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Críticas por Pablo Villaça

Datas de Estreia: Nota:
Brasil Exterior Crítico Usuários
14/11/2008 01/01/1970 4 / 5 4 / 5
Distribuidora
Duração do filme
96 minuto(s)

Vicky Cristina Barcelona
Vicky Cristina Barcelona

Dirigido por Woody Allen. Com: Javier Bardem, Scarlett Johansson, Rebecca Hall, Penélope Cruz, Patricia Clarkson, Kevin Dunn, Chris Messina e a voz de Christopher Evan Welch.

 

Vicky Cristina Juan Maria Barcelona – talvez este devesse ser o título do novo trabalho de Woody Allen. Porém, ao concentrar-se em apenas três de seus cinco personagens principais (e, sim, a cidade de Barcelona é um deles), o título não se revela de todo inapropriado, já que, afinal de contas, é do encontro entre as norte-americanas Vicky (Hall) e Cristina (Johansson) e a cidade espanhola que todos os conflitos e mudanças vistos ao longo do filme partem. E, pensando bem, se todos os personagens importantes do projeto fossem figurar em seu título, algum espaço teria que ser encontrado para o Amor, cuja natureza mutante, imprevisível, prazerosa e sufocante move todos os demais.

 

Escrito por Allen como de hábito, o longa gira em torno das duas amigas do título que, durante as férias, decidem passar três meses em Barcelona: Vicky é uma acadêmica cujo mestrado aborda a cultura catalã e que está noiva de um executivo de Nova York, ao passo que Cristina é uma jovem instável que ainda não descobriu sua verdadeira vocação ou mesmo o que busca no amor. Hospedadas na casa de uma parenta de Vicky, elas conhecem o pintor Juan Antonio (Bardem), cujo casamento com a também pintora Maria Elena (Cruz) chegou ao fim quando esta o esfaqueou. Logo as duas moças se vêem atraídas pelo espanhol, embora Vicky, como uma autêntica alter-ego do diretor, resista ao impulso de se entregar em função de todas as suas objeções neuróticas. O triângulo amoroso se complica, porém, ao tornar-se um quadrado com o retorno de Maria Elena.

 

Banhado em cores quentes que retratam Barcelona como uma cidade de prazeres e sensações intensas, o filme faz uma belíssima utilização dos pontos turísticos do lugar: evitando transformar o longa num mero cartão postal, Woody Allen emprega a arquitetura de Gaudí como um comentário sobre os próprios personagens, que, refletindo o estilo que marcou a obra do catalão, são criaturas tão complexas e aparentemente tão instáveis que mal compreendemos como podem se manter funcionais. Da mesma forma, as músicas que atravessam a narrativa – e que pontuam o único aspecto passional do temperamento de Vicky – não só comentam como também compõem aquele universo repleto de paixões e personalidades tempestuosas.

 

Enquanto isso, Allen transforma seu pares de personagem em comentários à parte sobre vários temas: se Doug (Messina) e Vicky representam a razão, Juan e Maria Elena são a pura emoção, ao passo que Cristina, plantada ali no meio, tenta encontrar um equilíbrio ao analisar constantemente os próprios sentimentos (o que, de certa forma, a impede de sentir-se completamente feliz ou em paz com suas escolhas, que passam por um permanente auto-questionamento). Por outro lado, se o casal norte-americano reflete o puritanismo (Vicky) e o materialismo (Doug) ianque, Juan e Maria Elena defendem, através de suas atitudes, a liberalidade e a sofisticação intelectual e artística do velho continente – permanecendo Cristina novamente entre os dois, já que, apesar de mais aberta a experimentações sexuais e de relacionamento, permite que sua natureza inconstante a leve de volta ao individualismo representado por sua “busca” solitária por um romance ideal.

 

Empregando a narração como um recurso quase literário ao expor, através do narrador, os sentimentos e dúvidas dos personagens, o roteiro de Vicky Cristina Barcelona é – como costumam ser os textos de Allen – um verdadeiro presente para os atores. Javiem Bardem, por exemplo, personifica o ideal romântico do artista sofrido, de olhos tristes e barba por fazer, que, no entanto, é um amante intenso e insaciável. Além disso, sua fascinação pela ex-esposa é uma característica intrigante, já que comenta, por si só, um dos aspectos mais curiosos (e frustrantes) do Amor, que só soa perfeito ao permanecer idealizado, ou seja: ao não se concretizar – e observem como Bardem sorri, encantado, ao explicar como Maria Elena o esfaqueou. Aliás, reparem também a similaridade de cores e estilos dos figurinos utilizados por Bardem e Cruz e percebam como Allen usa este detalhe para ressaltar a forte ligação do casal, ao passo que Vicky e Cristina jamais parecem se encaixar de fato naquela atípica família (embora esta última mantenha a ilusão de ser parte importante daquele lar, ela nada mais é do que a ponte que permite que Juan e Maria Elena convivam com harmonia).

 

E se Scarlett Johansson mais uma vez comprova sua já notória inexpressividade, Penélope Cruz não desperdiça a chance oferecida por Allen para criar uma personagem marcante que já desperta nossa curiosidade muito antes de ser vista pela primeira vez em cena. Explosiva, instável e absurdamente sedutora, a atriz se mostra infinitamente mais sensual do que Johannson, que, dez anos mais jovem e famosa mais por seus atributos físicos do que por seu (pouco) talento como intérprete, empalidece diante da espanhola. Enquanto isso, a desconhecida Rebecca Hall (ela viveu a esposa de Christian Bale em O Grande Truque) se destaca ao compor a figura mais tridimensional do filme, já que Vicky, ao contrário dos demais, se vê sempre divida entre seus impulsos e a própria razão – e é interessante notar como Allen e a montadora Alisa Lepselter (que se dedica exclusivamente aos trabalhos com o cineasta desde Poucas e Boas, de 99) constroem a cena entre Juan e Vicky no parque, realizando pequenas fusões entre planos e contraplanos em vez dos cortes de praxe, criando, com isso, um sentimento de comunhão bem maior entre os dois.

 

Equivocando-se apenas ao tentar nos convencer de que sua cronologia tem lógica (quando, na realidade, temos a impressão que um ano se passou, e não os supostos três meses das férias de Vicky e Cristina), Woody Allen finalmente realiza um bom trabalho depois do péssimo Scoop - O Grande Furo e do irregular O Sonho de Cassandra. E mesmo que este não seja um novo Match Point (nem vou citar os clássicos do diretor, pois isto seria injusto), é suficientemente bom para que nos lembremos do imenso talento de seu realizador. E por falar em “imenso”, não credite ao acaso a existência de um farol – um símbolo fálico por excelência - nas proximidades do local de nascimento de Juan. Este é apenas mais um exemplo sutil do senso de humor sempre afiado (e sacana) de um dos maiores autores que Hollywood já produziu.

 

14 de Novembro de 2008

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Pablo Villaça, 18 de setembro de 1974, é um crítico cinematográfico brasileiro. É editor do site Cinema em Cena, que criou em 1997, o mais antigo site de cinema no Brasil. Trabalha analisando filmes desde 1994 e colaborou em periódicos nacionais como MovieStar, Sci-Fi News, Sci-Fi Cinema, Replicante e SET. Também é professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas.

 

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