade, numa história admirável que agora ganha as telas graças aos esforços do protagonista-produtor Mark Wahlberg.
Roteirizado por Scott Silver, Paul Tamasy e Erick Johnson, o filme é dirigido por David O. Russell com uma dedicação impressionante à verossimilhança – algo que o ótimo cineasta (Três Reis, Huckabees – A Vida é uma Comédia) talvez tenha adotado como estratégia justamente por saber que, em sua essência, a história de Ward seguia uma estrutura convencional como a de um típico exemplar do gênero. Assim, o que evita que o longa se transforme apenas numa coleção de clichês enquanto o protagonista vai do inferno-ao-céu-e-de-volta-novamente é o fato de reconhecermos aquelas pessoas como indivíduos complexos e reais. Para isso, Russell confere ao projeto uma abordagem documental desde o primeiro plano, que traz o ex-lutador Dicky Eklund (Bale), irmão de Micky, preparando-se para uma entrevista. A partir daí, o diretor mantém sua câmera sempre na mão e próxima dos personagens, enquanto o diretor de fotografia suíço Hoyte Van Hoytema (Deixa Ela Entrar) evita qualquer tipo de luz mais rebuscada ou estilizada, interessando-se pela frieza e pela crueza de um universo triste ou pelas imagens lavadas que buscam reproduzir a textura de vídeos de arquivo. Além disso, vários dos comentários ouvidos durante as lutas de Micky são citações literais daqueles feitos ao longo das transmissões reais, ao passo que um dos treinadores do protagonista, Mickey O’Keefe, aqui surge interpretando a si mesmo.
Assim, O Vencedor acaba se estabelecendo como uma obra não sobre o boxe, mas sobre seus personagens e as relações entre estes. Encarnando Dicky como um sujeito extremamente magro, semi-calvo e repleto de tiques que denunciam sua dependência química instantaneamente, Christian Bale praticamente rouba o filme ao evitar que o ex-lutador se transforme numa caricatura, sendo hábil ao retratá-lo também como um homem que, apesar de todos os defeitos, revela-se dono de uma personalidade cativante que parece seqüestrar a atenção de todos ao seu redor. Trágico por parecer não perceber ter atingido o fundo do poço, Eklund sonha com um retorno triunfal ao ringue mesmo aos 40 anos de idade, numa ilusão estimulada pela lembrança de ter conseguido derrubar, no início da carreira, o lendário Sugar Ray Leonard (que, aliás, faz uma ponta no longa). Mais relevante do que isto, contudo, é a óbvia experiência de Dicky, que, mesmo decadente, mostra-se sempre capaz de oferecer bons conselhos ao irmão mais novo quanto às estratégias no ringue – e não é à toa que Micky, mesmo ciente dos problemas do outro, mostra-se sempre disposto a escutá-lo.
Menos compreensível, por outro lado, é a fidelidade do protagonista à mãe: claramente mais dedicada ao problemático Dicky do que a Micky, Alice é vivida por Melissa Leo como uma mulher capaz de, movida por interesses financeiros, estimular o caçula a lutar com um oponente bem maior apenas para portar-se como uma mãe sofredora ao vê-lo ser surrado no ringue. Matriarca de um lar dominado por mulheres (Micky temsete irmãs), Alice mostra-se sempre plenamente consciente de seu poder sobre o filho, usando a chantagem emocional ou o puro cinismo de acordo com a necessidade de cada momento – e a performance de Leo, carregada de energia e agressividade, é um espetáculo à parte. Enquanto isso, Amy Adams, normalmente tão doce na tela (vide Retratos de Família, Encantada e Julie & Julia), desta vez encarna uma jovem forte e desbocada que se estabelece como a única pessoa capaz de enfrentar sem receios a dominante mãe de Micky.
Mas estas atuações tão grandiosas e marcantes só funcionam, vale dizer, por serem ancoradas pela performance centrada e discreta do sempre subestimado Mark Wahlberg, que compõe Micky com uma generosidade que reflete o próprio personagem. Bom irmão, filho e namorado, Micky é um boxeador que parece abominar qualquer confronto fora dos ringues – e seu desconforto diante das constantes brigas familiares reflete não apenas sua natureza pacífica como também sua lealdade incondicional àqueles que o cercam (e seu relacionamento com Dicky é, sem dúvida alguma, o centro emocional de O Vencedor).
Realizando um belíssimo trabalho de recriação de época através dos figurinos e penteados (especialmente das mulheres da família Eklund-Ward), o filme acerta também em sua direção de elenco, que adota uma abordagem neo-realista ao trazer na figuração os rostos inconfundíveis de nativos da violenta e deprimente cidade de Lowell, onde a história se passa e que é palco de uma verdadeira epidemia de dependência docrack – um vício cujos efeitos devastadores sobre Dicky são retratados com dureza por Bale e Russell (e a dor da família durante a exibição de um documentário sobre o sujeito representa um dos momentos mais tocantes da projeção).
Pecando apenas pelas medíocres seqüências de boxe, que empalidecem diante dos clássicos do gênero (Rocky e Touro Indomável), O Vencedoracaba sendo prejudicado justamente ao ser obrigado a retornar ao clichê e depender de uma luta em seu clímax – e como esta soa inverossímil e desinteressante, o longa tropeça precisamente quando deveria empolgar mais. Um equívoco que só não derruba o filme graças ao nosso investimento pessoal nos dois irmãos que movem a narrativa.
Observação: os verdadeiros Micky Ward e Dicky Eklund surgem durante os créditos finais num depoimento descontraído e revelador.
05 de Fevereiro de 2011
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